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Nº 1828 - Ano 39
08.07.2013
Entrevista / Clélio Campolina Diniz
Da redação
A UFMG tem feito um grande esforço para ampliar a qualidade de suas atividades e todos os resultados das avaliações divulgados sobre o nosso desempenho atestam que estamos no caminho certo. Isso favorece a construção de uma universidade de classe mundial, que em linhas gerais significa ensino e pesquisa de qualidade, reconhecimento internacional e compromisso social por meio da inclusão. Temos muitas questões de caráter estrutural a serem enfrentadas, que não são de curto prazo. A internacionalização está sendo construída e legitimada aos poucos.
Há uma crise no sistema capitalista central e uma consequente emergência de outros países, os chamados Brics – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – e outras nações, como Coreia do Sul, Turquia, Malásia, Arábia Saudita, Austrália. O Brasil é visto como um portador de novas perspectivas. Vimos agora esse “soluço”, essa crise da democracia brasileira que se espalha para o mundo inteiro, principalmente pelo fato de sediarmos uma Copa [a Copa das Confederações]. O Brasil é um país visado e visível. Se queremos ter uma posição de destaque, a referência é exatamente educação, ciência, tecnologia e cultura. Dentro desse cenário, há questões mais objetivas a focar. Do ponto de vista do ensino, por exemplo, somos uma universidade de 52 mil estudantes, e as boas universidades do mundo estabelecem um limite de tamanho.
Acho que sim. Qualidade e tamanho não são dimensões simples de serem conciliadas. Podemos continuar crescendo na pós-graduação, mas na graduação atingimos uma escala que nos recomenda a não aumentar o número de vagas. Em relação à pesquisa, nossa trajetória é muito boa e somos a universidade que mais tem depositado patentes, além de registrar crescimento do número de papers publicados. E desenvolvemos algumas ações que vão potencializar esses ganhos.
O Centro de Transferência e Inovação Tecnológica vai permitir institucionalizar a transferência do conhecimento gerado aqui dentro para operacionalização produtiva –pública ou privada. A Fundep está criando a Fundespar, empresa que vai captar e gerir recursos para projetos inovadores. Também estamos trabalhando com o projeto do Centro de Instrumentação Tecnológica e Pesquisa Translacional em Saúde, cujo objetivo é desenvolver tecnologia para produção de medicamentos, equipamentos e instrumentos, e implantar laboratórios de prototipagem aplicados à saúde.
Na área da extensão, temos os festivais, o Espaço do Conhecimento, a estruturação da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, em Tiradentes, onde já inauguramos o Museu Casa Padre Toledo. Também estamos planejando a biblioteca especializada no século 18 e, junto com o Instituto Flávio Gutierrez, vamos montar um museu de arte sacra, com acervo de imagens de Sant’Ana.
A Universidade se antecipou ao governo federal e implantou o programa de bônus para egressos de escolas públicas e de etnias relativamente marginalizadas, como os afrodescendentes. Em seguida, veio o sistema de reserva de vagas criado pela Lei 12.711/2012, que estamos cumprindo. Mais de 40% de nossos alunos saíram de escolas públicas e isso tende a aumentar. A nossa política de assistência estudantil aplicará, apenas este ano, R$ 23 milhões, e estamos propondo a criação de uma pró-reitoria de assuntos estudantis e comunitários.
Ela pode ampliar e acompanhar de maneira mais precisa as nossas ações de assistência. O braço operacional é a Fump e esperamos que continue assim. A ideia é trazer a assistência estudantil para dentro da gestão e integrá-la às demais pró-reitorias. Outra proposta em estudo é a da pró-reitoria de assuntos culturais, pensada para coordenar o conjunto de atividades da UFMG nessa área. A cultura deve ser vista como uma dimensão fundamental da vida, um valor a ser ampliado e prestigiado.
A minha visão é de que não podemos espalhar demais. A escola fundamental e média, sim, tem que ser capilarizada. Já o ensino superior e a pesquisa precisam estar centralizados para funcionar com eficiência. Em nenhum lugar do mundo o sistema universitário é pulverizado. Minas já está relativamente coberta por suas 11 universidades federais. Nós deveríamos concentrar atividades em Belo Horizonte, em Montes Claros e em Tiradentes, onde está a Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade.
O Plano Diretor do campus Pampulha já foi aprovado. Falta apenas a parte de mobilidade e estacionamento, que está em estudo. É um instrumento que oferecerá diretrizes para que nossas atividades sejam executadas em um espaço agradável e prazeroso. A Universidade está crescendo e precisamos de alternativas de expansão. Uma delas é a Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo, que fica a 30 quilômetros daqui. Planos diretores também estão sendo elaborados para a fazenda do campus de Montes Claros, para o campus Saúde e para o Museu de História Natural. É fundamental ordenar o planejamento físico, a ocupação e a utilização desses espaços, combinando funcionalidade, convivência e meio ambiente.
