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Nº 1550 - Ano 32
2.10.2006

Um arrepio*

Fernando Brant**


amos vivendo. O tempo passa ao redor de nós, dentro de nós, e não percebemos. Demoramos a perceber, seria mais justo dizer. Temos consciência de que fomos crianças, adolescentes, adultamos, envelhecemos. Aprendemos muito na trajetória, mas tivemos, também, nossos momentos de insensatez, de besteira mesmo. Mas existe obra importante em nossa história e fizemos alguns amigos que nos acompanharam por toda a vida. Os que foram levados de nosso convívio, alguns especialíssimos, permanecem tão enfronhados em nosso pensamento que continuamos conversando com eles, nos aconselhando com eles, ouvimos embevecidos as suas idéias, seus eternos projetos. Sentimos no ar o perfume deles.

Os amigos que alcançamos ao telefone, estes reclamam da saudade de não nos encontrarmos diariamente, de vivermos na mesma cidade e não nos esfregarmos em abraços merecidos. E nada nos impede. Não somos adeptos do frenesi da velocidade, da urgência, da pressa. Calmamente saboreamos o sumo da vida. O que há é relaxamento compreensível, mas injustificável. Assim, recebo com humildade, o puxão de orelhas de quem tem o coração batendo no mesmo ritmo do meu e reclama de não nos vermos na quantidade que a qualidade que nossa afeição merece.

Estudei em uma faculdade na Universidade Federal de Minas Gerais. Isso fez com que eu fosse convidado para participar de uma cantoria, na semana do estudante da UFMG. Estavam lá músicos, cantores, compositores que respeito e admiro, todos ex-alunos. O intuito talvez fosse mostrar, aos universitários de hoje, que os caminhos do conhecimento podem levar tanto às ciências quanto às artes. Que alguém, depois de muito estudar e circular pelos corredores das escolas, pode concluir que não quer ser engenheiro, médico, advogado ou jornalista. Seu caminho pode ser a música, a poesia, ou o que a sua mente, aberta pelo conhecimento adquirido no campus, lhe indicar.

Foi bonito: a noite foi baixando sobre todos, a temperatura ficou amena e cada um de nós deu o seu recado. As canções vindas do palco aconhegavam os ouvidos dos jovens que viam, ali, um estímulo para não temer o desafio das escolhas. A paz reinava no campus, na cidade e no mundo. A música cumpria o seu papel de enternecer, pacificar e motivar as pessoas. Foi quando, no final, algo estranho ocorreu comigo. Falei ao microfone de uma canção feita no tempo em que eu era estudante da UFMG. Eu e meus colegas começamos a cantar Travessia. A platéia se manifestou, aplaudindo.

Seria normal, se um arrepio não tivesse percorrido meu corpo, avassaladoramente. Um mundo se agitou dentro de mim. Acordei, entendi e revi a importância dessa canção em minha vida.

* Crônica publicada no jornal Estado de Minas, de 20
de setembro
** Compositor. Formado em Direito pela UFMG, participou, no dia 15 de setembro, do show de encerramento da Semana do Estudante junto com outros músicos que estudaram na Universidade

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