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Nº 1828 - Ano 39
08.07.2013

Entrevista / Clélio Campolina Diniz

“Universidade deve aliar inclusão e excelência”

Uma universidade com compromisso social e, ao mesmo tempo, capaz de atingir padrões internacionais de qualidade. Essa é, na visão do reitor Clélio Campolina Diniz, a combinação de atributos perseguida com insistência pela UFMG nos últimos anos.
Nesta entrevista ao BOLETIM, Campolina faz uma análise dos principais movimentos feitos pela Universidade para conciliar essas duas dimensões, como a elaboração dos projetos estruturantes, com o objetivo de torná-la uma instituição de classe mundial, e os seus esforços para, de um lado, democratizar o acesso – por meio do programa de bônus e, mais recentemente, pelo sistema de reserva de vagas criado pela Lei 12.711/2012 – e, de outro, garantir a permanência de setores socialmente desfavorecidos através do aperfeiçoamento da política de assistência estudantil.

Da redação

Em 2010, quando foi escolhido pela comunidade universitária para dirigir a UFMG, o senhor declarou, em entrevista ao BOLETIM, que qualidade, inclusão e reconhecimento internacional formavam o eixo de sua plataforma de candidato. Ao longo desses quatro anos, como a sua gestão trabalhou essa equação?

A UFMG tem feito um grande esforço para ampliar a qualidade de suas atividades e todos os resultados das avaliações divulgados sobre o nosso desempenho atestam que estamos no caminho certo. Isso favorece a construção de uma universidade de classe mundial, que em linhas gerais significa ensino e pesquisa de qualidade, reconhecimento internacional e compromisso social por meio da inclusão. Temos muitas questões de caráter estrutural a serem enfrentadas, que não são de curto prazo. A internacionalização está sendo construída e legitimada aos poucos.

Como a Universidade deve se comportar nesse novo cenário internacional?

Há uma crise no sistema capitalista central e uma consequente emergência de outros países, os chamados Brics – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – e outras nações, como Coreia do Sul, Turquia, Malásia, Arábia Saudita, Austrália. O Brasil é visto como um portador de novas perspectivas. Vimos agora esse “soluço”, essa crise da democracia brasileira que se espalha para o mundo inteiro, principalmente pelo fato de sediarmos uma Copa [a Copa das Confederações]. O Brasil é um país visado e visível. Se queremos ter uma posição de destaque, a referência é exatamente educação, ciência, tecnologia e cultura. Dentro desse cenário, há questões mais objetivas a focar. Do ponto de vista do ensino, por exemplo, somos uma universidade de 52 mil estudantes, e as boas universidades do mundo estabelecem um limite de tamanho.

A UFMG já chegou a esse limite?

Acho que sim. Qualidade e tamanho não são dimensões simples de serem conciliadas. Podemos continuar crescendo na pós-graduação, mas na graduação atingimos uma escala que nos recomenda a não aumentar o número de vagas. Em relação à pesquisa, nossa trajetória é muito boa e somos a universidade que mais tem depositado patentes, além de registrar crescimento do número de papers publicados. E desenvolvemos algumas ações que vão potencializar esses ganhos.

Poderia citar exemplos?

O Centro de Transferência e Inovação Tecnológica vai permitir institucionalizar a transferência do conhecimento gerado aqui dentro para operacionalização produtiva –pública ou privada. A Fundep está criando a Fundespar, empresa que vai captar e gerir recursos para projetos inovadores. Também estamos trabalhando com o projeto do Centro de Instrumentação Tecnológica e Pesquisa Translacional em Saúde, cujo objetivo é desenvolver tecnologia para produção de medicamentos, equipamentos e instrumentos, e implantar laboratórios de prototipagem aplicados à saúde.

