Celebração e resistência: emoção marca abertura do Festival de Inverno
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Espetáculo ‘De tempo somos’. Foto: Foca Lisboa / UFMG

Espetáculo ‘De tempo somos’. Foto: Foca Lisboa / UFMG

 

Na baixa temperatura dos invernos, os corpos relembram mais uma vez a importância de resistir àquilo que, vindo de fora, ameaça a sobrevivência. A necessidade de resistir ao atual inverno brasileiro – especialmente ao metafórico – deu a tônica da cerimônia de abertura do 49º Festival de Inverno da UFMG, realizada na noite desta sexta-feira, 28, no auditório da Reitoria, no campus Pampulha. No evento, Sandra Goulart Almeida, vice-reitora da UFMG, e Leda Maria Martins, diretora de ação cultural da Universidade, falaram sobre a importância de a instituição e sua comunidade não se submeterem aos ventos frios que emanam pelo país, vindos das forças conservadoras que ora protagonizam o campo político.

“Darcy Ribeiro dizia: ‘Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.’ Esse é o papel da UFMG e do Festival de Inverno, e especialmente neste momento: não se resignar, e sim resistir. Esse é o papel da arte, da cultura; esse é o papel de uma universidade pública”, afirmou Sandra, em um discurso emocionado.

De igual forma, Leda Martins lembrou que a atual gestão da UFMG teve início durante “uma das maiores crises financeiras também da história das universidades”, e que mesmo nesse cenário a manutenção do evento – com recursos da própria UFMG, sem grandes patrocínios – foi estabelecida como prioridade, evidenciando um entendimento dessa gestão de que a arte e a cultura são também polos de produção de conhecimento. “Parece que volta e meia somos assombrados pelos tempos sombrios”, disse Leda. “Então, quando falamos em resistência, estamos falando em resistir esteticamente, artisticamente, culturalmente, mas também em resistir junto à pólis, politicamente”, cravou.

Sandra Goulart Almeida: papel da Universidade e do Festival de Inverno é resistir. Foto: Foca Lisboa / UFMG

Sandra Goulart e Leda Martins lembraram a história do evento, criado e realizado pela primeira vez em 1967, no auge do recrudescimento da repressão militar que culminaria na promulgação do Ato Institucional nº 5, no fim do ano seguinte. A vice-reitora e a diretora de ação cultural aproximaram aquele período do momento vivido atualmente pelo país.

“O Festival nasceu em um momento sombrio da nossa história. Durante a ditadura, ele teve um papel importantíssimo, o de resistir a ela, de resistir ao silenciamento. Hoje, o festival – infelizmente – é mais uma vez convocado a ocupar esse papel. Vivemos um momento muito difícil na história do país, e não só pela crise econômica e política, mas também pelos eventos recentes e que nos fazem lembrar do que foi 1967”, disse Sandra. “É por isso que hoje, para nós, o resistir é especialmente importante: ele retoma o resistir de 1967, de quando o Festival começou”, disse Leda, explicando o motivo da escolha da temática da edição deste ano, Poéticas de transformação: criação e resistência.

Mônica Medeiros Ribeiro, coordenadora geral desta edição, já havia lembrado, em entrevista anterior, que sob esse mote de resistência o festival referencia “todas as intempéries por que o evento passou, desde a falta de dinheiro até a opressão da ditadura”.

Na abertura do Festival, que nesta edição comemora os 50 anos de sua criação, Mônica aproveitou para agradecer de público a todos que aceitaram ministrar atividades no evento, encorpando a sua programação em data tão especial. “Agradeço também à reitoria por resistir e fazer mais uma edição do Festival de Inverno da UFMG”, disse.

Sol durante o inverno

Após as solenidades, o auditório – a essa hora já lotado, com parte do público sentada nas escadas – recebeu uma exibição do filme Festival de Inverno da UFMG: 50 anos de criação – 2017, de Rafael Conde, cineasta que é também professor da Escola de Belas Artes da UFMG. Na obra, Conde buscou traduzir para a tela o tema da atual edição, Poéticas de transformação: criação e resistência, por meio da intercalação de uma performance da pianista Berenice Menegale a reminiscências audiovisuais do evento, coletadas em acervos diversos.

Diretora executiva da Fundação de Educação Artística, Berenice Menegale foi uma das criadoras do Festival de Inverno. No filme, ela interpretou a peça Eterne, de Marco Antônio Guimarães, ex-integrante do grupo Uakti – grupo que, tendo sido fundado em 1978 no seio do Festival e resistido a diferentes cenários adversos no decorrer de sua trajetória, teve de interromper suas atividades em 2015, em razão de novas conjunturas político-financeiras desfavoráveis à sua manutenção.

