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Transporte público e cidade

O debate sobre mobilidade deve englobar uma discussão mais ampla sobre a democratização do acesso aos espaços urbanos

 

26 de março de 2024

 

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Grande parte da população brasileira se desloca pelos centros urbanos por meio do transporte público, seja por metrô, ônibus, trens ou veículo leve sobre trilhos (VLT). Esses deslocamentos são a trabalho, lazer, acesso à saúde, escolas, universidades, entre diversas outras atividades. Contudo, é preciso refletir sobre qual parcela da sociedade utiliza o transporte público como sua única maneira de se deslocar pela cidade. 

 

A mobilidade é crucial para todos os setores, sendo sem dúvidas um assunto desafiador, que esbarra em diversos temas relacionados ao “Campo de Políticas Públicas” ou somente “Campo de Públicas”. Essa área engloba Administração Pública, Ciências Sociais, Ciências do Estado, Gestão Pública e muitas outras que tangenciam os assuntos abordados pela pauta do transporte público.

 

Símbolos de formas de transporte. Trem, ônibus, bicicleta, moto, carro.

 

O direito ao transporte público é uma demanda importante e está entre as garantias fundamentais da Constituição Brasileira – Carta Magna, responsável por organizar as leis do nosso país. Embora a constituição tenha sido elaborada em 1988, foi apenas em 2015, por meio de uma Emenda Constitucional, que o transporte foi introduzido como um direito social. Antes de ser incorporado na legislação, esse direito foi objeto de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) e, para sua aprovação, foi necessária a ampla discussão do tema e a votação em dois turnos no Congresso – uma PEC só é aprovada quando obtém, na Câmara e no Senado, o mínimo de 308 votos dos deputados e de 49 votos dos senadores.

 

O direito ao transporte público de qualidade é uma das demandas que emergiram de maneira emblemática durante as manifestações ocorridas em junho de 2013. Conhecida como “Jornadas de junho”, compostas por uma série de protestos em diversas cidades brasileiras, teve como uma de suas pautas iniciais o repúdio ao aumento da tarifa nos ônibus. Nesse período, em protestos espalhados pelo Brasil, era possível observar cartazes com os dizeres  ‘não é só por 20 centavos’, uma referência ao encarecimento de 20 centavos da passagem dos ônibus. 

 

Jornadas de junho. (Créditos: Reprodução/Revista Fórum).

 

No entanto, a necessidade de um transporte público eficiente já existia antes das manifestações de 2013 e, ainda hoje, não foi plenamente atendida na maioria das cidades brasileiras até os dias de hoje.

 

É possível citar exemplos e referências mundiais de mobilidade pública de qualidade. Entre os modelos bem sucedidos, Praga (Capital da República Tcheca) e Berlim (Capital da Alemanha) são cidades com transporte público de qualidade notável. Essas são cidades muito antigas, com ruas apertadas, o que leva à necessidade prioritária de implementar uma mobilidade eficiente. É evidente dizer que, embora esses locais sejam destaques nesse âmbito, toda cidade possui demandas distintas, com diferentes formações geográficas (níveis, desníveis, calor, frio, chuva, intempéries em geral), apelos sociais mais evidentes (acesso à hospitais, cultura, lazer e educação) e orçamentos distintos (desigualdade econômica e social ou tamanho da cidade).

 

Galeria com imagens do transporte público das cidades de Berlim, Hong Kong e Praga. Há a presença do tráfego de pessoas, carros, bondes, trens e vias bem concretadas. (Créditos: Open license images/Unsplash).

 

Nesse contexto, é interessante salientar como a qualidade do transporte público vai além de um fator isolado, sendo um tema central em uma série de discussões que perpassam a realidade dos centros urbanos, ou seja, uma temática interdisciplinar. Envolve um lado teórico, como o planejamento de uma cidade e os desdobramentos disso nos setores estratégicos, até aspectos mais práticos da vida, como a capacidade de locomoção, os reflexos diretos na qualidade de vida e os sentimentos de usos e apropriações das cidades. E para a qualidade do transporte público ser uma realidade, é necessário um constante diálogo entre os cidadãos que utilizam do transporte público e os membros de gestão que organizam a mobilidade pela cidade.

