Revista Diversa

Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 11 - Maio de 2007

Sociedade

Extensão de si mesma

Com programas consolidados, UFMG reafirma seu compromisso com a sociedade

Poucas áreas expressam, com tanta precisão, a relevância de uma Universidade como a extensão. E basta um breve exame nos números ostentados pela UFMG para se ter a comprovação de seu alcance social. São 227 projetos e 56 programas em andamento, segundo dados da Pró-Reitoria de Extensão. E o mais importante: as iniciativas são cada vez mais interdisciplinares e envolvem diversos departamentos e Unidades Acadêmicas, além de uma gama de parceiros que alcança 150 instituições públicas e privadas.

O professor Edison Corrêa, que, durante oito anos (1998-2006), comandou a extensão universitária da UFMG, acredita que a área representa um poderoso trunfo na luta para melhorar as condições de vida num Estado como Minas Gerais, que se caracteriza por grandes desigualdades. “Por isso, tem sido tão valorizada pelos atuais governos na formulação de políticas públicas”, analisa Corrêa.

A atual pró-reitora, professora Ângela Dalben, lembra que a UFMG está presente em todos os municípios e isso se deve a um projeto de extensão, o Teste do Pezinho, realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), vinculado à Faculdade de Medicina.

A extensão é uma espécie de “prova de fogo” para o conhecimento produzido pela Universidade. “É na sociedade que a nossa produção é testada na prática, voltando reelaborada e muito mais rica para a sala de aula”, argumenta outra conhecedora dos meandros da área, Maria das Dores Nogueira, a Marizinha, pró-reitora adjunta entre 2002 e 2006. E acrescenta: “Uma pesquisa isolada da comunidade é estéril, sem sentido.”

Eber Faioli
Teste do Pezinho
Teste do Pezinho

Equiparação O peso que a Universidade confere à área de extensão equipara-se ao da pesquisa e do ensino. Prova disso é o valor das bolsas de extensão pagas pela Instituição, idêntico ao das bolsas de Iniciação Científica. Esses valores foram equiparados há quase nove anos. “Fomos a primeira universidade brasileira a tomar essa medida”, afirma o professor Edison Corrêa. Os projetos envolvem 345 bolsistas pagos com recursos da Universidade, fora aqueles que são remunerados pelos próprios projetos.

A evolução da extensão universitária brasileira tem o “dedo” da UFMG. A começar pela liderança que sempre exerceu no Fórum de Pró-Reitores de Extensão, que presidiu por vários mandatos. A Universidade também contribuiu para estruturar políticas junto ao MEC e realizou encontros de extensão universitária. Foi na UFMG que se gestou o Sistema Nacional de Registros de Atividades, o Siex-Brasil, que concentra dados de 33 universidades. Só a UFMG tem, hoje, mais de sete mil registros nesse Sistema.

Amadurecimento “A UFMG é uma instituição madura do ponto de vista acadêmico, pois consegue responder muito bem aos problemas que a sociedade apresenta”, comenta Ângela Dalben. E esse grau de maturidade foi alcançado graças à evolução da área de extensão, que é quase tão antiga quanto a própria Universidade. Os primeiros cursos e conferências de caráter extensionista surgiram em 1930. Dois anos depois, as atividades foram institucionalizadas pelo Conselho Universitário, que aprovou a oferta de cursos abertos ao público, com seis meses de duração, nas unidades de Odontologia, Farmácia, Medicina, Direito e Engenharia.

Começava aí uma história que está resumida nas próximas páginas.

Uma década dourada

Alguns dos projetos de extensão mais expressivos da UFMG – muitos em funcionamento até hoje – nasceram nos anos 1950. É o caso do Teatro Universitário (TU), cujas origens remontam à década anterior, mais precisamente a 1947. Foi nessa época que o Diretório Central dos Estudantes (DCE) começou a reivindicar recursos para um projeto denominado Teatro dos Estudantes. Em 1952, nascia a primeira peça, sob direção de Vincenzo Spinelli. A montagem, no entanto, não foi capaz de conciliar um conflito de idéias entre os criadores do TU e os estudantes. “Queríamos fazer um curso de teatro e não, um espetáculo”, relembra o professor aposentado da Faculdade de Medicina da UFMG, José Geraldo Dângelo, um dos idealizadores do TU.

A montagem de Spinelli não deixou saudades e parece ter atrapalhado a causa dos defensores do Teatro Universitário. “A peça era tão ruim que a Reitoria só voltou a falar de Teatro Universitário em 1956”, diz Dângelo, conhecido diretor de teatro em Belo Horizonte e idealizador do famoso Show Medicina. Somente em 1961, com a entrada em cena da diretora Haydeé Bittencourt, o projeto, finalmente, firmou-se como curso médio de formação de atores, com três anos de duração.

