Notícias

Luta pela terra é desafio comum enfrentado por etnias

segunda-feira, 21 de julho de 2014, às 16h07

“Estamos abafados pelos fazendeiros. Estamos sofrendo. O fazendeiro está matando a gente. Então viemos discutir o sofrimento da gente. A questão da terra. Para aumentar a terra para nós."

Marcado por frases curtas e cortantes, o relato de Noemia Maxacali resume o drama dos povos indígenas no Brasil e dá o tom dos debates realizados nesta segunda-feira, na Grande Assembleia Aty Guasu, promovida pelo 46º Festival de Inverno da UFMG, que acontece até o dia 26 no campus Pampulha.

Com o tema Campus, território experimental, a proposta do Festival é experimentar o campus como ambiente propício ao exercício da comunhão entre povos, modos de viver e de conceber distintos.

As dificuldades enfrentadas pelos maxacalis no Norte de Minas, nas proximidades de Teófilo Otoni, ilustram uma opressão territorial vivida por outras etnias país afora. “Maxacalis têm de pescar, por exemplo. Mas não podemos pescar. Se a gente for pescar, o fazendeiro atira. Então a gente vem para questionar. A terra que sobrou para os maxacalis é muito pequena. Não serve para trabalhar”, diz Noemia.

A ação dos fazendeiros empurrou os maxakalis para uma área montanhosa e pequena, imprópria para a agricultura. “Não conseguimos trabalhar. Não dá para plantar batata, mandioca, que é cultura da gente. Então estamos comendo as coisas do branco; arroz e feijão... A gente não consegue mais viver do nosso jeito. Estamos presos. Nós temos direito à terra. Mas estamos presos”, lamenta a líder da etnia.

Na parte da manhã, a Assembleia foi aberta aos participantes do Festival. Ao longo da tarde de hoje, a Aty Guasu envolverá apenas as lideranças indígenas, enquanto os inscritos no Festival seguem para as atividades dos Grupos de Trabalho.

Ewerton Martins Ribeiro/UFMG
20140721_104742.jpg
Os pataxós foram os primeiros a sofrer o contato com o homem branco

Lideranças ameaçadas
O guarani-kaiowá Tonico Benites, mestre e doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi convidado pela UFMG para ser o curador da Grande Assembleia Aty Guasu. Tonico lembra que se, por um lado, as universidades são grandes produtoras de conhecimento, por outro, seus espaços são, em linhas gerais, pouco utilizados para se discutir a situação atual dos povos indígenas.

Tonico afirma que os líderes das etnias estão sendo ameaçados, perseguidos e aprisionados injustamente, de forma a desmobilizar sua luta. “Por isso, esse evento é fundamental”, defende. “Ele possibilita apresentar a nossa situação. Discutir a questão da demarcação de terras. A paralisação da demarcação de terras, que leva décadas, e a justiça não julga. A criminalização das lideranças indígenas. As prisões feitas a partir de acusações sem fundamento”, lembra.

Aty Guasu significa algo como “grande reunião da liderança”, explica Tonico. A particularidade desse modelo de reunião é que não há hierarquia estabelecida entre cada grupo ou participante. Todos têm voz, e a deliberação busca o consenso e a consequente determinação de movimentos e ações. “Ninguém é superior ou inferior. Cada povo apresenta a sua realidade e busca uma solução. São mais ou menos dez povos diferentes, mas que enfrentam um mesmo problema: a violência. Nossos direitos estão sendo violados.”

Hugo Rafael/UFMG
014b.jpg
Ameaças e perseguições foram relatadas pelos participantes da assembleia

Sofrimento de norte a sul
A Grande Assembleia Aty Guasu reúne povos das cinco regiões do Brasil, entre os quais os Tupinambás, que vivem no litoral da Bahia e já foram considerados extintos. “Os Tupinambás sofrem diversos tipos de ataques, prisões e criminalização”, conta Tonico.

Outro povo do litoral que veio para o encontro são os Pataxós. “Eles são muito sofridos, pois tiveram os primeiros contatos [com o homem branco]. Então é um povo muito vulnerável. Eles perderam seu território praticamente todo em função desse primeiro contato.”

Também estão presentes os Terenas, do Mato Grosso do Sul, etnia que tem atuado fortemente na luta pela terra – que resultou na morte recente de uma de suas lideranças –, e os Mundurucu, tribo que se opõe à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.

Além deles, encontram-se na UFMG representantes dos Kaingangs, do Rio Grande do Sul; dos Guaranis-kaiowás, que vivem em São Paulo, na região Sul do país e no Mato Grosso do Sul; dos Maxacalis e Krenaks, de Minas Gerais, além de indígenas urbanos.

Fonte: Agência de Notícias UFMG