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Uma introdução a buracos negros

Como surgem, o que são, e como é “cair” em um?

 

23 de julho de 2024

 

 

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A Historia dos Buracos Negros

Na véspera de Natal do ano de 1915, Albert Einstein recebeu em seu apartamento em Berlim uma carta que mudaria para sempre a Física, a Astronomia e a nossa percepção do Cosmos. O envelope havia sido enviado diretamente das trincheiras do front oriental da Primeira Guerra Mundial por um comandante de uma unidade de artilharia chamado Karl Schwarzschild.

 

Acontece que, menos de um mês antes, Einstein havia publicado o que chamamos de “equações de campo” da Teoria da Relatividade Geral, na qual o físico descreveu a gravidade como um fenômeno geométrico que surge da curvatura do espaço-tempo. Einstein, entretanto, acreditava originalmente que estas equações não possuíam solução, sendo capazes de serem resolvidas apenas por cálculos aproximados. Porém, no rascunho daquele envelope que havia cruzado metade da Europa em guerra total, haviam as soluções para as equações de Einstein.

 

Albert Einstein e Karl Schwarzschild. (Créditos: Wikimedia/Commons).

 

Schwarzschild era um renomado físico e matemático quando ingressou no exército alemão como voluntário, em 1914. Entre as explosões de morteiros e nuvens de gás mostarda, foi capaz de continuar revolucionando a ciência. Suas soluções para as equações de Einstein descreviam perfeitamente como a gravidade e a massa dos objetos interagem no universo, de acordo com a Relatividade Geral. Menos de dois meses depois de compartilhar seus resultados, Schwarzschild viria a se tornar vítima de uma doença auto-imune que o atingiu enquanto servia nas trincheiras, falecendo aos 42 anos de idade.

 

Contudo, ao resolver as equações, Schwarzschild encontrou uma anomalia, que ele mesmo considerou ser impossível, e a descartou apenas como um erro. Segundo seus cálculos, quando a densidade de um corpo ultrapassa um limite, as leis da física param de funcionar em seu entorno, com o próprio espaço dobrando sobre si mesmo e o tempo parando de passar. Em sua ultima faísca de genialidade, logo antes de deixar este mundo, Schwarzschild havia descoberto matematicamente, nas cartas enviadas à Einstein, a existência de um dos mais extremos corpos do universo, capaz de imediatamente conquistar o nosso imaginário: os buracos negros.

 

O que exatamente é um buraco negro?

Para entendermos esses objetos tão fantásticos e misteriosos, precisamos primeiro compreender como eles se formam. Todos os buracos negros do universo, em algum momento, foram o núcleo de uma estrela gigante.

 

Como explicado no texto do Blog As estrelas morrem?” e na live Descobrindo o Céu “Vida e morte das estrelas”, um buraco negro surge quando uma estrela com mais de oito vezes a massa do Sol chega ao fim de sua vida, colapsa sobre si mesma e toda a massa de seu núcleo se acumula em um único ponto infinitamente pequeno.

 

Nasce assim um buraco negro. Em seu centro está a singularidade: um ponto que não ocupa espaço e que, mesmo assim, possui uma massa maior do que muitas estrelas. Na região em volta da singularidade, a gravidade é tão intensa que um objeto teria que se mover mais rápido do que a luz para escapar dali. Como isso não é possível, nada é capaz de deixar esta área, nem mesmo a luz, gerando assim uma esfera em volta da singularidade, o horizonte de eventos.

 

Diagrama que mostra os possíveis caminhos na vida de uma estrela. À direita, podemos ver a progressão de estrela massiva para supergigante vermelha, que passa pelo processo de supernova e pode se tornar um buraco negro. (Diagrama adaptado. Créditos: NASA).

 

Curiosidade: Todo objeto do universo pode teoricamente ser comprimido a ponto de se tornar um buraco negro. Nosso Sol, por exemplo, se tivesse toda sua massa condensada em uma esfera com 6 km de diâmetro, se transformaria em um buraco negro. Nosso planeta, então, teria que ser comprimido ao tamanho de uma moeda. Caso tenha interesse em brincar com estes números, a calculadora de Schwarzschild é uma ferramenta interessante.

 

Como provamos a existência destes objetos?

Mesmo com as previsões matemáticas de Schwarzschild, em 1915, grande parte da comunidade científica não acreditou na ideia de um objeto tão singular como o descrito pelos cálculos. Porém, com o passar das décadas, o avanço nas tecnologias de pesquisa e exploração espacial permitiram confirmar a existência desses objetos.

 

O termo “buracos negros” foi criado em 1968 e o primeiro objeto desse tipo foi encontrado em 1971. Uma intensa fonte de raio-X foi descoberta na constelação de Cisne, que só pode ser detectada por satélites porque a atmosfera da Terra impede que esse tipo de radiação atinja a superfície do planeta. A única estrela incomum na região observada era uma supergigante azul, mas que não poderia ser responsável pela intensa quantidade de raios-X.

