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Para além das páginas: como os livros transformam leitores em turistas

Descubra novos lugares para viajar e obras literárias para se encantar!

 

14 de maio de 2024

 

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Ao ler um livro que nos cativa, somos envolvidos pela magia de visualizar novos cenários, sentir emoções através das palavras e embarcar em uma verdadeira viagem com as personagens. Muitas vezes, para além da imaginação e das páginas, também podemos nos deslocar fisicamente até outras cidades, estados e países, com o objetivo de experienciar os locais que descobrimos nas histórias. 

 

Segundo Diomira Faria, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escritora e doutora em Economia, a viagem, seja real ou imaginária, é o elo que conecta a literatura e o turismo. “Quando o leitor, já capturado pelo texto, deseja vivenciar as conexões da narrativa e da história com um determinado lugar, — que pode ser onde se passa a história, ou o local de nascimento do autor ou da autora, ou onde é o museu da antiga casa do escritor — se realiza um movimento de sair de suas moradias e ir em direção a esse lugar. Ao realizar esse movimento de deslocamento físico ou espacial, o leitor se transforma em um leitor turista ou em um turista literário. E, assim, nasce o turismo literário”, explica a professora.

 

Inserido no segmento cultural, o turismo literário pode contribuir para o fomento da economia e de diferentes serviços, como transporte, hospedagem e alimentação. Com o apoio de políticas públicas e práticas sustentáveis, a atividade turística também auxilia na valorização cultural e na preservação ambiental dos lugares que recebem leitores e turistas.

   

A seguir, confira uma lista especial de destinos e livros que te farão viajar – em meio às páginas ou fora delas! 

 

O Rio de Janeiro que inspirou Clarice Lispector

 

 

Nascida na Ucrânia, Clarice chegou ao Brasil durante seus primeiros anos de vida, acompanhada dos pais e das duas irmãs, no ano de 1922. A escritora passou boa parte da infância na cidade de Recife e em 1935, aos 15 anos, se mudou para o Rio de Janeiro com a família. A capital foi cenário do início de sua carreira na literatura, com a publicação do romance Perto do Coração Selvagem (1943), e de diversas obras posteriores, como A Paixão segundo G.H. (1964) e Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres (1969). 

 

A Feira de São Cristóvão que inspirou A Hora da Estrela (1977) e o Jardim Botânico que compõe o conto Amor, disponível no livro Laços de Família (1960), são alguns pontos turísticos essenciais para conhecer o Rio de Clarice. No bairro do Leme também é possível visitar as estátuas de Clarice e seu cachorro Ulisses, idealizadas pela professora Teresa Monteiro e esculpidas por Edgar Duvivier. Eternizada no local onde viveu durante 12 anos, a escritora foi a primeira artista mulher a ser homenageada com uma estátua de bronze no Rio de Janeiro. Entre lugares e livros, Clarice deixou um magnífico legado que inspira a incessante busca pelas possibilidades de ser e de viver muitas vidas em uma só.   

 

As confidências do itabirano Carlos Drummond de Andrade

 

 

Itabira, cidade natal de Carlos Drummond de Andrade, é repleta de homenagens ao escritor e proporciona um verdadeiro roteiro literário. Durante uma visita ao município do interior de Minas Gerais é possível conhecer os espaços de cultura relacionados à memória e obra drummondiana, como a Casa de Drummond, a Fazenda do Pontal e o Memorial Carlos Drummond de Andrade. Todos eles são geridos pela Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA), que também é responsável por diversas programações culturais, eventos e atrações de Itabira. A cidade abriga, ainda, diversos tributos ao escritor: um painel de 32 metros de altura, feito pelo artista Eduardo Kobra em um prédio da avenida Duque de Caxias, e a obra Bolinho Drummonzinho, localizada na Praça da EEMZA, da artista itabirana Raquel Bolinho. 

 

Durante a juventude, Drummond estudou em Nova Friburgo (RJ) e Belo Horizonte (MG), onde se formou em Farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Entre suas principais publicações estão Alguma poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), livro que inclui o famoso poema Confidência do Itabirano, e Claro Enigma (1951). 

 

A tetralogia napolitana de Elena Ferrante

 

 

A história de um dos principais nomes da literatura contemporânea é desconhecida. Isso porque a autora, que escreve sob o pseudônimo de Elena Ferrante, nunca revelou sua identidade. Mas, para além da curiosidade, Ferrante também desperta a admiração de inúmeros leitores ao redor do mundo que mergulham em suas obras e viajam até Nápoles para conhecer a cidade, guiados pela narrativa da escritora misteriosa. 

 

A Amiga Genial (2011), História do novo sobrenome (2012), História de quem foge e de quem fica (2013) e História da menina perdida (2014) são os quatro livros que compõem a série napolitana de Elena Ferrante. As obras se desenvolvem ao redor da amizade entre as protagonistas Lila e Lenu, que personificam, de diferentes maneiras, a característica revolucionária tão inerente às mulheres. Ao longo de suas jornadas, as personagens percorrem lugares como a Piazza Dei Martiri, a Via Dei Tribunali, o Gran Caffè Gambrinus, a Via Chiaia e o Lungomare Caracciolo. A partir da escrita sensível e sem idealizações de Ferrante, Nápoles se torna o pilar central dos quatro livros e contribui para que locais afastados, como é o caso do bairro Rione Luzzatti, sejam procurados pelos turistas.   

 

Os heterônimos de Fernando Pessoa em Portugal

 

 

Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos: esses são alguns dos heterônimos que assinam diversas prosas e poesias de Fernando Pessoa. Todos eles são autores fictícios, aos quais Pessoa atribuiu personalidade, história de vida e características literárias próprias. O poeta também constituiu um semi-heterônimo, que conduz a narrativa do Livro do Desassossego (1982). Mensagem (1934) foi o único livro assinado por Fernando Pessoa ainda em vida.

