Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 10- outubro de 2006

Editorial

Entrevista
Evando Mirra de Paula e Silva

Patentes
Do laboratório à linha de produção


Propriedade intelectual e inovação na UFMG
Rubén Dario Sinisterra Milan

Incubadoras
Chocando futuras empresas

Empreendedorismo
Pequenas que trabalham como gente grande

Saúde Pública
Na captura do Aedes aegypti

A lei de inovação e sua repercussão nas
instituições científicas e tecnológicas

Edson Paiva Rezende, José Lúcio de Paiva Júnior, Maria Romanina Velloso Martins Botelho, Nícia Pontes Gouveia e Vinícius Furst Silva

Aeronáutica
Inventores de vôos

Paramec
Tecnologia a serviço da inclusão

Inovação na biotecnologia
Erna Geessien Kroon


Acessibilidade
Bengala eletrônica

Sistemas nacionais de inovação e desenvolvimento
Eduardo da Motta e Albuquerque

Nanotecnologia
Viagem ao país dos “nanos”

Conhecimento e riqueza
Ana Maria Serrão, Lívia Furtado, Mari Takeda Barbosa, Rochel Monteiro Lago, Lin Chih Cheng e Solange Leonel

Solidariedade
Da pura técnica à tecnologia social


Tecnologia social: um conceito em construção
Carlos Roberto Horta

Expediente

Outras edições

 

brasão

 

Saúde pública

Na captura do Aedes aegypti

Tecnologia desenvolvida nos laboratórios do Instituto de Ciências Biológicas mostrou ser arma poderosa no combate ao vetor da dengue

Problema de saúde pública em mais de cem países, nos diferentes continentes – com exceção da Europa –, a dengue afeta, anualmente, até cem milhões de pessoas no mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Debruçando-se sobre números como esses o professor Álvaro Eduardo Eiras, do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas, encontrou motivação para se dedicar a pesquisas que resultaram em um avançado sistema de monitoramento da presença do vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti, nas cidades brasileiras.

Eiras e a equipe do Laboratório de Culicídeos iniciaram as pesquisas, em 1998, observando a metodologia utilizada pelo Ministério da Saúde para reconhecimento e controle das áreas infestadas pelo vetor da dengue. A primeira constatação foi a de que todo o processo do combate ao mosquito era pouco eficiente, já que o período gasto para a produção de informações sobre a situação era muito longo, além de não fornecer indicadores confiáveis para predição de risco da dengue.

A primeira idéia foi a de adequar a armadilha de oviposição, desenvolvida, nos anos 1960, pelos pesquisadores norte-americanos Fay e Eliason, e utilizada para capturar ovos do mosquito, com o intuito de demonstrar o nível de infestação, ou de reinfestação, da área monitorada.

Em 2001, depois de observar, com o uso de câmaras, o comportamento do mosquito na velha armadilha, Eiras apresentou uma nova versão do equipamento. Batizada de MosquiTrap, a armadilha de Eiras atrai o mosquito e prende-o num cartão adesivo, afixado na parede interior do vasilhame de plástico. Dessa maneira, além de impedir que a fêmea deposite os ovos, a armadilha permite que a população de mosquitos, na região, seja estimada.

Registrando a patente “Para desenvolver o cartão, foram dois anos de muito trabalho”, conta Eiras. O produto, resultante das pesquisas iniciadas em 1998, foi objeto da primeira patente registrada pela UFMG. A descoberta motivou Eiras a montar uma empresa – a Ecovec Ltda. – com o Instituto Inovação. Essa instituição, que se define como “aceleradora de negócios”, trabalha na gestão da empresa e busca recursos para o desenvolvimento de pesquisas e de produtos de base tecnológica, incluindo o processo de comercialização.

Dessa pesquisa resultou o Monitoramento Inteligente Dengue (M.I.-Dengue), um “pacote” que incorpora as tecnologias criadas por Eiras e sua equipe, o que inclui, além da MosquiTrap, um atraente de mosquitos, denominado AtrAedes, e um sistema informatizado para o monitoramento, quase inteiramente on-line, das áreas onde são instaladas as armadilhas.