Em Eterne, sob a interpretação de Berenice, uma nota sol resiste do início ao fim dos 12 minutos de filme. Curiosamente, a nota resiste mesmo que ocasionalmente seja atravessada por outras notas, contrastantes e desestabilizadoras; resiste mesmo que a lacunar harmonia que lhe faz cama insista em aludir a um angustiante tom menor. Em razão dessas particularidades criativas, durante a exibição, parecia ser um consenso entre a plateia: de fato, não poderia haver alegoria melhor que aquela combinação de filme e música para ilustrar a aventura de resistência do Festival de Inverno durante os seus 50 anos.

De 1967 até hoje, o Festival de Inverno da UFMG teve de resistir a diversas “notas contrastantes”, como a reincidente necessidade de itinerância, advinda da falta de condições que algumas cidades apresentavam de sediar o evento por mais que alguns anos seguidos. Do mesmo modo, o evento teve de resistir ao longo “tom menor” que esteve subjacente à realidade político-cultural de suas primeiras duas dezenas de edições, a ditadura militar brasileira, que durou oficialmente até 1985 mas que seguiu reverberando de então em diante, nunca cessando.

Homenagens

Após as solenidades, o Grupo Galpão apresentou seu espetáculo De tempo somos, uma espécie de sarau em que seus artistas misturam música e teatro em uma rememoração emotiva e bem-humorada da trajetória do grupo, realizada por meio da execução das canções que tematizaram espetáculos anteriores. Na peça, os artistas ainda homenageiam as pessoas que mudaram e tiveram as suas vidas mudadas pelo trabalho grupo, em um trânsito constante entre a representação e um discurso direto. (Assista ao vídeo da TV UFMG, acima)

Auditório lotado e, na primeira fila, Teuda Bara, um pouco antes de ser levada ao palco pela companhia artística que fundou. Foto: Foca Lisboa / UFMG

A apresentação ocorreu também em tom de homenagem ao Festival de Inverno, contexto em que o grupo nasceu. “O Festival é um formador de público, um criador de artistas e de música, teatro, artes plásticas, circo, cinema. É tanta coisa que a gente já viu no Festival”, disse Teuda Bara, fundadora do Galpão, quando foi levada ao palco para participar da execução da última música. Antes, o ator e músico Eduardo Moreira já havia salientado em meio à apresentação: “É preciso que a gente resista; é preciso que a gente não esmoreça e continue fazendo este Festival de Inverno.”

Na solenidade que abriu a noite, as pessoas e grupos que fizeram a história do Festival ao longo dos seus 50 anos foram homenageadas: os idealizadores do Festival, os realizadores de sua primeira edição, alguns de seus curadores e servidores que atuaram ou atuam hoje em sua produção, os artistas e grupos que se formaram no seio do evento – Galpão, Corpo, Oficcina Multimédia e Uakti, além de Álvaro Apocalypse – e os realizadores da edição atual. Placas foram entregues aos homenageados ou a seus representantes. Confira a lista de homenageados:

Idealizadores do Festival
Berenice Menegale
Fernando Pinheiro Moreira
José Adolfo Moura
Vera Lúcia Nardeli

Realizadores da primeira edição
Gérson de Britto Mello Boson
Haroldo de Almeida Mattos
Maria Clara Dias Paes Leme Pinheiro Moreira
Vicente Ellena Trópia
Fábio Nascimento Moura
Fundação de Educação Artística

Curadores
César Geraldo Guimarães
Beatriz de Rezende Dantas
Evandro José Lemos da Cunha
Júlio Márcio Varella Caldeira
Fabrício Fernandino

Servidores
Alberto Antônio de Oliveira
Márcia Fonseca Rocha
Rossilene Azevedo Rossi Diana
Rosângela da Silva Santos

Artistas ou grupos
Grupo Galpão
Grupo Oficcina Multimédia
Álvaro Apocalypse
Grupo Corpo
Grupo Uakti

Realizadores de hoje e de ontem
Jaime Ramírez
Sandra Goulart Almeida
Mônica Ribeiro
Claudia Mayorga, em nome da Pró-reitoria de Extensão
Cristiano Gurgel Bickel, em nome da Escola de Belas Artes
Mônica Pedrosa de Pádua, em nome da Escola de Música

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