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Nº 1878 - Ano 40
29.09.2014



Encarte


Arte-vida

A exposição ¡Mira!, de arte indígena, volta a Belo Horizonte com nova montagem, que aborda o processo criativo e de construção de saberes

Ewerton Martins Ribeiro e Rogério Dias

Para os ocidentais, o conceito de “arte” pode parecer natural. Para os povos indígenas, no entanto, o seu entendimento como algo excepcional à produtividade humana rotineira não é inato: surge do contato com o mundo globalizado. “Antes, na cultura desses povos, a arte e a vida eram uma coisa só, não havia essa separação”, explica Maria Inês de Almeida, professora da Faculdade de Letras e curadora da exposição ¡Mira! artes visuais contemporâneas dos povos indígenas, que está de volta a Belo Horizonte para uma nova temporada, desta vez no Espaço do Conhecimento UFMG – e com nova abordagem.

¡Mira! está centrada no processo de construção de saberes que se desenvolve por meio do registro que esses artistas fazem do mundo. Agora, a mostra reúne vídeos que reportam a própria concepção dos trabalhos, além das telas e esculturas já expostas na primeira montagem, no Centro Cultural UFMG “Quando foi inaugurada, em 2013, o foco era a história dos povos indígenas. Desta vez, a exposição centra-se nas diversas formas de tradução do universo indígena para o mundo contemporâneo”, explica Maria Inês. “Nesse sentido”, completa René Lommez, diretor científico-cultural do Espaço do Conhecimento UFMG, “não quisemos simplesmente remontar a exposição, mas promover nova reflexão sobre o processo de construção dessas obras e sobre questões que surgiram da própria circulação da mostra: quem são os artistas, o que produzem, como produzem.”

¡Mira! reúne 84 trabalhos de 50 artistas indígenas de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, e fica em cartaz até 4 de janeiro de 2015, de terça a domingo, das 10h às 17h (às quintas, com horário estendido até 21h). A exposição é uma realização do Espaço do Conhecimento e da Diretoria de Ação Cultural (DAC), com apoio do núcleo Literaterras: Escrita, Leitura, Traduções, da Faculdade de Letras e do Centro Cultural UFMG. A entrada é gratuita.

Muito além do Ocidente

A proposta de ¡Mira! é coerente com uma tendência observada na UFMG: a de estimular a reflexão sobre a construção de conhecimento em perspectivas culturais não ocidentais. A professora da Faculdade de Letras Leda Martins, diretora de Ação Cultural, avalia a importância da inclusão da arte indígena na produção cultural contemporânea. “¡Mira! é parte das ações contínuas da UFMG de afirmação e inclusão dos indígenas em inúmeros projetos culturais, assim como em programas de ensino, extensão e pesquisa. A exposição se destaca por sua importância, originalidade e valor estético, e essa relevância é também evidenciada por sua repercussão nacional e internacional e pelos inúmeros convites que tem recebido para circular por países da América Latina”, justifica a diretora.

Uma ideia descartada pela nova montagem é a de que a arte indígena contemporânea representa uma “retomada de tradição”. “O mais importante da ¡Mira! é desconstruir a ideia de que os indígenas são ‘povos parados no tempo e isolados no mundo’. São pessoas que mantêm, sim, identidades indígenas, mas que vivem no mundo contemporâneo”, reforça René Lommez. Para o diretor do Espaço do Conhecimento, o universo dos artistas que integram a mostra é complexo – e traduzi-lo é o grande desafio da exposição. “Alguns desses artistas ainda vivem em aldeias, nas suas comunidades. Outros, no entanto, já estão completamente inseridos no universo urbano. Há alguma conexão com a tradição e as questões indígenas atuais, mas essa não é uma característica predominante, nem tão visível. ¡Mira! contribui para a derrubada de estereótipos”, acrescenta Lommez.

Maria Inês concorda com essa percepção e defende que as obras reunidas em ¡Mira! não sejam classificadas estritamente como arte indígena – embora tratem de temas ligados às culturas desses povos. Para a curadora, a exposição propõe uma perspectiva contemporânea sobre as obras. “É um olhar para a inserção dessa produção no cenário artístico atual. Ao mesmo tempo, o olhar próprio do indígena está impresso em cada uma das obras; são trabalhos que também demonstram a integração dos artistas com suas raízes. Observando os trabalhos, o público terá acesso ao que essas populações pensam sobre guerras, espiritualidade e violência”, detalha. “¡Mira! permite-nos realçar a urgência de incorporarmos os olhares, os pensamentos e as práticas dos povos indígenas aos circuitos de produção de conhecimentos acadêmicos, contribuindo efetivamente para a visibilidade e valorização que há muito merecem”, define Leda Martins.

Evento: ¡Mira! Artes visuais contemporâneas dos povos indígenas
Período: Até 4 de janeiro
Curadoria: Maria Inês de Almeida
Local: Espaço do Conhecimento UFMG. Praça da Liberdade, 700