Na área da extensão, temos os festivais, o Espaço do Conhecimento, a estruturação da Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade, em Tiradentes, onde já inauguramos o Museu Casa Padre Toledo. Também estamos planejando a biblioteca especializada no século 18 e, junto com o Instituto Flávio Gutierrez, vamos montar um museu de arte sacra, com acervo de imagens de Sant’Ana.

Que avanços o senhor identifica em relação à democratização do acesso?

A Universidade se antecipou ao governo federal e implantou o programa de bônus para egressos de escolas públicas e de etnias relativamente marginalizadas, como os afrodescendentes. Em seguida, veio o sistema de reserva de vagas criado pela Lei 12.711/2012, que estamos cumprindo. Mais de 40% de nossos alunos saíram de escolas públicas e isso tende a aumentar. A nossa política de assistência estudantil aplicará, apenas este ano, R$ 23 milhões, e estamos propondo a criação de uma pró-reitoria de assuntos estudantis e comunitários.

Que dimensão a criação de uma pró-reitoria pode trazer para a assistência estudantil?

Ela pode ampliar e acompanhar de maneira mais precisa as nossas ações de assistência. O braço operacional é a Fump e esperamos que continue assim. A ideia é trazer a assistência estudantil para dentro da gestão e integrá-la às demais pró-reitorias. Outra proposta em estudo é a da pró-reitoria de assuntos culturais, pensada para coordenar o conjunto de atividades da UFMG nessa área. A cultura deve ser vista como uma dimensão fundamental da vida, um valor a ser ampliado e prestigiado.

Nos últimos anos, a Universidade viveu uma espécie de “espalhamento” de atividades para lugares como Diamantina e Tiradentes, além da consolidação do campus de Montes Claros. É uma tendência que persistirá?

A minha visão é de que não podemos espalhar demais. A escola fundamental e média, sim, tem que ser capilarizada. Já o ensino superior e a pesquisa precisam estar centralizados para funcionar com eficiência. Em nenhum lugar do mundo o sistema universitário é pulverizado. Minas já está relativamente coberta por suas 11 universidades federais. Nós deveríamos concentrar atividades em Belo Horizonte, em Montes Claros e em Tiradentes, onde está a Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade.

O campus Pampulha experimenta um acelerado processo de adensamento. Como a UFMG pensa a questão da ocupação do seu principal campus e a necessidade de se expandir, por exemplo, para Pedro Leopoldo?

O Plano Diretor do campus Pampulha já foi aprovado. Falta apenas a parte de mobilidade e estacionamento, que está em estudo. É um instrumento que oferecerá diretrizes para que nossas atividades sejam executadas em um espaço agradável e prazeroso. A Universidade está crescendo e precisamos de alternativas de expansão. Uma delas é a Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo, que fica a 30 quilômetros daqui. Planos diretores também estão sendo elaborados para a fazenda do campus de Montes Claros, para o campus Saúde e para o Museu de História Natural. É fundamental ordenar o planejamento físico, a ocupação e a utilização desses espaços, combinando funcionalidade, convivência e meio ambiente.

O que a UFMG pretende com a criação dos centros de estudos internacionais sobre África, América Latina, China, Índia e Europa?

Em relação ao Centro de Estudos Africanos, a UFMG saiu na frente. Fui presidente da Associação de Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e isso me impôs, como obrigação institucional, procurar entender as coisas da África. A UFMG liderou a montagem de um programa de mobilidade na África, cujo edital da Capes selecionou 45 projetos, 13 da Universidade. Já desenvolvemos muitas atividades no continente, e recebemos a incumbência de ajudar na implantação de universidade pública em São Tomé e Príncipe. Nossa atuação é pautada no conceito de internacionalização solidária, que foi até incorporado pelo governo. Quanto à América Latina, há uma circunstância, a posição geográfica, que nos obriga a pensar um projeto para o Brasil que inclua a região. Temos várias questões de grande dimensão, a exemplo da Amazônia, que exigem tratamento conjunto com os demais países. A China, que é a segunda potência econômica mundial, um país com 1,4 bilhão de habitantes, também não pode ser perdida de vista, assim como a Índia, país heterogêneo, mas com grande dimensão territorial, populacional e potencial econômico. Esses dois países são potências emergentes para as quais estão voltados os olhares do mundo. Por fim, temos a Europa, nosso principal berço civilizatório. Não podemos simplesmente fazer uma política voltada para o eixo Sul-Sul, abandonando a matriz europeia e também a norte-americana, igualmente infuenciada pela Europa. Assim, temos o Centro de Estudos Europeus e poderá surgir um Centro de Estudos Norte-americanos.

