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Nº 1803 - Ano 39
10.12.2012

entrevista

Entusiasmo juvenil

Gabriella Praça

Aos 82 anos de idade, Millie se diz tão entusiasmada com a ciência quanto há 60 anos, quando iniciou a sua brilhante carreira. Em entrevista ao BOLETIM, a pesquisadora discute o papel da Física no desafio da geração energética, a produção científica brasileira e as parcerias dela com pesquisadores da Universidade, e conta como conciliou seus projetos pessoais e acadêmicos ao longo da vida.

Muito se discute sobre a situação da mulher no mundo de hoje, em que é preciso, muitas vezes, encarar duplas ou triplas jornadas de trabalho. A senhora criou quatro filhos, desenvolveu uma carreira acadêmica brilhante e ocupou diversos cargos de liderança. Como conseguiu equilibrar as demandas da vida pessoal e profissional durante todos esses anos?

Com um marido parceiro [Mildred é casada com o cientista Gene Dresselhaus, também pesquisador do MIT], uma babá boa e confiável, que trabalhou comigo por 29 anos, filhos compreensivos e organização para manter todo mundo feliz.

Quando iniciou sua carreira, nos anos 1950, apenas 2% da comunidade acadêmica em Física era do sexo feminino. Que desafios enfrentou ao enveredar por uma área praticamente dominada por homens?

Eu tinha uma vantagem, que era minha ampla base científica. Isso me permitiu transitar entre diferentes áreas de pesquisa quando necessário. Tive excelentes alunos que eram tão entusiasmados com a ciência quanto eu, um marido parceiro e compreensivo, e o Sputnik tinha sido lançado pelos russos em 1957. Ou seja: comecei minha carreira numa época conveniente para o financiamento de pesquisa em ciência e tecnologia.

A senhora se tornou parceira e incentivadora da produção científica de países em desenvolvimento. Que papel esses países exercem, hoje, na ciência mundial?

Me envolvi em colaboração com pesquisadores de toda parte, alguns de países desenvolvidos e outros do mundo em desenvolvimento. Quando eles chegavam ao MIT, todos trabalhavam juntos e aprendiam um com o outro, e comigo mesma. O mundo em desenvolvimento tem evoluído muito nesses últimos 50 anos em que tenho trabalhado com pesquisadores dessas regiões, e o investimento em ciência e tecnologia teve grande influência no crescimento econômico de cada país.

Qual a contribuição brasileira para o desenvolvimento da pesquisa em nanotecnologia? É possível fazer alguma projeção sobre o futuro da ciência produzida no país?

Tenho acompanhado pesquisas no Brasil desde 1971, quando visitei o país pela primeira vez, e sua produção científica se intensificou com o tempo, com o desenvolvimento das universidades em ritmo acelerado, e cada vez mais pessoas tendo acesso à educação. Meu envolvimento com a UFMG remonta a 1997, quando Marcos Pimenta [professor do Departamento de Física] passou um ano sabático no MIT, e a parceria cresceu à medida que mais e mais brasileiros vieram trabalhar comigo. Tenho visto o nível da pesquisa aumentar desde 1997, especialmente em nanociência e nanotecnologia, em grande parte devido ao apoio governamental e à excelente seleção de pesquisadores altamente motivados para trabalhar no exterior e para retornar ao Brasil e contribuir para o avanço do país. Acredito que a ciência brasileira atingiu agora um ponto de sustentabilidade. Os brasileiros têm forte incentivo para se tornarem uma grande força internacional, e parecem saber como lidar com suas próprias questões para atingir esse objetivo.

A senhora assessorou o Departamento de Energia dos Estados Unidos durante o governo de Bill Clinton. Em 2012, recebeu o prêmio Enrico Fermi, outorgado por Barack Obama por meio do mesmo departamento, para honrar indivíduos que contribuíram substancialmente para o desenvolvimento, o uso ou a produção de energia. Como a Física mundial pode ajudar a enfrentar o desafio da geração de energia na atualidade?

Por um lado, a Física envolve um método sistematizado de pensar analiticamente sobre diversas espécies de problemas mundiais. Por outro, os princípios da Física estão envolvidos em quase todo tipo de tecnologia utilizada para tornar a geração energética mais segura e eficiente em suas muitas formas – solar, térmica ou nuclear. Atuando com outros ramos científicos, a Física se faz necessária para seguirmos em frente em direção a caminhos já identificados, e abrirmos novas possibilidades, ainda a serem descobertas. Portanto, investir largamente em ciência é a atitude mais estratégica a se tomar.