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Nº 1848 - Ano 40
09.12.2013


Encarte
09.12.2013

opiniao

A arte de saber viajar

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Muito bom saber das avançadas ideias defendidas pelos professores Allaoua Saadi, Márcia Lousada e Mariana de Oliveira Lacerda, no artigo Abordagem territorial do turismo: novo olhar para o planejamento, publicado no BOLETIM, edição 1842, de 28/10/2013. Ressaltam os autores que o êxito da atividade turística está diretamente ligado ao princípio da sustentabilidade. É preciso “pensar o turismo sob a perspectiva territorial, o que significa considerar, para o planejamento e gestão pública, a diversidade de interesses e de conflitos, assim como os impactos que esta economia gera para os distintos grupos sociais”. Para tanto, faz-se necessário articular o turismo com a ética no planejamento e as conexões entre cultura, meio ambiente e sociedade. Passo importante nesse sentido se refere à problematização da “perspectiva setorial” que só compreende o turismo enquanto “conjunto de atividades como hotelaria, restaurantes, meios de transporte, eventos e agências de viagem”.

Os professores corajosamente ainda alertaram para a existência de uma “perspectiva mercadófila”, cujo efeito devastador se observa na deterioração do ciclo de vida da destinação turística. O turismo predatório precisa sair de cena o quanto antes. Em contrapartida, chamam a atenção dos autores iniciativas voltadas para o “turismo de base comunitária” e o “turismo solidário”. Nesse sentido, conforme o professor Ewerthon Veloso Pires argumenta em sua dissertação de mestrado A iniciativa privada na construção de um destino turístico e o ciclo de vida da destinação: o caso de Monte Verde, sul de Minas Gerais (Centro Universitário UNA, 2008), é fundamental que o potencial turístico seja “desenvolvido a partir de um norte estratégico capaz de compatibilizar o uso de recursos naturais, culturais e econômicos endógenos aliados à conservação e valorização ambiental e patrimonial dos destinos de forma a promover a geração e a distribuição de renda, o empreendedorismo e o desenvolvimento local sustentável”.

Para o pesquisador, o principal obstáculo para o desenvolvimento turístico pleno se encontra no seguinte imbróglio: “fruto da pouca clareza de quais são os papéis que devem ser desempenhados e quais ações e intervenções são inerentes a cada segmento social [poder público, iniciativa privada, comunidade e sociedade civil organizada] no equacionamento do turismo como atividade econômica propulsora do desenvolvimento local, normalmente, se apresenta um conflito de funções, interesses e comprometimento com a causa do turismo nos núcleos receptores, ora com sobreposições de ações, ora com a ausência de iniciativas”.

Porém, Monte Verde, distrito de Camanducaia (MG), se apresenta como destino turístico de primeira qualidade. No espaço de pouco mais de 50 anos, uma fazenda – sem luz elétrica, estrada de acesso e população – se transformou em uma das páginas mais bonitas da história do empreendedorismo privado coletivo para fins turísticos no Brasil. O motivo do sucesso, na visão de Ewerthon Pires, se deve a “uma mudança paradigmática, uma ruptura cultural diante da dependência e do paternalismo frente ao poder público, por via do protagonismo social e do empreendedorismo de uma iniciativa privada engajada e comprometida com um propósito claro e bem definido: o de construir e consolidar um destino turístico”. Mesmo assim, de maneira arrojada, Ewerthon Pires defende como paradigma ideal “a ação inter-setorial conjugada de poder público, iniciativa privada, terceiro setor e comunidade numa proposta de desenvolvimento sustentável do turismo”.

É necessário salientar que a cultura turística brasileira enfrenta outros vícios dificultadores. Tornando-se mais populares as condições de viagem em nosso país (o que é ótimo sinal!), a ordem econômica ainda não acompanhou, com qualidade, o turismo como importante fator de inclusão social. Isso fica evidente, por exemplo, nos aeroportos. A respeito, o cronista Cristovão Tezza, em Um operário em férias (2013), traz um roteiro de abordagem preciso: “a classe E invade a classe D, que se acotovela sobre a classe C, já se transformando quase em B, enquanto a A – bem, a classe A se refugia nas salas VIP, quando pode, e o mundo do consumo inventa nichos especiais, espaços A+, Sala Plus, Nuvem de Ouro, e por aí vai, nessa luta por distinção que só a cor do dinheiro dá”.

Outro problema se refere ao fato de que poucos se dão conta de que viajar não significa apenas escolher um destino para ir, fazer as malas e pegar o carro, um ônibus ou avião. É também sentir-se um pouco forasteiro. Viajar é deslocar o corpo no espaço e no tempo, experimentando novas sensações em locais conhecidos e desconhecidos. Destaco, portanto, algo mais poético e introspectivo: apreciar a cidade com espírito de viajante. Encarar o próprio ir e vir como seu mapa pessoal e exclusivo de mundo (ainda que o mundo seja apenas a vizinhança). Eu diria que o melhor em uma cidade é a liberdade de perder-se nela. Isto é, arriscar trajetos menos óbvios, a começar por aqueles que costumam marcar a nossa própria rotina. Refiro-me aqui à importância de um turismo existencial capaz de promover uma geografia íntima do ser-tão. Recomendo acompanhar o “guia de viagem” Riobaldo, saído diretamente do romance Grande sertão: Veredas (1956), escrito por Guimarães Rosa: “o real não está na saída nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...”

* Professor das Faculdades Fortium e JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG