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Nº 1848 - Ano 40
09.12.2013


Encarte
09.12.2013

O sagrado segundo Jim Morrison

Pesquisador da Fale lança livro que relaciona xamanismo e poesia na obra do astro do rock

Paulo Henrique Mauro

A vida de um astro de rock and roll é uma fonte inesgotável de boas histórias. Os excessos, vícios e excentricidades dos ícones da indústria musical despertam a atenção do público, que eleva os artistas a uma condição quase divina. E se tudo isso estiver ligado a uma morte misteriosa e precoce, eis os elementos necessários à criação do mito.

No entanto, tais características ofuscam outras possíveis realizações do homem por trás do ídolo. É essa face pouco destacada na biografia do astro que o escritor Marcel de Lima revela no livro Jim Morrison: o poeta-xamã, lançado recentemente pela Editora UFMG. Na obra, o autor joga luz sobre a produção poética do líder da banda californiana The Doors enquanto traça um paralelo com o xamanismo, prática que acompanhou Morrison desde a infância até a sua morte em circunstâncias misteriosas, aos 27 anos, em Paris, em 1971.

O livro é um desdobramento da dissertação de mestrado defendida pelo autor em 1996 na Faculdade de Letras da UFMG (Fale), onde atualmente é professor adjunto e desenvolve pesquisas que articulam estudos literários e religião. O interesse pelo tema surgiu da admiração de Lima pela banda, e o recorte que articula a poesia com a tradição xamânica é resultado da observação feita pelo autor sobre declarações de Morrison a respeito de uma experiência traumática da infância que influenciou decisivamente a sua produção poética. “Durante uma viagem com a família, Morrison presenciou um acidente de caminhão com um grupo de indígenas que o deixou muito impressionado. Ele reiterou que naquela ocasião o espírito de um índio xamã morto teria possuído sua alma, mudando para sempre a sua vida”, conta o autor.

Dividido em três capítulos, o livro traz na primeira parte uma apresentação dos conceitos de xamanismo e explica o fenômeno a partir das poesias e da música de Morrison. Apesar de serem construções diferentes, Marcel acredita que a produção musical e os versos de Morrison estão interligados. “Não há poesia sem música. A produção poética, inclusive, é uma obra musicada devido ao ritmo empregado durante a leitura”, argumenta.

Magia e produtividade

O xamanismo é um tipo de expressão do sagrado ligado à magia, geralmente associada às sociedades primitivas, enquanto o xamã é o sujeito que detém o conhecimento e controle sobre as forças naturais e pode transitar em diferentes níveis de consciência entre o mundo real e a dimensão espiritual. Tradicionalmente, essa transição é realizada por meio de um processo ritualístico específico, que inclui a prática de jejum e a ingestão de substâncias alucinógenas. No caso de Morrison, suas experiências transcendentais ocorriam à base da dietilamida do ácido lisérgico, o LSD, droga sintética disseminada nos anos 1950 e 1960, época que, segundo Marcel, teria sido a de maior produtividade do cantor.

As obras de Morrison, explica Marcel de Lima, estão dentro da tradição do bardo possuído, em que a poesia visionária emerge com os próprios sentimentos do artista. “O poeta dessa tradição é aquele excluído da República de Platão, onde não era aceito por se negar a seguir os preceitos do homem virtuoso, encontrados apenas no pensamento racional da filosofia, comunicando-se, por assim dizer, através da voz mentirosa do mito e da imaginação”, diz. Ao longo do livro, as obras do poeta-xamã são analisadas na perspectiva de criação artística, elaborada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche e baseada na contraposição entre as divindades gregas das artes: Apolo, deus da escultura, e Dionísio, seu correspondente na música. Para Nietzsche, a arte surge do desequilíbrio entre o apolíneo, ligado à ordem e às formas individualizadas, e o dionisíaco, relativo à natureza, aos excessos e à irracionalidade. Marcel de Lima articula as duas perspectivas para identificar Morrison como o poeta xamânico, que cria suas obras em uma época de contestação cultural e é obrigado a lidar com a dualidade entre o racional e irracional.

Livro: Jim Morrison: o poeta-xamã
Autor: Marcel de Lima
Editora UFMG
180 páginas
Preço de capa: R$40