Minas na Poesia – Espaço do Conhecimento UFMG
 
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Minas na Poesia

 

A arte está em todo canto da nossa Minas Gerais. Corre poesia nos nossos rios, morros, vales, ruas e veias. Ela brota entre as pedras e através dos dedos. Na seção Vertentes, da exposição de longa duração do Espaço do Conhecimento UFMG, Demasiado Humano, o módulo final busca representar um pedacinho dos nossos costumes, ilustrados por fotos de cidades do interior, pelo fuxico, pela chita e pelas histórias, casos e cantos, com um jeitinho de falar bem mineiro. Neste texto, trazemos mais um pouquinho de Minas, através da sua poesia. 

 

Nossa terra é berço de poetas desde muito antes de ter o nome que tem. Se fôssemos listar todos os nomes importantes da poesia de Minas, não haveria espaço suficiente. Então, escolhemos trazer só um pedaço dessa história, contada por duas almas bem mineiras.

 

A primeira é uma senhora com doses equivalentes de sagrado e profano dentro de si, que coloca isso no que escreve. Adélia Prado nasceu em Divinópolis, interior de Minas, e cresceu junto com a cidade – algumas vezes, veio dela a sua inspiração. Leitora desde pequena, a experiência com a escrita surgiu mais tarde, como uma resposta à existência. Escreve sobre o que vive, os sentimentos que carrega e seus desdobramentos.

 

Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

— dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

(Adélia Prado, Poesia Reunida, 2015, p. 17)

 

A segunda alma é a de um dos maiores poetas da língua portuguesa, Carlos Drummond de Andrade. Mineiro natural de Itabira, Drummond escreve Minas nas entrelinhas, em sua vasta obra, deixando clara a relação amorosa que tinha pela cultura, paisagens e a história do lugar de onde veio, mas também fazendo críticas, principalmente à mineração de ferro, muito presente em Itabira.

 

O maior trem do mundo

Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel

Engatadas geminadas desembestadas

Leva meu tempo, minha infância, minha vida

Triturada em 163 vagões de minério e destruição

O maior trem do mundo

Transporta a coisa mínima do mundo

Meu coração itabirano

(Carlos Drummond de Andrade, jornal “O Cometa Itabirano”, 1984)

 

Mesmo que a princípio sejam abordagens distintas, Adélia Prado e Carlos Drummond acabam estabelecendo um diálogo em suas obras. Eles demonstram interlocução já no primeiro livro de Adélia, “Bagagem”, em que o texto de abertura, “Com licença poética”, é uma espécie de resposta para “O poema de sete faces”, de Drummond. Prado, além de homenagear Drummond no poema, estabelece um diálogo a partir de sua vivência como mulher. Em sua obra, ela por vezes se atém a questões relacionadas ao cotidiano, enquanto Carlos trata de espaços que o cercam. 

 

No poema “A palavra Minas”, Drummond delineia o estado através de suas palavras, descrevendo a paisagem e a geografia com detalhes e exaltando Minas Gerais, expondo seu sentimento.

 

Minas não é palavra montanhosa

É palavra abissal

Minas é dentro e fundo

As montanhas escondem o que é Minas.

No alto mais celeste, subterrânea,

é galeria vertical varando o ferro

para chegar ninguém sabe onde.

Ninguém sabe Minas. A pedra

o buriti

a carranca

o nevoeiro

o raio

selam a verdade primeira,

sepultada em eras geológicas de sonho.

Só mineiros sabem.

E não dizem nem a si mesmos o

irrevelável segredo

chamado Minas.

(Carlos Drummond de Andrade: Poesia e Prosa, 1992, p.433)

 

A poesia de Adélia Prado nos traz as ruas da sua cidade natal, mas que poderiam ser as ruas de qualquer outra cidade do interior. O poema “Para comer depois” consegue algo que a arte faz com maestria: mudar-nos de lugar num piscar de olhos. Nesse caso específico, somos transportados para uma localidade pequena.

 

Na minha cidade, nos domingos de tarde,

as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.

Tomam a fresca e riem do rapaz da bicicleta,

a campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:

‘Eh bobagem!’

Daqui a muito progresso tecno-ilógico,

quando for impossível detectar o domingo

pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,

em meu país de memória e sentimento,

basta fechar os olhos:

É domingo, é domingo, é domingo.

(Adélia Prado, Poesia Reunida, 2015, p. 38)

 

Unidos pelo estado em que nasceram e pela poesia, em grande parte da obra desses autores conseguimos ver o amor por Minas e suas representações. Drummond nos apresenta toda a imensidão. Adélia, a pequenez dos detalhes. A poesia é inesgotável. Os dois conseguiram enxergar isso um no outro e é o que continuam a nos mostrar.

 

“(…) Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo.” 

Carlos Drummond de Andrade, em crônica publicada no Jornal do Brasil em 1975 (PRADO, 2015, p.481).

 

“Eu padeço da mesma admiração, do mesmo amor pelo Drummond. Eu abro o livro de poesia dele eu fico travada (risos).” 

Adélia Prado, em entrevista para o documentário “Poeta de Sete Faces”, de 2002.

 

[Texto de autoria de Tamires Batista Silveira, mediadora do Núcleo de Ações Educativas e Acessibilidade]

 

Para saber mais:

Documentário “Poeta de Sete Faces”, de 2002

Entrevista de Adélia Prado ao Roda Viva, em 2014

 

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade: poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.

BRAGA, Raphael. Intertextualidade e o Sagrado na Poesia de Adélia Prado, 2019.

PRADO, Adélia. Poesia reunida. Rio de Janeiro: Record, 2015.

SANTOS, Maria Luiza. O olhar de Carlos Drummond de Andrade para Minas Gerais: estudo de caso de Belo Horizonte e Itabira, 2016.