 

As avaliações sobre a qualidade dos transportes públicos são baseadas na análise de alguns eixos. Entre eles destaca-se o eixo de sustentabilidade ambiental, que avalia os impactos ambientais provocados pela rede urbana, como a poluição gerada, a energia gasta e outros fatores. Outro importante eixo é o da acessibilidade, dedicado à efetividade do transporte, que deve considerar se ele alcança todos os cidadãos de fato: tanto aqueles que possuem deficiências e necessitam de um suporte urbano adequado e tecnologias assistivas, quanto aqueles que também precisam acessar os diversos serviços presentes em distintas regiões das cidades. Com isso, fatores como a quilometragem das malhas urbanas se faz notável também. 

 

Ao debater sobre o transporte público e sua qualidade, fica evidente a amplitude da discussão, que transcende a mera análise de infraestrutura e mobilidade, ao adentrar em diversas esferas significativas na vida das pessoas. Para os milhares de indivíduos que dependem diariamente do transporte público, essa discussão se desdobra em temas cruciais, como a qualidade de vida, o acesso a redes de ensino e trabalho, a disponibilidade de oportunidades educacionais, a sustentabilidade ambiental e a acessibilidade aos espaços culturais. Nesse contexto, torna-se evidente que os sistemas de ônibus e metrô desempenham um papel fundamental na vida dos cidadãos metropolitanos, não apenas como meios de deslocamento, mas como elementos essenciais que possibilitam a realização das atividades cotidianas e apropriações simbólicas do espaço urbano.

 

Nesse cenário, torna-se fundamental traçar uma análise comparativa entre os dispositivos públicos de mobilidade e a própria estrutura da cidade, a fim de identificar os desafios existentes e os pontos que necessitam de melhorias, indicadas por parte da população. A diferença entre a quantidade de ônibus em circulação e a demanda de passageiros emerge como uma problemática central. A escassez de veículos em relação ao volume de pessoas que deles necessitam resulta em longos períodos de espera nos pontos, o que ocasiona a insatisfação dos usuários. Essa espera, por sua vez, contribui para a superlotação dos veículos, os quais muitas vezes não são adequados para comportar o número expressivo de passageiros que embarcam diariamente.

 

O foco excessivo nas necessidades de deslocamento ligadas ao trabalho resulta em lacunas significativas para a oferta de opções de transporte público voltadas para outros aspectos fundamentais da vida cotidiana. Ao restringir o acesso aos locais de lazer, centros culturais e espaços recreativos, o sistema de transporte público acaba por limitar a qualidade de vida e as oportunidades de enriquecimento pessoal dos cidadãos metropolitanos.

 

Assim, o debate sobre o transporte público deve ir além da mera eficiência na locomoção diária e englobar uma discussão mais ampla sobre a democratização do acesso à cidade. Questionamentos sobre quais áreas são prioritárias, quais destinos são considerados essenciais e como o transporte público pode ser mais inclusivo, para abranger uma gama diversificada de atividades na vida urbana, são essenciais.

 

 

Gostou da discussão do texto? Se sim, é possível ampliar as reflexões presencialmente no museu. O Espaço do Conhecimento UFMG inaugurou uma exposição de curta duração, intitulada “MetropoliTRAMAS”. Na mostra há a instalação “Tramas em Movimento”, com o intuito de estabelecer uma reflexão sobre a mobilidade urbana. A exposição também discute o processo de criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte e os prazeres e tensões do cotidiano metropolitano. 

 

[Texto de autoria de Dayler William Souza Lopes Barbosa e Maria Theresa, alunos do curso de graduação em Ciências do Estado e bolsistas do Núcleo de Ações Educativas]

 

Referências:

BRASIL. Emenda Complementar nº90, de 15 de Setembro de 2015. Dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de Set. de 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc90.htm. Acesso em: 07 dez. 2023.

HUMMEL, Hannah; WELLING, Shaheen. Why German Public Transport Is “Special”: Germany In A Nutshell. Deutsche Welle Euromaxx, 5 nov. 2022. Disponível em: https://youtu.be/FBMH5j2ugk8?si=0vkqY92pt_K3A51b. Acesso em 20 jan. 2024.

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