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Nº 1580 - Ano 33
2.9.2007

História em primeira pessoa

Banco de dados reúne memórias de pesquisadores sobre a constituição e a evolução da ciência na UFMG

Ana Maria Vieira

Amemória se move de modo fluido e se alimenta de intensa carga emocional, mas ainda assim é um importante recurso para a ciência, em especial quando se torna matéria-prima de uma particularíssima modalidade de escrita histórica: a que recolhe narrativas orais para reconstituir acontecimentos. Exata ou não, parte de sua virtude reside em refazer, na medida do homem, cenas da história coletiva. Tradição antiga, esse método presta-se agora ao trabalho de mapear as identidades que conformam a UFMG.

O trabalho inicial, realizado por grupo de professores e bolsistas do Programa de História Oral, ligado ao Centro de Estudos Mineiros da Fafich, já contabiliza entrevistas com 31 pesquisadores de diversas áreas. O objetivo é que o material componha banco de dados capaz de alimentar pesquisas sobre a formação e o desenvolvimento da comunidade científica na Instituição. Denominado Memória Oral da Ciência na UFMG, o trabalho foi proposto há um ano pela Reitoria, dentro do projeto de criação do Centro de Memória da Universidade.

“Recolhemos relatos que explicitam a memória dos pesquisadores sobre os processos e os diferentes momentos da vida dos departamentos e questões referentes aos campos científicos propriamente ditos”, diz a professora do departamento de História, Maria Eliza Linhares Borges, coordenadora da pesquisa. Impressionada com a receptividade do projeto, ela também chama a atenção para a riqueza de informações obtidas, capaz de instigar investigações que extrapolam a UFMG.

Além de ser repositório de fatos inéditos, dos anos 1940 à atualidade, o banco de dados permite ao usuário revisitar aspectos da política nacional e da vida urbana entrelaçados a trajetórias pessoais dos cientistas mineiros. Parte dessa experiência pode ser conferida em seminário e exposição que serão realizados de 24 a 28 de setembro no auditório da Reitoria (leia mais na página 11).

Olhar retrospectivo

É lugar comum dizer que a UFMG lidera a produção de pesquisa no Estado. Alcançar esse patamar, contudo, exigiu que grupos de professores se engajassem em projetos de capacitação fora do país e retornassem para criar programas de pós-graduação, consolidando a produção científica mineira. A experiência coletiva integra relatos que revelam as minúcias desse processo em diversas áreas do conhecimento.

A reforma universitária de 1968, o fim das cátedras e a tensão entre gerações de pesquisadores, a mudança nos temas das pesquisas, as montagens de currículos, a construção de laboratórios e o paradoxo entre constituição da comunidade científica e recrudescimento da ditadura são questões recorrentes nas entrevistas. “Um olhar retrospectivo revela que são muitas as universidades que emergem das narrativas e que, em 30 anos, intensificou-se a internacionalização e interdisciplinaridade no modo de fazer ciência na UFMG”, observa Eliza Borges.

Questão de método

“Atenas não explica Platão”, escrevia, nos anos 1960, o filósofo Alexandre Koyré, referência no debate, então dominante, entre dois diferentes modos de historiar e compreender a ciência. Posicionados entre a abordagem interna – cujas questões “imanentes” da ciência seriam determinantes em sua trajetória – e a externa – para quem esse papel decorria das estruturas sociais –, seus expoentes se distanciavam da antiga tradição em reconstituir a ciência por meio de biografias e de tratados sobre campos especializados do conhecimento.

Após meio século, o debate tomou novos rumos, mas a polêmica não. “Na metodologia de História Oral, adotamos o conceito de campo científico proposto por Pierre Bourdieu”, esclarece Eliza Borges. Para o sociólogo francês, os fatores intrínsecos e externos conformam igualmente esse campo. A coordenadora do projeto explica que o roteiro da entrevista inclui elementos identificadores desses dois aspectos.

“Trabalhamos com dados do currículo Lattes, como a formação e a inserção do professor dentro e fora da UFMG e sobre sua participação em grupos internacionais de pesquisa, na circulação do conhecimento e na convivência com as mudanças de paradigmas nas ciências”, diz. Ela explica ainda que, na metodologia própria da história oral, o entrevistador ouve os entrevistados: “Nosso papel é fazer a escuta atenta das versões que os entrevistados constroem sobre suas trajetórias individuais”.