Revista Diversa

Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 11 - Maio de 2007

Artigo

Raízes e Destino

Fernando Correia Dias
Foi professor de Sociologia na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e na UnB, onde se aposentou

A Universidade constitui uma instituição extremamente tardia no Brasil. Segundo Anísio Teixeira, as conseqüências negativas desse fato manifestaram-se, principalmente sob dois aspectos: não propiciou a formação de uma cultura nacional comum; e estabeleceu um ensino secundário pleno de falhas.

Houve, entretanto, muitas tentativas de criar universidades. O rastreamento dessas iniciativas mostra projetos diferentes, cada qual com suas características próprias, e quase sempre irrealistas. Destaca- se, pelo seu valor, a proposta de José Bonifácio de Andrada e Silva, apresentada à Constituinte de 1823.

O antecedente imediato do empreendimento universitário em Minas foi a criação da primeira universidade duradoura no Brasil, a do Rio de Janeiro. Tinha havido “universidades passageiras” minuciosamente estudadas por Luís Antônio Cunha: a de Manaus (1909), a de São Paulo (1911) e a do Paraná (1912).

Em meio ao desinteresse pelo assunto, surge uma brecha na legislação em 1915. O artigo 6º do Decreto 11.530, de 18 de março daquele ano, estabelecia que “o Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em universidade as Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das Faculdades livres de Direito”.

Em 1920, acelerou-se a criação da Universidade, por um motivo acidental: para que se pudesse conceder o título de Doutor Honoris Causa ao Rei Alberto I, da Bélgica, então em visita ao Brasil. Apesar da reconhecida inconsistência dessa organização, universidade apenas de nome, o governo federal decide (Decreto 16.782-17, de 13 de janeiro de1925) consolidá-la e ampliá-la, acrescentando- lhe a Faculdade de Odontologia e Farmácia. O mesmo diploma legal autorizava a criação da Universidade nos Estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Estabeleciam-se certos requisitos. Foi desse dispositivo que se valeu o governo mineiro para tomar a iniciativa.

O projeto de criação da Universidade de Minas Gerais (UMG) era de fundo liberal. Quem o propôs – o presidente Antônio Carlos – nele pensou desde a Plataforma dirigida ao povo mineiro em 1926. Disse que o ensino superior e secundário não eram da competência legal do Estado, mas que a administração tinha o dever de amparar as escolas dessas áreas.

Veterano liberal convicto, Antônio Carlos assume atitude francamente ilustrada, tomando a educação como instrumento para formar cidadãos e para preparar as elites mineiras. Outro aspecto é o do respeito à opinião pública. Esse clima intelectual aparece de modo marcante em dois discursos: no do jovem estudante de Medicina, Pedro Nava, saudando, em nome dos acadêmicos, o presidente do Estado, pela remessa do projeto criando a UMG, e no da resposta dada pelo estadista.

O projeto foi encaminhado ao Legislativo no dia 11 de agosto de 1927, data em que se comemorava o centenário da institucionalização dos cursos jurídicos no Brasil. Foi a proposição preparada pelo jurisconsulto Francisco Mendes Pimentel, que seria escolhido, por Antônio Carlos, como primeiro reitor.

A tramitação foi rápida, sendo a Lei 956 sancionada solenemente a 7 de setembro. Reuniam-se em regime universitário estabelecimentos isolados existentes em Belo Horizonte: Faculdade de Direito, Escola de Odontologia e Farmácia, Escola de Engenharia e Faculdade de Medicina. Criavam-se o cargo de reitor e o Conselho Universitário, este composto pelos diretores das unidades e mais três professores eleitos em cada Congregação. Elaborou-se, depois, um Regulamento, com pormenores sobre os objetivos e a organização da Universidade. Das finalidades, constava o ideal do desenvolvimento científico, aliás presente em diversas iniciativas ao longo do tempo.

Os traços mais marcantes instituídos eram o da autonomia da UMG, sem prejuízo das unidades; o da criação de um patrimônio para cada estabelecimento, materializado na doação de apólices, cujo rendimento asseguraria a respectiva manutenção; e o das amplas atribuições do Conselho Universitário.

A liderança universitária mineira participou do debate ocorrido na década de 1920 em torno do problema universitário. Esse debate fazia parte da grande movimentação intelectual e política que caracterizou o decênio. Os docentes mineiros acompanharam o inquérito dirigido por Fernando de Azevedo, em O Estado de São Paulo, sobre o ensino público, inclusive secundário e superior; e participou do movimento realizado pela Associação Brasileira de Educação (ABE) em favor das universidades pluralistas, autônomas e voltadas para o progresso científico. Partiu do Conselho Universitário da UMG a única resposta coletiva ao inquérito sobre o problema universitário, organizado pela ABE em 1928.

Mendes Pimentel exerceu importante papel pedagógico, por meio de seus discursos e da ação prática. Esta última exprimia-se, por exemplo, no movimento associativo e nas atividades que envolviam a totalidade dos corpos docente e discente. Insistia sempre em que a UMG devia ultrapassar o estágio de simples agregação de escolas. Para tanto, muito se esperaria da Cidade Universitária, já planejada. O ideal era a integração.

O percurso decorrente desses esforços truncou-se tragicamente com o conflito acontecido em 18 de novembro de 1930, quando se discutia a aplicação, ou não, do decreto da aprovação automática dos estudantes. Do episódio resultou a renúncia do reitor Mendes Pimentel.

A crise teve seus desdobramentos. Nos anos seguintes, nota-se a consolidação dos cursos profissionais, ao mesmo tempo que as unidades se enclausuraram. Apareciam, periodicamente, novas propostas de Cidade Universitária, até que, na década de 1940, as preferências fixam-se pelo campus localizado na Pampulha.

A criação da Faculdade de Filosofia de Minas Gerais, em 1939, mobilizando o melhor da elite intelectual de Belo Horizonte, foi um passo importante para suscitar vocações para a pesquisa e para que se tomasse consciência do espírito universitário. Só foi incorporada à UMG em 1946. Destaque-se, nessa casa de ensino, o desempenho do professor Artur Versiani Veloso.

A história da Universidade experimenta momentos relevantes de inflexão: a federalização em 1949 e a ampla reforma autônoma, na década de 1960, sob a liderança do reitor Aluísio Pimenta.

A Universidade manteve-se em ritmo de progresso. A fundação dos Institutos Centrais e o surto dos programas de pós-graduação foram fatores da expansão das pesquisas científicas. Estas, freqüentemente, voltam-se para o exame da realidade regional.

Pode-se dizer que a UFMG de hoje é inteiramente fiel às amplas finalidades definidas por Mendes Pimentel, em 1927. A palavra dele foi sempre recebida com esperançoso regozijo pela sociedade mineira.

Arquivo DPFO/UFMG
Vista aérea do campus Pampulha (1969)
Vista aérea do campus Pampulha (1969)
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