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Nº 1907 - Ano 41
08.06.2015

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Encarte

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opiniao

Conflitos urbanos
e desdobramentos rurais

Vagner Luciano de Andrade (*)
Vanessa Colombo Corbi (**)

A urbanização na sociedade capitalista evidencia-se como resultado de dificuldades impostas ao pequeno agricultor, que, em busca de melhorias e novas perspectivas, quase sempre se dirige aos centros urbanos. A expulsão do camponês da terra ancestral provoca o rompimento com a cultura local, que é substituída pelos atrativos da cidade grande, o que gera ilusões posteriormente desfeitas pela frustração, alienação e antagonismos que afetam a vida e a dignidade humana. O sistema urbano-industrial cria disparidades sociais entre a minoria, com poder e dinheiro, e a maioria, escravizada na crescente periferia ao lado dos bairros ricos e centrais. Esses fatos evidenciam o contexto mundial em que interesses divergentes se chocam e deixam a sustentabilidade à deriva, ameaçando as pessoas, suas necessidades básicas e a diversidade dos ecossistemas e biomas terrestres.

A realidade social imposta por esse sistema cria uma vida conturbada e transforma o espaço urbano em um caos total. As cidades anteriormente consideradas cenário de sonhos, de mudanças e melhorias transformaram-se em ambiente de violência, mendicância e estresse. Enquanto a periferia cresce, fugindo dos controles sociais e planejamentos técnicos, a elite minoritária, devido ao seu alto poder aquisitivo, estuda estratégias para escapar da deterioração da qualidade de vida urbana.Uma delas é a “fuga” para os condomínios nos fins de semana, períodos de férias ou feriados prolongados, buscando romper temporariamente com a realidade que tanto incomoda e aborrece. Esse processo, mesmo que aparentemente temporário, será utilizado como estratégia ilícita do sistema, que, por meio do marketing e da publicidade e propaganda, farão de tudo para atender aos interesses de grupos econômicos. Em virtude disso, seres vivos e meio ambiente, inseridos nas áreas de interesses desses grupos, correm sérios riscos.

Na porção ao sul de Belo Horizonte, nos municípios de Brumadinho e Nova Lima, existem serras que são cenários ambientais preservados devido à alta declividade, caracterizados como barreiras naturais ao contínuo processo de expansão urbana. Essas paisagens, ainda não ocupadas, apresentam expressiva vegetação de porte arbóreo, vales drenados por recursos hídricos encachoeirados e monumentos históricos relevantes, que se transformam em atrativos facilmente acessíveis devido à proximidade da capital. Sua expressiva cobertura vegetal é responsável ainda por mananciais e pela grande quantidade de afloramentos do lençol freático, uma vez que, aliada à alta declividade, influencia diretamente nos índices de escoamento, infiltração e percolação das águas pluviais.

No Eixo Sul Metropolitano, entram em cena empresas e grupos comerciais estruturados com base em interesses puramente econômicos: a venda de áreas em condomínios fechados ou loteamentos populares, em sua maioria, clandestinos. Os condomínios fechados ficarão reservados aos que dispõem de recursos para desfrutar de todos os benefícios e prazeres da vida, enquanto os loteamentos do entorno concentrarão a mão de obra assalariada, disponível para atender aos privilégios e caprichos dos condôminos e visitantes. De um lado, os moradores que podem pagar pela qualidade de vida em todos os níveis e, de outro, famílias marginalizadas em loteamentos clandestinos, periféricos e desprovidos de infraestrutura.

Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho, é um exemplo de comunidade ameaçada que luta pela preservação de seu patrimônio histórico e natural. A localidade, um dos primeiros povoados de Minas Gerais, distante apenas 35 quilômetros de Belo Horizonte, foi fundada pelo bandeirante paulista Fernão Dias, em 1680. Com uma população pequena e traçado urbano linear e irregular, é formada pela Rua dos Passos, a praça da matriz e ruas paralelas. Cercados por expressivos fragmentos de Mata Atlântica, encontram-se, a cinco minutos da rua principal, o Ribeirão Piedade, um dos afluentes do Rio Paraopeba, e a cachoeira dos Carrapatos. Emoldurada ao fundo pela beleza da serra, Piedade também possui um pequeno casario remanescente, a Matriz de 1727, a Capela do Rosário, datada de 1816 e reconstruída em 1960. O sossego diário somente se quebra com a chegada dos ônibus de Belo Horizonte ou Brumadinho e pelas três festas anuais.

Em razão das recentes ampliações dos condomínios Alphaville e Casa Branca, localizados, respectivamente, a apenas nove e seis quilômetros do distrito, Piedade do Paraopeba está ameaçada de se transformar em dormitório, atraindo os interesses imobiliários e ampliando seu perímetro urbano, com danos irreversíveis. Apesar de já fazer parte da Área Estadual de Preservação Ambiental (APA) Sul – RMBH, Piedade do Paraopeba precisará de planejamento local que a proteja de possíveis impactos socioambientais. A recente mobilização pelo tombamento da Matriz e a construção das “Sete Dores de Maria Santíssima” podem inibir ações que afetem a qualidade de vida, o patrimônio histórico e o ambiente local. Pautada no ecoturismo sustentável, no turismo rural e na educação ambiental, a população precisa continuar mobilizada para buscar soluções. Somente assim esse cenário peculiar da paisagem mineira ficará protegido para a posteridade.

(*) Educador e mobilizador da Rede Ação Ambiental, com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo

(**) Graduada em Ciências Biológicas, mestre em Ecologia e Recursos Naturais, doutora em Ciências e pós-doutora pela Universidade Federal de São Carlos. Professora do curso de especialização em Ecologia e Monitoramento Ambiental da Uniara