Na mesma época, em 1957, em outra área do conhecimento, nasceu o Curso Intensivo de Preparação de Mão-de-Obra Industrial (Cipmoi), criado pelo Diretório Acadêmico da Escola de Engenharia, com a proposta de capacitar mão-de-obra para atender ao boom da construção civil. Em 2007, o Cipmoi chega ao seu cinqüentenário, com mais três cursos gratuitos, de um ano de duração: Eletricidade de Baixa Tensão, Preparação para Encarregado Geral de Obras e Tecnologia de Soldagem.

Outro ícone da extensão da UFMG também surgiu nos inspirados anos 1950: o Coral Ars Nova, formado, em 1958, pela União Estadual dos Estudantes (UEE) e incorporado à UFMG quatro anos depois. Segundo o atual regente, Rafael Grimaldi, o Ars Nova teve uma importância central no cenário cultural de Belo Horizonte: “A cidade era bem menor e havia poucos corais”. Em sua trajetória, o Ars Nova tornou-se um dos corais brasileiros mais premiados, tendo, inclusive, sido o primeiro a ser laureado no exterior, em 1985.

A vez do Festival

A Coordenadoria de Extensão, primeiro organismo formal voltado para as atividades extensionistas na UFMG, surgiu apenas em 1967, para atender a uma reinvidicação dos profissionais que trabalhavam na área. “Faltava uma estrutura de coordenação que pudesse oferecer suporte aos projetos”, analisa o professor Fábio Moura, chefe de gabinete à época.

Naquele mesmo ano, nasceu uma atividade cultural que marcaria para sempre a extensão universitária brasileira: o Festival de Inverno da UFMG, – em parceria com a Fundação de Educação Artística e a Prefeitura de Ouro Preto –, que surgiu com a proposta de oferecer cursos livres nas áreas de artes plásticas e música durante as férias de julho, entremeados por espetáculos teatrais, concertos e exposições durante todo o mês.

Júlio Varella, que durante 26 anos, atuou na produção artística do Festival, recorda-se como se ocorrido ontem, a abertura da primeira edição do evento, em julho de 1967. “Foi um espetáculo chamado O escorial, com Jota Dângelo e Jonas Bloch, na escadaria da Igreja do Carmo”. A impressão inicial foi arrebatadora e, cinco anos mais tarde, o Festival já havia se firmado como um evento significativo no calendário cultural brasileiro. A proposta inicial ganhou em abrangência e, também, passou a englobar cursos e eventos ligados à literatura, ao teatro e ao cinema. Em 40 anos, o Festival passou por Ouro Preto, Poços de Caldas, Diamantina – onde vem sendo realizado nos últimos anos –, São João del-Rei e Belo Horizonte. Além disso, incubou vários grupos artísticos que, hoje, detêm projeção nacional, como o Corpo, o Galpão, o Giramundo e o Uakti.

Extensão e a ditadura Se, na UFMG, os últimos anos da década de 1960 ajudaram a institucionalizar a extensão e marcaram o surgimento de um evento cultural que teria grande repercussão nos anos seguintes, o contexto político nacional, dominado pelo regime militar, também produziria reflexos sobre a atividade extensionista. Em 1968, foi promulgada a Lei 5.540, que instituía a Reforma Universitária, fazendo referência à extensão, de forma desvinculada da organização departamental, mas ligada a ideais desenvolvimentistas nacionais.

Nessa perspectiva, destacaram-se o Projeto Rondon, do Ministério do Interior, e o Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (Crutac), do Ministério da Educação. Por meio das operações nacionais do Rondon, principalmente na Região Norte do país, os estudantes atuavam em comunidades carentes, num contexto que aproximava a Educação da segurança nacional.

No Crutac, o estudante universitário, em especial da área da Saúde, atuava nas comunidades rurais, segundo um espírito sintonizado com os propósitos do Governo de combate à pobreza. “Os estudantes e professores passavam três semanas em um local, criavam expectativas na população, mas, na prática não havia qualquer perspectiva de volta para dar continuidade ao trabalho. Enfim, a proposta não tinha sustentabilidade”, avalia Maria das Dores Nogueira Pimentel.

Como resposta às críticas ao caráter esporádico dos projetos, o Governo criaria, mais tarde, o Programa de Campi Avançados, com o objetivo de conferir um viés mais permanente às suas atividades. A UFMG chegou a montar um campus avançado em Barreiras, na Bahia, e realizou expedições ao Norte do país.

Uma via de mão dupla

A velha idéia de que só a Universidade leva conhecimento à sociedade começou a ser sepultada em 1975, quando nasceu o Plano de Trabalho de Extensão Universitária, a primeira política de extensão da universidade brasileira. O documento apresentava um conceito de extensão muito diferente do da legislação vigente: a área passava a ter a função de promover a troca entre o saber acadêmico e o não-acadêmico – este gerado na sociedade – e de integrar-se com ensino e pesquisa, resultando em ações articuladas.

