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Regina Horta Duarte Professora associada do Departamento de História da UFMG. Professora residente do Ieat. Membro eleito da Junta Diretiva Solcha, gestão 2006/2010. Presidente do Comitê Organizador do IV Simpósio da Solcha
A Universidade Federal de Minas Gerais abrigou, em maio deste ano, o IV Simpósio da Sociedade Latino-Americana e Caribenha de História Ambiental (Solcha). Foram apresentados cerca de 200 trabalhos de pesquisadores de países diversos, como Brasil, México, Chile, Colômbia, Estados Unidos, Costa Rica, Panamá, Argentina, Trinidad y Tobago, Cuba, Espanha, Itália, Canadá, Inglaterra e Finlândia. Além do apoio da Fafich e do Centro de Comunicação (Cedecom) da UFMG, o evento contou ainda com o suporte da Fapemig, da Capes e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Há que se considerar a importância desse evento com destaque para dois aspectos. Em primeiro lugar, o Simpósio realizou-se num momento em que os meios acadêmicos brasileiros ressaltam a importância do intercâmbio cultural e científico dos países de toda a América. Em segundo lugar, a universidade reafirma seu papel no debate e construção do conhecimento dentro de um dos temas mais essenciais de nossa contemporaneidade: a questão ambiental.
O evento assume importância inegável para o desenvolvimento no Brasil de pesquisas nessa área, assim como para o aprofundamento dos contatos entre nossos pesquisadores e aqueles que têm se dedicado ao tema no restante da América Latina e no Caribe, assim como na América do Norte e na Europa. O campo de conhecimento da História Ambiental é relativamente recente. O termo foi cunhado por historiadores norte-americanos reunidos em 1977 em torno da fundação da American Society for Environmental History e da revista Environmental History. Em 1999, surgiu, na Europa, a European Society for Environmental History, que também passou a publicar uma revista exclusivamente dedicada ao tema, a Environment and History. Os primeiros debates sobre a fundação de uma sociedade latino-americana ligada ao tema aconteceram no Chile, em 2003. Em 2004, os mesmos pesquisadores, reunidos em Cuba, fundaram a Solcha, cujo propósito é o de fomentar a investigação, o intercâmbio de opiniões, a educação e a divulgação de conhecimento da história ambiental da América Latina e Caribe, a partir de uma perspectiva de diálogo entre várias áreas do conhecimento.
Com esse objetivo, aspira estimular a cooperação entre os interessados nesse segmento do estudo da História, para contribuir com a compreensão das transformações ambientais do passado e do presente e colaborar com ações que visem construir sociedades mais justas e sustentáveis.
Durante três dias consecutivos, historiadores, geógrafos, geólogos, antropólogos, urbanistas e outros profissionais de áreas e países diversos reuniram-se para debater temas de instigante diversidade, como mudanças nas paisagens das áreas mineradoras em vários países; novos métodos de pesquisa através de fotografias aéreas; história do lixo nas cidades latino-americanas; dimensões ambientais no colonialismo europeu; movimentos ambientalistas e lutas por justiça social; práticas de educação ambiental; manejo e uso de solo e conservação ambiental na terra indígena Xakriab, em Minas Gerais; indústria madeireira e a silvicultura; migração de aves entre a Colômbia e os Estados Unidos e as iniciativas transnacionais de proteção ambiental; relações entre criação de gado e plantio de açúcar em Cuba no século 19, entre muitos outros.
No seio dessa pluralidade temática, a História surge como fio condutor. O debate da História Ambiental tem apontado amplamente a necessidade do abandono do dualismo entre a sociedade e a natureza, buscando nova compreensão de uma relação entendida para além de mera influência do meio sobre os homens ou vice-versa. Se consideramos a sociedade e a natureza em seu devir histórico, percebemos que as significações e os simbolismos construídos acerca da natureza são tão dinâmicos e mutáveis quanto as identidades que as sociedades constroem para si. Nessa perspectiva, a História Ambiental não tem como objetivo a busca de verdades acerca do mundo natural. Para o historiador, importa o que as diferentes sociedades instituíram e significaram como sendo a natureza, a forma como representaram a paisagem, as florestas, a fauna, a proximidade dos rios ou a escassez da água, as doenças que as atingiram, as catástrofes naturais. Mas também interessa como as sociedades deram respostas diferentes às condições do meio natural e como dele se apropriaram, modificando-o. Enfim, a pergunta a ser realizada pelo historiador ambiental pauta-se no desejo de compreender o que se constituiu como natureza para os homens de diferentes sociedades. Sua indagação dirige-se ao estudo da maneira como visões específicas do que é a natureza constituíram-se como práticas históricas diferentes, em tempos e lugares variados.
A História permite o encontro com outras possibilidades de existência humana e com os diversos significados atribuídos à natureza por outras sociedades. Se, por um lado, não podemos compreender o outrora e o alhures da humanidade a não ser em função de nossas próprias categorias, a operação historiográfica viabiliza, em compensação, retornar tais categorias, repensá-las, compreendê-las e, principalmente, transformá-las. Tornamo-nos, assim, capazes de entrever novas formas dos homens se inter-relacionarem, mas também outras maneiras de significar o meio natural.
Inúmeros pesadelos rondam nossa sociedade contemporânea: o acirramento do efeito estufa; a escassez da água e de outros inúmeros recursos naturais, que se esvaem no desperdício de um consumo frenético; as conseqüências ainda imprevisíveis da produção e do consumo de alimentos geneticamente modificados; a utilização de armas químicas; a transformação da Amazônia em um deserto. Além dessas ameaças à continuidade biológica da espécie humana, há outra não menos terrível: a possibilidade da total homogeneização das sociedades em um mundo neoliberal e globalizado. Tal tendência – delineada desde os anos 1940, quando o modelo desenvolvimentista passou a sistematizar um padrão a ser alcançado pelos países “subdesenvolvidos” – implicaria no gradual e inexorável desaparecimento da diversidade das culturas humanas. É dessa ameaça, sem dúvida, que Lévi-Strauss falava, em 1950, quando criticava a noção evolutiva de um processo cumulativo em direção à ocidentalização mundial, afirmando, em Raça e História, que “a civilização implica a coexistência de culturas que oferecem entre si a máxima diversidade e consiste mesmo nessa coexistência”.
O conhecimento sobre o tema ambiental muito tem a ganhar com o diálogo com a História. O Brasil, assim como toda a América Latina, possui uma incrível e deslumbrante biodiversidade. Mas não menos impressionante é a diversidade de populações e a multiplicidade de formas de relação com a natureza ao longo de sua história. É certamente um erro considerar a biodiversidade separada da sociodiversidade que ainda a povoa. O estudo das sociedades latino-americanas no tempo pode contribuir para um pensamento ambiental no qual o homem não seja compreendido como um elemento externo à natureza, mas como aquele que continuamente, ao reinventar a sociedade, reinventa a natureza.
O vigor e a promessa dessa nova perspectiva residem no fato de que ela poderá servir prioritariamente à vida e, mais que sua mera conservação, constituir-se em prol da afirmação de sua abundância, ligando-se ao tempo presente e aos homens presentes.
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