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Nº 1848 - Ano 40
09.12.2013


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09.12.2013

Trajetórias que se confundem

Aos 80 anos, físico será homenageado esta semana pelo departamento que ajudou a criar e consolidar

Itamar Rigueira Jr.

Fascinado pela ciência desde menino, ele foi conquistado definitivamente pela física na adolescência, quando tomou conhecimento das realizações de brasileiros como César Lattes. No curso de engenharia civil – “o caminho mais curto, à época, para se chegar à física” –, dava prioridade às disciplinas da área que realmente lhe interessava. E essa vocação do professor emérito Ramayana Gazzinelli está intimamente relacionada com a criação, a consolidação e o prestígio de que desfruta o Departamento de Física da UFMG.

Nascido em 1933, em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, Ramayana será homenageado nesta sexta-feira pelos colegas do ICEx, em comemoração aos seus 80 anos. “Sua folha de serviços à Universidade é exemplar, e essa homenagem reconhece sua competência, como cientista e como cidadão”, afirma o professor aposentado Marcio Quintão Moreno, ex-colega e amigo de seis décadas.

Assim que terminou a graduação, ­Ramayana Gazzinelli começou a lecionar na Escola de Engenharia e iniciou pós-graduação em engenharia nuclear. O objetivo era partir para os Estados Unidos. “Lutei muito até que consegui uma bolsa da embaixada americana para ficar um ano na Universidade de Columbia”, ele conta. O bom desempenho valeu a prorrogação do subsídio, e em menos de cinco anos, ele concluiu o doutorado, com artigo publicado na Phisical Review Letters.

Na volta ao Brasil, no contexto da reforma universitária dos anos 1960, sua experiência com pesquisa contribuiu para a definição do perfil do Instituto de Física (mais tarde transformado em departamento), criado nos moldes da Universidade de Brasília e que congregava as cátedras distribuídas por unidades diversas, com atuação fragmentada. “Sob a liderança do professor Francisco Magalhães Gomes, montamos um departamento que equilibrava a física teórica e a experimental, buscando recursos para laboratórios. Procuramos também limitar as ambições ligadas à física de partículas e concentrar os esforços no estudo da matéria condensada, propriedades dos materiais”, relembra Ramayana Gazzinelli.

Idealismo e autocrítica

Marcio Quintão salienta que, por bom tempo, Ramayana foi o único pesquisador ativo da área de física, e sabia escolher assuntos a serem investigados que fossem “a um tempo significativos e viáveis, em vista de limitações técnicas, financeiras e burocráticas”.

Se prefere a modéstia ao falar de sua produção acadêmica – “não considero que minha obra tenha causado grande impacto” –, Ramayana admite que deu contribuição rara como servidor da instituição. Para o filho Ricardo Tostes Gazzinelli, imunologista e professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ramayana “aliou formação intelectual e comprometimento institucional a grande idealismo e veemência na defesa de suas ideias para cumprir papel importante na criação de um departamento visível nacional e internacionalmente pela pesquisa de excelência”. Ricardo acrescenta que tem clareza da influência do pai em sua carreira acadêmica. “Além de servir como modelo, ele soube me passar sua experiência e os valores a serem almejados. Ajudou-me a achar o caminho das pedras.”

Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Ramayana Gazzinelli integrou o grupo que iniciou o esforço de implantação da Fundação de Apoio à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). Ainda dono de uma sala no ICEx, ele reduziu muito nos últimos anos suas visitas ao campus Pampulha. “Em alguns campos, a experiência que vem com a idade é positiva, mas esse não é o caso da física. Juventude é tudo, imaginação é o que conta”, afirma o professor, que publicou recentemente o livro Quem tem medo de física quântica (Editora UFMG), em linguagem que procura atingir pessoas de diversas áreas do conhecimento. “Muitos consideram o assunto intraduzível, e sei que foi preciso fazer concessões que não agradam a muitos cientistas”, ele ressalta.

Produzir essa obra teve o intuito também de “manter a atividade intelectual”, junto com as leituras. Casado, com quatro filhos e nove netos, Ramayana mantém ainda em sua rotina uma viagem mensal de quatro ou cinco dias à fazenda de gado leiteiro na pequena Serra da Saudade, no Oeste de Minas. Morador há 45 anos da casa que construiu na Zona Sul de Belo Horizonte, ele não vai mais a missa, como já foi hábito. “Fui muito religioso, mas perdi a fé, embora mantenha os valores cristãos e tenha muitos amigos no ambiente da Igreja”, ele comenta.

Ao voltar aos temas acadêmicos, ­Ramayana se recorda dos primeiros tempos – “físicos durante um encontro da SBPC cabiam em uma sala” – para opinar com entusiasmo que a física progrediu muito no Brasil. Com orgulho discreto, mas indisfarçável, ele aborda em particular o caso da UFMG. “Temos um dos melhores departamentos do Brasil”, ele diz. Sobre as próprias qualidades e defeitos, ele se esquiva. “Deixo isso para os outros. Costumo dizer que somos uma justaposição de imagens: a que fazemos de nós mesmos e a que os outros fazem de nós.”