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Nº 1609 - Ano 34
12.05.2008

As universidades e as ONGs

Apolo Heringer Lisboa*

A Fundep é um exemplo bem-sucedido na UFMG de Organização Não-Governamental, que presta relevantes serviços de apoio à pesquisa, ao ensino e à extensão, sem os quais estaríamos engessados pela burocracia do serviço público federal e incapacitados de produzir e captar recursos e prestar contas com a agilidade exigida. É uma instituição que pode e deve ser criticada por causas diversas, mas sem ela a Universidade não conseguiria manter o seu dinamismo.

Também a sociedade civil precisa de apoio para se organizar e tentar resolver diversos problemas que enfrenta. São temas específicos ou locais, mas que exigem soluções sistêmicas e pensadas numa perspectiva macro. Nesse sentido, as chamadas ONGs, criadas pela sociedade civil, precisam se qualificar cientificamente para debater alternativas de desenvolvimento e propor soluções para problemas que enfrentam cotidianamente, como a questão ambiental, a violência, a situação da infância, da juventude e dos idosos, entre outros, retirando esse debate do exclusivo repertório dos interesses econômicos das empresas e das disputas entre partidos. É aí que reside a importância da presença da universidade, que poderia atuar como incubadora de ONGs, credenciada pelo seu sucesso como incubadoras de empresas.

Um ótimo exemplo é o da Biobrás, gigante da produção de insulina, que começou nos laboratórios do ICB com o professor Marcos Mares Guia. A mobilização social e o embasamento científico são características importantes na avaliação do caráter e do desempenho de uma organização não-governamental. Com o colapso ético e programático dos partidos políticos, a democracia está degenerando aceleradamente para o negócio escuso, corrompendo para baixo, para cima e para os lados. A conseqüência é a formação de um grande vácuo entre o Estado e a sociedade, que resiste a esse processo, transformando ONGs em necessidade política.

Mas as exigências burocráticas impostas dificultam a vida das entidades sérias e facilitam a vida dos que fundam entidades para delinqüir. É preciso assegurar a legalidade, a moralidade, a publicidade, a impessoalidade, a eficiência e o controle social das ONGs. O Instituto Guaicuy SOS Rio das Velhas foi criado para apoiar o Projeto Manuelzão. Entre os seus fundadores estão alguns assalariados desta Universidade, além de representantes da sociedade, que como cidadãos doam horas de seu tempo ao movimento no qual acreditam. O Instituto Guaicuy oferece ao Projeto Manuelzão maior grau de liberdade e agilidade nas decisões e na representação diante de diversos fóruns externos.

E o que é o Projeto Manuelzão? Ele surgiu na UFMG e procura integrar pesquisa, ensino e extensão, definindo metas em defesa da vida e da saúde. O nome do Projeto é uma homenagem ao lendário vaqueiro Manuel Nardi, personagem de Guimarães Rosa. O projeto envolve ribeirinhos, ONGs, cientistas e cidadãos da região hidrográfica compreendida entre os municípios de Ouro Preto e Pirapora. Transformou-se num amplo movimento social, que envolve a universidade, os diversos entes federativos, organizações do terceiro setor, empresários e lideranças sociais em torno de metas de qualidade de vida.

O objetivo operacional do Projeto Manuelzão é a volta do peixe, mas seu objetivo geral é a transformação da mentalidade cultural, a base das outras transformações. Reconstruímos conceitualmente a ponte entre a história natural e história cultural. É notável que tudo isto tenha começado como proposta de um grupo de professores da disciplina Internato em Saúde Coletiva, da Faculdade de Medicina, mais conhecida como Internato Rural. Para esses professores, a saúde não é uma questão médica e sim de qualidade de vida, visão que depende de decisões políticas corajosas.

Com o Manuelzão conseguimos aproveitar, ao máximo, a capacidade instalada da UFMG e disponibilizá-la para a sociedade, sem recorrer ao aumento de vagas. Sem custo algum, a Universidade teve um retorno extremamente positivo para a sua imagem. Captamos importantes recursos financeiros usados para melhor equipá-la.

Se é para trazer o peixe de volta ao rio, nosso indicador de qualidade, não importa se é ONG, universidade, governo, empresas. Todos precisam se unir em sólidas parcerias. Se o pensamento da burocracia tem dificuldades de ter essa compreensão, que se mude a burocracia ou seu pensamento. Acreditamos no trabalho transdisciplinar, transinstitucional e transetorial, com ampla mobilização. É legítimo que a coordenação do Projeto Manuelzão receba um apoio ainda maior da Reitoria e diretorias da UFMG, em todas as suas articulações internas, externas, institucionais e sociais para a conquista da nossa Meta 2010, transformada pelo governador Aécio Neves em programa estruturador de Minas Gerais.

Membros do Instituto Guaicuy SOS Rio das Velhas e do Projeto Manuelzão dirigem importantes comitês de bacias hidrográficas, o que comprova o reconhecimento ao nosso trabalho e o acerto de nossa estratégia de mobilização social. Nossa atuação se expande pelo país e chega ao exterior, e os frutos dela aparecem no biomonitoramento do Rio das Velhas, na defesa da revitalização e da integridade do Rio São Francisco, na mobilização por um programa de desenvolvimento sustentável do semi-árido brasileiro e na proposta conceitual em saúde coletiva.

Nosso grande sonho é estar no campus Pampulha para constituir um centro de referência transdisciplinar, que deverá ser focado na relação sistêmica entre ações antrópicas, solo, águas e biodiversidade e na mobilização social por metas de qualidade a serem atingidas num determinado prazo. Essa combinação poderá alavancar enormemente o ensino, a pesquisa e a extensão na Universidade.

 

*Professor na Faculdade de Medicina e coordenador-geral do Projeto Manuelzão

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