O AtrAedes é o produto que substitui a infusão malcheirosa utilizada na armadilha norte-americana para atrair o mosquito. Segundo Eiras, duas teses de doutorado e três dissertações de mestrado, orientadas por ele, contribuíram para o desenvolvimento do atraente, cujo formato é o de uma pastilha quadriculada, com textura semelhante à do silicone.

“Tivemos de identificar os inúmeros compostos, agrupar os que mais funcionavam para atração dos mosquitos e, ainda, criar um sistema de liberação constante do odor do atraente”, explica o pesquisador Adson Luís Sant’Ana, destacando que o AtrAedes possui uma grande vantagem sobre a infusão: não cheira mal – ao contrário, tem um odor agradável – e funciona por um longo tempo – ou seja, libera o odor por até 60 dias. O produto, também patenteado pela UFMG, está sendo fabricado, atualmente, na Inglaterra, mas uma nova versão, em fase final de pesquisa, deverá ser produzida pela Ecovec Ltda, em Belo Horizonte (MG).

Software A terceira ferramenta do M.I.-Dengue é o software que executa, de forma especialmente ágil, um monitoramento constante das áreas onde as MosquiTraps foram estrategicamente espalhadas. Os agentes de vigilância, treinados para inspecionar as armadilhas, são munidos de um palmtop, em que registra todas as informações necessárias para a produção de relatórios sobre a situação da região que cobrem. Essas informações são semanalmente enviadas, por celular, para a central da Ecovec, que recebe os dados e produz mapas geoprocessados, com os índices entomológicos.

Também esse software foi patenteado pela Ecovec, que possui a licença para a comercialização dos três produtos, pagando royalties à UFMG.

O pesquisador está na fase final de desenvolvimento de um segundo modelo da MosquiTrap, tecnologicamente mais sofisticado. Os investimentos feitos no novo produto foram bem superiores ao do primeiro, porém com uma relação custo/benefício mais favorável. “Desenvolvemos uma tecnologia que é viável para nosso país, porque o contrário não faria sentido”, salienta Eiras.

A economia que o “pacote” do M.I.-Dengue proporciona aos programas de controle da dengue é ressaltada por Eiras: se o monitoramento é realizado de maneira mais eficiente e o combate à existência e reprodução do mosquito pode ser feito rapidamente, o Poder Público gastará muito menos com o atendimento de pessoas infectadas, além, é claro, de evitar uma série de prejuízos para a economia local por causa das infestações.

Nos anos de 2004 e 2005, o Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria de Vigilância e Saúde, testou as armadilhas em dez cidades do País, distribuídas por todas as regiões. O menor índice de aceitação do novo método pela comunidade foi de 98,4%.

Congonhas, cidade dos profetas do Aleijadinho, distante 66 km da capital mineira, é pioneira na utilização da tecnologia embutida no M.I.-Dengue. O município, desde novembro passado, é monitorado a partir da distribuição de cerca de 200 armadilhas contra o mosquito transmissor da dengue. “Enquanto um único caso de internação causado pela doença custa ao sistema de Saúde Pública cerca de R$ 3,5 mil, o serviço vendido pela Ecovec custa R$ 5,9 mil por mês”, compara Eiras. A segunda cidade a adotar o sistema de monitoramento foi Frutal, no Triângulo Mineiro.

Do Brasil para o mundo O MosquiTrap e o AtrAedes já foram exportados para Alemanha, França e Itália. A tecnologia, entretanto, tem atraído, também, o Poder Público de outros países, mesmo os mais distantes. Em junho, o ICB recebeu a visita de Scott Ritchie, secretário de Saúde do Norte da Austrália, interessado em conhecer o sistema de monitoramento da dengue atestado pela equipe do Laboratório de Culicídeos. Ele saiu muito bem impressionado com o nível de pesquisa produzida na UFMG, segundo Eiras, destacando que foram iniciadas as negociações, por intermédio da Ecovec, para a exportação da tecnologia.

“A tecnologia foi desenvolvida pela gente, mas corremos o risco de sermos os últimos a utilizá-la”, critica Eiras, reclamando da morosidade do Ministério da Saúde brasileiro para aprovar o sistema. Para o pesquisador, também a Universidade ainda precisa aperfeiçoar os mecanismos de estímulo à pesquisa aplicada. O problema é que o pesquisador não tem tempo nem sabe lidar com essa parte, que ultrapassa sua competência específica”, conclui.

Conceição Bicalho
ilustração