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Nº 1827 - Ano 39
01.07.2013

opiniao

A universidade como parte da cidade (ou revertendo a rota do desastre)

Carlos Alberto Maciel*

A relação entre a Universidade e a cidade, pensada a partir das infraestruturas físicas que dão suporte às atividades humanas, não é uma discussão nova. Em 1981, Luciano Damázio de Gusmão e a professora Maria Lúcia Malard já apontavam as contradições e dificuldades para que o campus Pampulha se integrasse efetivamente à cidade devido à baixa densidade da região e à presença de grandes equipamentos no entorno, em artigo publicado no livro Territórios da Universidade. Permanências e transformações, lançado pela Editora UFMG [leia mais sobre a obra na página 12].

Com o forte crescimento urbano e o constante incentivo à indústria automobilística e ao transporte individual, iniciado por JK e agravado pela recente política de redução de impostos para aquisição de automóveis de passeio, problemas que há poucos anos eram exclusivos dos centros das grandes capitais já se estendem a todo o território, incluindo o campus. Portanto, se nos anos 1960 se admitia discutir o território universitário com certa independência em relação à cidade, hoje é imprescindível integrar o planejamento universitário à questão metropolitana. Isso não significa reproduzir as más soluções. Dada a responsabilidade da Universidade em relação à exemplaridade de suas ações, cabe-nos discutir ideias que possam transformar efetivamente a qualidade urbana do campus, irradiando para seu entorno imediato e para toda a cidade, e não apenas mitigar impactos negativos decorrentes de seu crescimento.

Portanto, independentemente da sua viabilidade imediata, proponho aqui, como pontos para reflexão de toda a comunidade, algumas ideias potencialmente transformadoras de nosso território e das condições ambientais que hoje se oferecem para seus usuários. Não há ineditismo nelas nem resultam em projetos ou propostas completas, mas são antes uma discussão de princípios.

O primeiro princípio que a Universidade precisa discutir é a validade de se trocarem árvores por vagas de estacionamento. A Universidade é pressionada, nos licenciamentos de seus edifícios, a ofertar um número crescente de vagas. A comunidade reclama estacionamentos, o fluxo ampliado de automóveis congestiona as vias. Algumas unidades sofrem com o ruído. Pedestres perdem espaço e qualidade. Uma reversão desse cenário não é uma mera questão administrativa, mas depende de uma tomada de posição coletiva, uma literal “retomada das ruas”, como se vê nas cidades brasileiras nos últimos dias.

O segundo princípio a discutir: é válido priorizar investimentos de infraestrutura para criar espaços para a guarda de um bem particular? Admitir como incondicional e irreversível o uso do automóvel e prover espaços para sua guarda é uma escolha. Temos escolhido, como cidadãos e como instituição, investir recursos públicos na guarda de bens privados de poucos, ou de uma pequena maioria. Por outro lado, parece razoável exigir contrapartidas proporcionais à condição de cada usuário: do que se transporta com um equipamento de 12 quilogramas sem motor, ou do que mobiliza, como compara o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, 700 quilogramas de aço para carregar uma única pessoa de 70 quilogramas. Seria interessante imaginar quanto se poderia investir na qualidade dos espaços livres, na criação de ciclovias e calçadas acessíveis, na implantação de equipamentos de convivência, comércio e serviços.

O terceiro princípio é o da equidade. Se de fato o adotamos plenamente, devemos dividir o espaço público e os recursos nele investidos de modo proporcional para a calçada, a ciclovia, a parada e a via de ônibus, a rua e o estacionamento, inclusive, além dos espaços livres, áreas verdes, equipamentos e espaços de convivência. Não seria desejável estimular os modos de transporte mais democráticos e menos poluentes? Nesse contexto, há que se discutir uma política de mobilidade que não pode se furtar a dialogar com a cidade. Sabe-se que haverá um incremento da acessibilidade ao campus quando da entrada em operação do BRT da Avenida Antônio Carlos. Sabe-se ainda que há um plano geral para o metrô que também passa por ali. Não seria o momento de rediscutirmos se a Universidade deseja uma estação do metrô com acesso direto à Praça de Serviços, integrando efetivamente o território da universidade à cidade, como ocorre na maioria das grandes instituições em outros países? Ou um sistema de empréstimo de bicicletas para percursos curtos? Ou um sistema interno de transporte não poluente, com frequência e variedade compatíveis com as necessidades da nossa comunidade, e interligado a outros modais – inclusive ao metrô, às bicicletas e ao BRT?

O quarto princípio que proponho à discussão é o seguinte: em uma sociedade carceral, a Universidade deve replicar comportamentos e estratégias de segregação socioespacial ou deve buscar alternativas mais sutis e generosas para equacionar a sua segurança? Segurança não significa cerca e muros, arames farpados e barreiras. Esses dispositivos não são mais do que atestados da falência da própria segurança. Segurança, no sentido fundamental do termo, deve garantir que todos possam circular livremente por um território com visibilidade plena, iluminação pública, ocupação humana efetiva. Deve conviver com a ampliação do caráter público e do uso aberto dos espaços livres, sem prejuízo do controle e proteção daquelas atividades que exijam maior isolamento. Deve estimular a convivência: da Universidade com a cidade, da sua comunidade com a sociedade.

Se quisermos enfrentar essas questões para nos desviar da rota do desastre e buscar uma universidade mais tolerante, generosa e efetivamente diversa, capaz de dialogar com a diferença expressando fisicamente essas escolhas em seu território, teremos que correr outros riscos. Estaríamos dispostos?

*Arquiteto e urbanista. Professor da Escola de Arquitetura da UFMG