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Nº 1803 - Ano 39
10.12.2012

Solidariedade e Excelência

Pioneira nos estudos com carbono, Mildred Dresselhaus, 17ª personalidade agraciada com o Doutor Honoris Causa da UFMG, demonstra especial interesse pelo desenvolvimento da ciência nos países subdesenvolvidos

Gabriella Praça

Centro de Microscopia - UFMG

Estrutura de nanotubo de carbono: pesquisas de Mildred Dresselhaus produziram grande impacto sobre a ciência de materiais

Estrutura de nanotubo de carbono: pesquisas de Mildred Dresselhaus produziram grande impacto sobre a ciência de materiais

Filha de imigrantes europeus que haviam se mudado para os Estados Unidos em busca de melhores condições de vida, Mildred Dresselhaus nasceu na Nova York abatida pela Grande Depressão. A pequena “Millie” – como é carinhosamente chamada pelos mais próximos – teve infância difícil, marcada por restrições econômicas, mas, desde cedo, já manifestava talento para driblar as adversidades e forte inclinação para os estudos.

“Ela conta que costumava ir à escola a pé e gastar em livros o dinheiro que ganhava para pagar as passagens de metrô”, revela o professor do Departamento de Física da UFMG Ado Jorio. Nascida em uma família com tradição musical, Millie se destacava ao violino, o que rendeu-lhe bolsa de estudos em uma boa escola da cidade. Esse seria o início da trajetória da cientista que, décadas depois, se tornaria uma das pesquisadoras mais respeitadas de seu tempo.

Millie é a 17ª personalidade – e primeira mulher – a receber o título de Doutor Honoris Causa da UFMG. A cerimônia de entrega será realizada nesta segunda-feira, às 17h, no auditório da Reitoria. Ela enveredou pela Física em meados do século passado, época em que apenas 2% da comunidade científica na área eram do sexo feminino. O título de PhD veio em 1958, pela Universidade de Chicago, com uma tese sobre supercondutividade. No início dos anos 60, começou a trabalhar no Laboratório Lincoln do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que oferecia ambiente favorável para um jovem pesquisador construir sua carreira. Lá, desenvolveu estudos sobre efeitos magneto-ópticos em semimetais, que logo a levariam a investigar as propriedades eletrônicas do bismuto e do grafite – campo ao qual a cientista forneceria contribuições fundamentais. Em função dos resultados da pesquisa que desenvolveu no Laboratório entre 1960 e 1967, tornou-se professora visitante do departamento de Engenharia Elétrica do MIT, onde, mais tarde, seria a primeira mulher a ocupar um cargo permanente de docência. Hoje, é professora emérita do Instituto.

Desbravadora

“Millie começou a estudar o grafite quando as pessoas não se preocupavam com esse tipo de material; a maioria só se interessava por semicondutores e supercondutividade”, ressalta Ado Jorio, que conviveu com a professora nos anos 2000 e 2001, quando foi orientado por ela em seu curso de pós-doutorado, no MIT. Sua pesquisa teve impacto em todas as disciplinas relacionadas ao domínio da ciência de materiais, que engloba o estudo das nanoestruturas de carbono, como os fulerenos, os nanotubos e o grafeno.

Desde os anos 60, ela tem se destacado pela vasta e relevante produção científica na área. “Na comunidade envolvida em ciência de materiais costuma-se dizer que, se esse campo tem uma mãe, ela é a Millie”, revela Jorio. A cientista também tem dedicado sua carreira à investigação de termoelétricos, com ênfase nas relações entre as diferenças de temperatura e de potencial. Seu trabalho envolve a nanotecnologia, empregada tanto em baterias e outros sistemas relacionados à geração de energia, quanto no desenvolvimento de dispositivos que se caracterizem pelo menor gasto energético.

Sua atuação rendeu-lhe diversas premiações ao longo da carreira, incluindo 28 doutoramentos honoris causa em todo o mundo – a UFMG será a 29ª instituição a conferir-lhe o título. Além disso, ela presidiu as sociedades norte-americanas de Física e para o Avanço da Ciência e assessorou o Departamento de Energia dos EUA durante o governo Clinton, entre outras contribuições político-institucionais.

Para Jorio, a cientista se diferencia por reunir diferentes habilidades, inclusive como gestora. “Ela tem ampla visão sobre o problema energético, tanto no que diz respeito à gestão, quanto em relação à questão científica”, observa.

Inspiração

Ao longo de sua carreira, Millie estabeleceu inúmeras parcerias com pesquisadores originários de países em desenvolvimento. Ela já esteve diversas vezes em Belo Horizonte e escreveu cerca de 100 artigos em coautoria com pesquisadores da UFMG, contribuindo para a internacionalização da ciência produzida na Universidade.

“Ela não mede esforços para auxiliar pesquisadores, que, embora com produção de alto nível, desfrutam de menor visibilidade por serem oriundos de países subdesenvolvidos”, afirma Ado Jorio, enfatizando que essa postura é pautada pela excelência científica. Para ele, a cientista é um modelo de postura ética e amor pela ciência. “Ela é o tipo de pessoa que sempre procura ver o lado bom das coisas e não dá brecha a qualquer conversa de teor negativo”, conta. “É uma inspiração para profissionais da academia”, conclui.