Presente para a cidade
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Foto de Julho de 1964, tirada em Belo Horizonte, MG. Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos

Luciano Mendes de Faria Filho

A criação da Universidade de Minas Gerais, em 1927, fazia parte de um movimento intelectual e político que, desde anos anteriores, propunha-se a refundar a República e participar de forma ativa e diferenciada da cena da cidade. Não por acaso a pessoa escolhida para ser o seu primeiro reitor tenha sido Mendes Pimentel, político, intelectual e jurista mineiro, republicano de primeira hora, mas que havia sido posto no ostracismo político por seus embates com os grupos mais conservadores do Partido Republicano Mineiro.

Não custa lembrar que o aparelho de estado mineiro, comandado por Antônio Carlos e secundado por Francisco Campos, passava, no mesmo período, por importantes reformas, entre as quais se destaca a Reforma de Instrução Pública, também realizada em 1927.

Organizada pela junção de faculdades que até então funcionavam isoladamente em Belo Horizonte – Medicina, Engenharia, Direito, Odontologia e Farmácia –, a UMG teve de esperar 20 anos para ter sua Faculdade de Filosofia, o que se concretizou com a anexação da Faculdade de Filosofia de Belo Horizonte, iniciativa de professores e intelectuais mineiros que, em 1939, ousaram criar uma faculdade fora das malhas do Estado. A nova faculdade veio reforçar, ainda mais, a presença cultural, política, intelectual e acadêmica da Universidade na capital mineira.

Já no início dos anos de 1960, a UMG passava a ser referência intelectual e acadêmica no cenário das universidades brasileiras, posição que se viu sobremaneira reforçada pela inserção de seu corpo dirigente e de seus docentes nos debates sobre a estrutura das universidades brasileiras, os quais prenunciavam a reforma universitária de 1968, que em boa parte havia sido antecipada na UFMG – sigla que passou a ostentar a partir da federalização da instituição, ocorrida em 1966.

As discussões ocorridas ao longo dos anos de 1960, envolvendo o conjunto da comunidade universitária, tendo em vista a modernização da universidade em todas as suas dimensões, contribuíram também para o intenso e tenso momento político que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 e resultou em uma ditadura com mais de duas décadas de duração. Naqueles tempos, os espaços acadêmicos da Universidade espalhados pela malha da cidade constituíram-se também em trincheiras de resistência ao autoritarismo e de anúncio do retorno do Brasil à normalidade democrática.

No fim do século passado e início deste, ao mesmo tempo que a Universidade crescia em tamanho, decrescia a sua importância cultural e política na capital. Cresceu a cidade, multiplicaram-se os espaços culturais e as instituições acadêmicas, o que fez ampliar significativamente a circulação de referências culturais, acadêmicas e científicas. Os sujeitos mobilizados pela imprensa para discutir as “cenas da cidade” passaram a ser outros. Por outro lado, a UFMG se concentrou espacialmente, e os professores universitários, cada vez mais profissionalizados, converteram-se em cientistas e especialistas que, capturados pelos modos de consagração acadêmico-científicos, passaram a responder a demandas de produção cada vez maiores. Os intelectuais de outrora se transformaram nos especialistas de agora.

Essa narrativa certamente toca em alguns aspectos importantes da história da Universidade. No entanto, nem de longe faz justiça à sua marcante presença em Belo Horizonte, cada vez mais confundida com a sua própria Região Metropolitana. São milhares os seus alunos, funcionários e professores que, diariamente, fazem a Universidade dialogar com a metrópole. Hoje, talvez mais do que outrora, a UFMG traz o universal para dentro da cidade e, ao mesmo tempo, universaliza o local em que vivemos.

Por meio da pesquisa, do ensino, da extensão – e mesmo da administração –, a Universidade se faz presente, como palco e cena, na vida cotidiana dos belo-horizon-tinos. Do mesmo modo, as forças vivas da cidade se impõem, constrangendo e libertando a instituição. A recriação contínua da UFMG somente pode ser entendida se considerados os diversos sujeitos que a ela lançam os desafios incontornáveis do nosso tempo. A sua contemporaneidade tanto é produzida internamente quanto lhe é imposta como desafio pelas forças que, ultrapassando os muros universitários, disputam os seus espaços, tempos e sentidos.

Por isso, neste momento em que a UFMG completa 89 anos, ela se prepara para, de uma forma simbólica, dar-se de presente para a cidade que a abriga, fortalecendo – por meio de intensa programação cultural, acadêmica e científica – os laços com os cidadãos da “grande cidade” em que se transformou a RMBH. Propõe-se, assim, a atualizar o espírito universitário no diálogo com aqueles que a sustentam e são essencialmente o sentido último de sua ação.

Nesse mesmo espírito, a UFMG daria um ótimo exemplo de contemporaneidade se, ao mesmo tempo que busca participar da vida e da história da cidade/metrópole, procurasse também desenvolver mecanismos e estruturas institucionais que possibilitassem a participação mais ativa da “cidade” nos rumos da Universidade. A cidade pulsa em seus coletivos mais diversos, muitos dos quais mantêm relações muito próximas com a Instituição. Por isso, chamá-los neste momento para ajudar, mais uma vez – e de forma consciente –, a refundá-la seria um exemplo de maturidade e de abertura para o novo. A atualização das tradições é uma das mais belas formas de a Universidade ser contemporânea de seu tempo. Esse é um dos grandes desafios que movem a UFMG de hoje.

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