 

Análises e observações mais aprofundadas realizadas ao longo da década trouxeram evidências para a hipótese de um buraco negro, uma vez que a densidade do objeto responsável por essas emisões deveria ser muito maior do que o limite teórico de qualquer estrela que já havia sido observada. O que estava gerando a intensa emissão em raios-X era matéria arrancada da supergigante azul e aquecida a temperaturas extremas ao ser sugada para o buraco negro. 

 

Como não emitem e nem refletem luz, os cientistas detectam e estudam esses objetos principalmente a partir da forma como afetam gravitacionalmente o ambiente que os rodeia. Estrelas podem orbitar buracos negros sem serem destruídas. Mas se chegarem muito próximo a eles, as estrelas podem ser dilaceradas pela intensa gravidade, gerando um disco de gás e poeira ao redor do buraco negro.

 

Mais de cem anos depois das cartas de Schwarzschild, cientistas obtiveram a primeira confirmação visual direta da existência de um buraco negro. Em 2019, o projeto Event Horizon Telescope (EHT) observou a galáxia M87 na constelação de Virgem, em cujo centro há um buraco negro supermassivo. Após mais de cinco anos de processamento de dados, a imagem abaixo foi gerada:

 

Primeira imagem de um buraco negro, publicada em 2019. Esse objeto possui 6,5 bilhões de vezes a massa do Sol e se encontra no centro da galáxia M87,  a 55 milhões de anos-luz de distância. (Créditos: EHT).

 

Embora não possamos ver o horizonte de eventos em si, já que ele não pode emitir luz, o gás brilhante que orbita o buraco negro revela uma região central escura, chamada “sombra”, rodeada por uma estrutura brilhante em forma de anel. A sombra é o mais próximo que podemos chegar da imagem do próprio buraco negro. No caso do objeto no centro de M87, o horizonte de eventos é cerca de 2,5 vezes menor do que a sombra que projeta e mede pouco menos de 40 bilhões de km de diâmetro.

 

Três anos depois, o EHT também observou o buraco negro supermassivo no centro da nossa galáxia. Nomeado Sagittarius A*, ele se encontra na constelação de mesmo nome, há aproximadamente 27.000 anos-luz de distância, e possui aproximadamente 4 milhões de vezes a massa do nosso Sol. Mais informações sobre ele estão disponíveis no blog do espaço!

 

Como seria cair em um buraco negro?

Essa é uma das perguntas mais frequentes em Astronomia. Embora não saibamos exatamente o que aconteceria, existem algumas teorias. A resposta curta, no entanto, é que a sobrevivência seria altamente improvável.

 

A resposta mais complexa é que depende de vários fatores, como a massa do buraco negro, a velocidade em que ele está girando, se ele está consumindo matéria ou não, etc. O resultado é o mesmo: você muito provavelmente não escapará ileso, mas essas características do buraco negro irão determinar se você irá morrer instantaneamente ou ao longo de muitos anos. Caso ainda tenha interesse em imaginar como seria essa viagem, a NASA criou uma simulação 360° que mostra como seria se entrássemos no buraco negro no centro da nossa galáxia:

 

 

Mais comuns do que pensávamos

Muito mudou na ciência e na astronomia desde a época de Einstein e Schwarzschild, quando buracos negros eram considerados uma anomalia matemática impossível. Hoje em dia, já foram detectadas centenas destas singularidades e as previsões indicam que nossa galáxia pode conter dezenas de milhões de buracos negros.

 

O mais próximo desses objetos já encontrado se localiza na constelação de Ofiúco, próximo a Escorpião e Sagitário, há aproximadamente 1.500 anos-luz da Terra. O mais distante se encontra do outro lado do universo, há 13 bilhões de anos-luz de distância. 

 

Vale mencionar que podem existir muitos buracos negros indetectáveis, por não estarem interagindo com nenhuma estrela ou matéria ao seu redor. Então, não há nenhuma garantia de que o nosso Sol não irá simplesmente encontrar uma singularidade destas no futuro e ser consumido. As chances disto acontecer são mínimas, mas não são zero.

 

[Texto de autoria de Thiago Araújo, estagiário no Núcleo de Astronomia]

 

Referências

NASA: Black Hole Basics

NASA: What Are Black Holes

NASA: Black Hole Visualization Takes Viewers Beyond the Brink

NASA: Stars – Imagine the Universe

ESO: Black Holes

Event Horizon Telescope: First-ever Image of a Black Hole Published by the Event Horizon Telescope Collaboration

BBC Science Focus: The incredible story of how we discovered black holes

Kurzgesagt: What if You Fall into a Black Hole

American Museum of Natural History: The Country Parson Who Conceived of Black Holes