 

Para descobrir mais sobre tal originalidade e inventividade, o leitor pode preparar um roteiro de viagem especial por Lisboa. A cidade abriga o edifício nº 4 do Largo de São Carlos, onde Fernando Pessoa nasceu; o Café A Brasileira e o Café Martinho da Arcada, ambos muito frequentados pelo poeta; o museu Casa Fernando Pessoa, onde morou durante seus últimos 15 anos de vida; e o Mosteiro dos Jerônimos, local que guarda o túmulo de Pessoa. As últimas palavras escritas pelo poeta, no dia 29 de novembro de 1935, foram I know not what tomorrow will bringNão sei o que o amanhã trará.   

 

O sertão de Guimarães Rosa

 

 

Mineiro de Cordisburgo, João Guimarães Rosa presenteou os leitores com narrativas intimistas e mapas literários. Médico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Guimarães Rosa também exerceu a diplomacia e se consagrou por meio da literatura, em especial com os livros Sagarana (1946) e Grande Sertão: Veredas (1956). 

 

Suas obras retratam o sertão de maneira proeminente. Por meio de ambientações fictícias ou regiões tão vastas e diversas quanto à realidade, o escritor demonstra as riquezas culturais, geográficas, ecológicas e históricas do sertão. A prosa rosiana consegue transportar o leitor para diferentes locais, ao mesmo tempo em que desperta nele o desejo de visitá-los. O mapa de Guimarães Rosa inclui o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, o Morro da Garça, a Chapada Gaúcha e o Parque Grande Sertão Veredas. A união entre a literatura e o turismo, a partir de Guimarães Rosa, nos lembra da importância de preservar a natureza e a diversidade de pessoas e saberes que habitam o sertão.

 

A mágica Colômbia de Gabriel García Márquez

 

 

Gabriel García Márquez nasceu na cidade de Aracataca, Colômbia, em 06 de março de 1927. Grande expoente do realismo mágico, García Márquez, também conhecido como Gabo, mesclava o cotidiano e elementos mágicos em suas obras, traçando um fio condutor entre as próprias experiências e as fascinantes narrativas de seus personagens. 

 

Além do Prêmio Nobel de Literatura e seu importante legado para a literatura latino-americana, o escritor também deixou inspirações para roteiros literários por Cartagena – cidade do caribe colombiano, onde viveu durante dois anos. A Praça Fernandez de Madrid, o Camellón de los Máritires, o Centro Gabo e o Mercado Basurto são alguns lugares que se relacionam com as obras de García Márquez. Em meio às páginas, os leitores também podem viajar pelas histórias de Cem Anos de Solidão (1967), O Amor nos Tempos do Cólera (1985), Doze Contos Peregrinos (1992) e o livro póstumo inédito Em agosto nos vemos (2024).    

 

As escrevivências de Conceição Evaristo em Belo Horizonte

 

 

E, por fim, não poderíamos deixar de mencionar a cidade que abriga o Espaço do Conhecimento UFMG! Em Belo Horizonte, nasceu a escritora Conceição Evaristo – um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Criada na extinta favela Pindura Saia, onde hoje se localiza o Mercado do Cruzeiro, Conceição Evaristo é mestre em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). 

 

Com uma abordagem literária que funde a experiência de vida, a escrita, a sobrevivência e o protagonismo das mulheres negras — a escrevivência —, Conceição escreveu, entre outros, Ponciá Vicêncio (2003), Becos da memória (2006), Olhos d’água (2014) e Canção para ninar menino grande (2018). Entre lembranças de sua juventude na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais, a autora também retornou à cidade de Belo Horizonte com mais uma honraria que reflete a potência de seu trabalho na educação, pesquisa e literatura: a cadeira número 40 da Academia Mineira de Letras. A cerimônia de posse aconteceu no dia 08 de março de 2024, Dia Internacional da Mulher, e Conceição Evaristo se tornou a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na AML.   

 

Após uma lista repleta de destinos fantásticos, é hora de escolher a sua próxima viagem… Ou a próxima leitura! Independente do que decidir, saiba que não será a mesma pessoa quando retornar e que é o caminho que percorremos que faz tudo valer a pena. Afinal, nas palavras de Guimarães Rosa, “o real não está no início nem no fim, ele se mostra pra gente é no meio da travessia”.

 

Se ficou interessado pelo tema e quer saber mais, não deixe de conferir a conversa com a professora Diomira Maria no podcast Papo em Pauta do Espaço do Conhecimento UFMG! A viagem continua por lá:

 

 

[Texto de autoria de Ana Carolyna Gonçalves Barboza, assistente do Núcleo de Comunicação]

 

Para saber mais:

O Rio de Clarice Lispector

Um passeio pelo Rio de Janeiro de Clarice Lispector: veja lugares frequentados pela escritora, que faria 100 anos.

Itabira, a cidade de Carlos Drummond de Andrade.

Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade (FCCDA).

A Nápoles de Elena Ferrante, um passeio inspirado na amiga genial.

A escrita de Elena Ferrante: sobre lugares, memórias e o rico emaranhado que constitui quem somos.

Fernando Pessoa: um roteiro pela Lisboa do poeta.

Casa Fernando Pessoa.

Cavernas, rios e belezas naturais: conheça os locais que inspiraram Guimarães Rosa no romance ‘Grande Sertão: Veredas’.

O Caminho do Sertão.

A Cartagena que fez Gabriel García Márquez sonhar

A Cartagena de Gabo.

Conceição Evaristo.

Conceição Evaristo passa a limpo sua relação com BH em nova série do Curta!