Em relação ao Centro de Estudos Africanos, a UFMG saiu na frente. Fui presidente da Associação de Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e isso me impôs, como obrigação institucional, procurar entender as coisas da África. A UFMG liderou a montagem de um programa de mobilidade na África, cujo edital da Capes selecionou 45 projetos, 13 da Universidade. Já desenvolvemos muitas atividades no continente, e recebemos a incumbência de ajudar na implantação de universidade pública em São Tomé e Príncipe. Nossa atuação é pautada no conceito de internacionalização solidária, que foi até incorporado pelo governo. Quanto à América Latina, há uma circunstância, a posição geográfica, que nos obriga a pensar um projeto para o Brasil que inclua a região. Temos várias questões de grande dimensão, a exemplo da Amazônia, que exigem tratamento conjunto com os demais países. A China, que é a segunda potência econômica mundial, um país com 1,4 bilhão de habitantes, também não pode ser perdida de vista, assim como a Índia, país heterogêneo, mas com grande dimensão territorial, populacional e potencial econômico. Esses dois países são potências emergentes para as quais estão voltados os olhares do mundo. Por fim, temos a Europa, nosso principal berço civilizatório. Não podemos simplesmente fazer uma política voltada para o eixo Sul-Sul, abandonando a matriz europeia e também a norte-americana, igualmente infuenciada pela Europa. Assim, temos o Centro de Estudos Europeus e poderá surgir um Centro de Estudos Norte-americanos.
Eles apontam para a construção de uma universidade de padrão de excelência. A universidade pode e deve ser inclusiva, mas não deve abandonar a busca da excelência. Um bom exemplo – entre vários que posso citar – é o Centro de Treinamento Esportivo, projeto que combina excelência científica com abertura social.
A Universidade prepara profissionais, mas antes de tudo tem que formar cidadãos, numa perspectiva de contribuir para uma sociedade mais humana, justa e igualitária. Já o Centro de Pesquisas em Humanidades parte da necessidade de fortalecer a integração da área de humanas, dando mais visibilidade social e política para a UFMG e aumentando nossa capacidade de diálogo social. A Universidade, como o próprio nome indica, é universal, portanto, tem que abrigar todas as dimensões.
Voltando a essa questão da formação para a cidadania, diria que a maior dificuldade que as universidades encontram no Brasil hoje é a má qualidade da educação fundamental e média. É nesse nível que se formam jovens para ingressar na universidade, para a vida profissional e cidadã. Sem esse “andar de baixo” bem estruturado, não se pode construir uma sociedade democrática e desenvolvida.
Em certa medida, sim, porque participamos da formação dos professores da rede pública. Mas o maior desafio da educação fundamental e média é a valorização do professor, o que inclui salário. Tanto que a demanda pelas licenciaturas tem caído muito; as pessoas não têm expectativa de inserção social, de salário adequado.
As duas carreiras são um grande problema. A técnico-administrativa é dividida em cinco segmentos (A, B, C, D, E), e as pessoas não mudam de uma categoria para outra sem novo concurso público. Não temos as qualificações e os salários. Isso seria importante até para que pudéssemos transferir a gestão administrativa do quadro docente para a carreira técnico-administrativa.
Estamos nomeando várias pessoas do quadro administrativo para cargos de direção. Mas não dispomos de condições para contratar pessoas para as quais a gestão da Universidade deveria ser entregue, como administradores e profissionais de recursos humanos, informática e engenharia. Outro desafio é a carreira docente, na qual predomina a dedicação exclusiva. Há muitas áreas em que o docente deve ter prática profissional, inclusive para ser um bom professor, a exemplo de direito, medicina, odontologia e arquitetura. Tratar todas as áreas de forma homogênea é um equívoco. Insisto há anos na necessidade de flexibilizar a carreira. O salário de 20 horas é muito baixo, e uma jornada de 40 horas para todas as áreas é inadequada. Já propus ao governo resolver o problema com o mesmo orçamento. Basta pagar ao professor de 20 horas o salário equivalente ao de 40 horas, permitindo que muitas pessoas passem da dedicação exclusiva para o tempo parcial e criando uma folga orçamentária. Com essa diferença seria possível aumentar o salário do docente em dedicação exclusiva. Se tivéssemos autonomia de gestão, poderíamos fazer isso com o mesmo orçamento.