Que rumos os projetos estruturantes indicam para a Universidade?

Eles apontam para a construção de uma universidade de padrão de excelência. A universidade pode e deve ser inclusiva, mas não deve abandonar a busca da excelência. Um bom exemplo – entre vários que posso citar – é o Centro de Treinamento Esportivo, projeto que combina excelência científica com abertura social.

O senhor poderia falar um pouco sobre o Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades e a formação em cidadania cultural?

A Universidade prepara profissionais, mas antes de tudo tem que formar cidadãos, numa perspectiva de contribuir para uma sociedade mais humana, justa e igualitária. Já o Centro de Pesquisas em Humanidades parte da necessidade de fortalecer a integração da área de humanas, dando mais visibilidade social e política para a UFMG e aumentando nossa capacidade de diálogo social. A Universidade, como o próprio nome indica, é universal, portanto, tem que abrigar todas as dimensões.

Voltando a essa questão da formação para a cidadania, diria que a maior dificuldade que as universidades encontram no Brasil hoje é a má qualidade da educação fundamental e média. É nesse nível que se formam jovens para ingressar na universidade, para a vida profissional e cidadã. Sem esse “andar de baixo” bem estruturado, não se pode construir uma sociedade democrática e desenvolvida.

A Universidade pode, de alguma forma, interferir nesse “edifício”?

Em certa medida, sim, porque participamos da formação dos professores da rede pública. Mas o maior desafio da educação fundamental e média é a valorização do professor, o que inclui salário. Tanto que a demanda pelas licenciaturas tem caído muito; as pessoas não têm expectativa de inserção social, de salário adequado.

Guardadas as devidas proporções, as carreiras docente e técnico-administrativa nas universidades também vivem situação semelhante?

As duas carreiras são um grande problema. A técnico-administrativa é dividida em cinco segmentos (A, B, C, D, E), e as pessoas não mudam de uma categoria para outra sem novo concurso público. Não temos as qualificações e os salários. Isso seria importante até para que pudéssemos transferir a gestão administrativa do quadro docente para a carreira técnico-administrativa.

Mas a Universidade tem feito movimentos nesse sentido...

Estamos nomeando várias pessoas do quadro administrativo para cargos de direção. Mas não dispomos de condições para contratar pessoas para as quais a gestão da Universidade deveria ser entregue, como administradores e profissionais de recursos humanos, informática e engenharia. Outro desafio é a carreira docente, na qual predomina a dedicação exclusiva. Há muitas áreas em que o docente deve ter prática profissional, inclusive para ser um bom professor, a exemplo de direito, medicina, odontologia e arquitetura. Tratar todas as áreas de forma homogênea é um equívoco. Insisto há anos na necessidade de flexibilizar a carreira. O salário de 20 horas é muito baixo, e uma jornada de 40 horas para todas as áreas é inadequada. Já propus ao governo resolver o problema com o mesmo orçamento. Basta pagar ao professor de 20 horas o salário equivalente ao de 40 horas, permitindo que muitas pessoas passem da dedicação exclusiva para o tempo parcial e criando uma folga orçamentária. Com essa diferença seria possível aumentar o salário do docente em dedicação exclusiva. Se tivéssemos autonomia de gestão, poderíamos fazer isso com o mesmo orçamento.