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Nº 1803 - Ano 39
10.12.2012

opiniao

Desesperar Jamais

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

“O sofrimento é a falta de esperança”, disse a estudante de Letras da UnB Valesca Scarlat. Ela tem razão, considerando que sentimos na pele um profundo desânimo quando deixamos de acreditar na chegada de dias melhores. Como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo. É bem verdade que a esperança é necessária, mas não suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia.

O essencial é que a esperança como núcleo motivador da subjetividade esteja ancorada na prática para se tornar concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, tampouco se alcança o que se almeja na espera pura, já salientava o educador Paulo Freire. Sem um mínimo de esperança, não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança, alongando-se, às vezes, em trágico desespero.

A esse respeito, Ivan Lins e Vitor Martins, na canção Desesperar jamais (1979), trazem um importante aconselhamento sentimental: “Desesperar jamais/Aprendemos muito nesses anos/Afinal de contas não tem cabimento/Entregar o jogo no primeiro tempo/Nada de correr da raia/Nada de morrer na praia/Nada! Nada! Nada de esquecer/No balanço de perdas e danos/Já tivemos muitos desenganos/Já tivemos muito que chorar/Mas agora, acho que chegou a hora/De fazer valer o dito popular/Desesperar jamais/Cutucou por baixo, o de cima cai/Desesperar jamais/Cutucou com jeito, não levanta mais”.

Quando tomamos banho no rio do sofrimento, caímos na ilusão de que o prazer está nas margens. A apatia não pode vencer a esperança. Segundo Edilson Santana, em Filosofar é preciso (2007), o temor surge do medo paralisante, que é uma espécie de “sofrimento-débito”. Ele é capaz de nos matar em vida, fazendo com que a gente fique “com a boca escancarada/cheia de dentes/ esperando a morte chegar”, como destacava Raul Seixas, em Ouro de tolo (1973).

Os demasiados perigos dessa vida, como diz Riobaldo, nos acompanham desde o mais remoto de nossos ancestrais. Somos bichos sem pelo, animais sem garras, espécie sem veneno, existência sem asas e temos de enfrentar a vida com os nossos parcos recursos anatômicos e biológicos. E ainda somos um rio de fragilidades emocionais. Temos medo que nos pertencem e que herdamos, medos imemoriais, pavores contidos e a consciência de que o mundo nos exige muito mais do que nossa pobre condição humana é capaz de responder.

O medo real de um sequestro-relâmpago é justificável, mas não será ficando em casa ou azucrinando a vida dos nossos queridos que vamos vencer o perigo.

Mas o medo pode ser um parceiro poderoso, isto é, um “sofrimento-crédito”, de acordo com Edílson Santana. Clarice Lispector defendia que o medo poderia nos guiar – “E porque eu quero, temo”. O medo pode ser uma seta apontando para o núcleo selvagem do desejo. No trânsito da vida, podemos dizer que os medos não são placas de “Pare”, mas de “Atenção”: siga melhor. “Sem medo de ser feliz” não é só um slogan político bem-sucedido. A felicidade é um desconcerto, uma desarrumação. Ela nos tira do chão seguro do sofrimento. É muito mais seguro botar cerca elétrica ao redor de si mesmo do que pôr o pé na rua só com a proteção da pele.

Por exemplo, de onde vem essa corrida maluca por um emprego público? Do medo de enfrentar as incertezas de quem segue a trilha singular de seu desejo. Não temos mais projetos. Queremos a proteção do Estado para nos garantir uma vida supostamente segura; se será uma vida bem vivida ou não, a saber. Vivemos a era do medo. A estabilidade artificial é mais danosa que a instabilidade natural. Sobre esse fato tenebroso, já nos alertavam os versos contundentes de Roberto Piva, em Paranoia, de 1963: “Eu queria ver as caras dos estranhos embaixadores da Bondade/quando me/vissem passar entre as rosas de lama fermentando nas ruelas onde/a Morte é tal qual uma porrada”.

 Para a manutenção da “zona de conforto”, o que fazemos quando ficamos em contato compulsivo com os amigos das redes sociais? Disfarçamos o pavor que temos de um cara a cara desafiador ou de um silêncio inquiridor de nós mesmos. Buscamos com subterfúgios virtuais encobrir as demandas profundas do “oco” da gente chamado interioridade. Assim, enquanto a prisão de fora para dentro se fundamenta com paredes que têm ouvidos, a prisão de dentro para fora se constrói por meio dos ouvidos que têm paredes.

O medo real de um sequestro-relâmpago é justificável, mas não será ficando em casa ou azucrinando a vida dos nossos queridos que vamos vencer o perigo. Corremos riscos o tempo inteiro, muitos deles dos quais nem temos conhecimento. Quem sabe a esperança seja tentar aprender com os peixinhos que se alimentam e se divertem nas costas do tubarão. A gente atira muito e se atira pouco, eis a questão. Com sabedoria ímpar, Cristiane Sobral, no poema O preço de uma escolha (2011), constata com precisão o valor da persistência: “Cada tombo fortalece os meus músculos/Torna mais ágeis as minhas pernas/Aprimora o salto e o meu desejo de voar”. A esperança é a única que não morre. Com ela, temos o poder de renascer das cinzas repetidas vezes. Todos nascem para o sol. Brindemos à vida e não blindemos a vida.