Na década de 1980, a extensão passou a ocupar lugar central no debate sobre o papel social das universidades públicas. Em muitas delas, a área ganha status de próreitoria – a da UFMG, por exemplo, surgiu em 1986. Dessas discussões nasceu, em 1987, numa reunião em Ouro Preto, o Fórum de Pró-Reitores da Região Sudeste, sob coordenação do professor Geraldo Moreira Guedes, à época pró-reitor de Extensão da UFMG. Guedes também participou da criação da versão nordestina do órgão e do Fórum Nacional, em novembro de 1987, durante o primeiro Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão, realizado na Universidade de Brasília (UnB). “O Fórum criou um conceito de extensão como atividade acadêmico-científica, interligada ao ensino e à pesquisa. Estabelecer esse conceito é um divisor de águas para avaliar o que pode ser chamado de atividade extensionista”, explica Marizinha.

Além da idéia de atividade acadêmico-científica, a extensão também passou a incorporar, de forma mais sistemática, a noção de programa. Um dos melhores exemplos desse novo perfil é o Pólo Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, que, já em 1995, ano de seu nascimento, se estrutura como eixo articulador de projetos. O Lixo e Cidadania, por exemplo, um dos 80 projetos executados pelo programa, foi concebido a partir da demanda de 16 municípios, que buscaram na UFMG orientações para gerenciar seus resíduos sólidos. A iniciativa foi executada em duas frentes: qualificação de agentes comunitários e de qualificação de grupos locais de teatro para a mobilização.

Outro marco é o Plano Nacional de Extensão, em vigor há oito anos. Graças a ele, a extensão univesitária brasileira – inclusive a da UFMG – chegou à sua maioridade, testemunha o professor Edison Corrêa. “Nos últimos dez anos, a UFMG lançou-se a um esforço de sistematização da extensão, definindo áreas temáticas e linhas programáticas, que orientam os projetos já existentes e as novas inciativas”, conta.

Na metrópole, o laboratório da integração

Uma das primeiras tentativas articuladas de unir ensino-pesquisa-extensão ocorreu em 1974 com o chamado Projeto Metropolitano, em parceria da UFMG com a Superintendência Metropolitana de Belo Horizonte, que previa a prestação de serviços em 14 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Um dos principais eixos da iniciativa teve origem na Escola de Veterinária: a criação de cabras para fornecer leite e carne às famílias de baixa renda. A Prefeitura era responsável pela doação de cabras, e os alunos da UFMG davam assistência médica aos animais, além de ensinar as famílias a criá-los.

”Os alunos aprenderam muito sobre criação de caprinos, sociologia e atendimento à população”, recorda a professora aposentada da Escola de Veterinária Aurora Guimarães Gouveia. O projeto de criação dos caprinos durou até meados de 1980, quando foi encampado pela Prefeitura. Outras atividades que integravam o Projeto também tiveram o mesmo destino e algumas saíram da órbita da Universidade para a própria gestão da comunidade.

O Projeto Metropolitano pode ser considerado um piloto do que, hoje, é chamado de programa de extensão, ou seja, um conjunto de ações integradas, que articulam a extensão à pesquisa e ao ensino, reunindo equipes interdisciplinares. “Ele teve um papel pedagógico de ampliar a consciência sobre a extensão e suas possibilidades na UFMG”, avalia o sociólogo Otávio Dulci, professor aposentado da UFMG e primeiro coordenador do Projeto Metropolitano.

Leitura sobre rodas Outras iniciativas com ressonância na RMBH também surgiram na mesma época. É o caso do Carro-Biblioteca, cuja proposta é a de incentivar a leitura e garantir o acesso à informação a populações de baixa renda, que não dispõem de recursos para aquisição de livros ou para se locomoverem até bibliotecas públicas, localizadas na região central da cidade. Criado em 1973, mediante convênio com o Instituto Nacional do Livro (INL), o programa está completando 34 anos de atividade. Seu primeiro veículo foi uma kombi, substituída, em 1988, por um microônibus. Em 2006, o Carro entrou na era digital, pela adaptação de um ônibus para oferecer os serviços de uma biblioteca dotada de telecentro.

Também data dos anos 1970 o Internato em Saúde Coletiva – conhecido como Internato Rural – da Faculdade de Medicina. O projeto propunha que estudantes de medicina realizassem um internato de três meses em cidades do interior de Minas. O sucesso foi tamanho que o projeto deixou de ser uma atividade de extensão e acabou incorporado ao currículo do curso como disciplina obrigatória. O Internato Rural também foi o embrião do Projeto Manuelzão, que trabalha com a despoluição da Bacia do Rio das Velhas.

Atualmente, a Universidade caminha para a criação do Internato Rural Multidisciplinar, reunindo as faculdades de Medicina, Enfermagem e Odontologia. Projeto-piloto dessa proposta já está em funcionamento em quatro municípios do Norte mineiro e do Vale do Jequitinhonha.

Foca Lisboa
Crianças em sessão de leitura no interior do Carro Biblioteca da UFMG
Crianças em sessão de leitura no interior do Carro Biblioteca da UFMG
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