Revista Diversa

Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 5 - nº. 11 - Maio de 2007

Pesquisa

Eles desbravaram o mundo da ciência

Baeta Vianna, Marcos dos Mares Guia e Wilson Beraldo, entre outros pesquisadores, inauguraram a tradição científica da UFMG

Os números podem não dizer tudo, mas revelam muito: 8.600 estudantes de graduação e pós-graduação estão vinculados a 650 grupos de estudos da UFMG em mais de mil linhas de pesquisa e, anualmente, são concedidas 900 bolsas de Iniciação Científica para projetos, segundo dados da Pró- Reitoria de Pesquisa.

O mais recente levantamento realizado pela Universidade revela que a produção científica dos professores da Instituição quase dobrou em dez anos. O número de publicações – entre monografias, dissertações, teses, livros, artigos em jornais, revistas nacionais e internacionais, trabalhos completos em anais, traduções, resumos de congressos, ensaios e catálogos – saltou de 5.058, em 1995, para 9.796, em 2005.

A pesquisa na UFMG rendeu à Instituição a posição de segunda universidade brasileira em número de patentes. São 12 cartas-patentes internacionais e três nacionais, além de 201 pedidos encaminhados no Brasil e 48 no exterior. A Universidade também assinou 13 contratos de transferência tecnológica e possui 20 marcas registradas, de acordo com informações da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica, organismo que cuida da proteção científica na UFMG.

No entanto, há quem diga – e com razão – que os números são frios demais para demonstrar a magnitude da pesquisa nessa Universidade. Talvez seja melhor, nesse caso, valer-se dos frutos dela. Como não se impressionar com a imagem da primeira aeronave que voa sem tripulação desenvolvida no país? O projeto é resultado dos esforços de uma equipe de alunos e professores dos departamentos de Engenharia Mecânica, Engenharia Elétrica e Ciência da Computação da UFMG. O avião de quatro metros, que usa motor a gasolina de 100 cilindradas e com 11HP de potência, com circuitos, processadores e sistemas únicos, é capaz de voar sozinho. Por isso, foi batizado de UAV brasileiro (Unmanned Aerial Vehicle, ou seja, veículo aéreo não tripulado).

O vôo do UAV nacional é apenas um dos resultados alcançados pela rica história acumulada pela UFMG no campo da pesquisa ao longo dos seus 80 anos. Uma trajetória fundada pelos sonhos de pioneiros da ciência na Instituição. “Eles não foram apenas pessoas privilegiadas intelectualmente. Tinham também uma visão aguçada da importância da pesquisa para a Universidade e para o desenvolvimento do país”, analisa o Pró-Reitor de Pesquisa, Carlos Alberto Tavares.

Entre esses desbravadores, destacam- se os professores Baeta Viana, Wilson Teixeira Beraldo e Marcos dos Mares Guia, cujas sagas estão resumidas nas páginas seguintes.

Mestre Vianna e seus discípulos “mineirais”

Em 1928, quando a então UMG era uma instituição particular e subsidiada pelo Estado, o professor José Baeta Vianna, vivia atormentado pela idéia de levar os jovens para dentro de laboratórios. Ele havia acabado de chegar dos Estados Unidos, onde havia concluído dois estágios, e empolgado pela experiência, iniciou suas pesquisas.

Um de seus discípulos, o médico-nutrólogo e professor emérito do Instituto de Ciências Biológicas, Ênio Cardillo, lembra que a contribuição do professor Baeta Vianna para a ciência não pode ser medida por trabalhos publicados e pesquisas de repercussão mundial. “Pelo contrário, a contribuição científica do professor em termos de trabalhos publicados é muita pequena, mesmo porque a Faculdade de Medicina era particular e não havia dinheiro para investir em pesquisa”, destaca Cardillo. Por outro lado, acrescenta o discípulo, Baeta Vianna revolucionou o ensino da Medicina e foi fundamental para a qualificação profissional da bioquímica no Brasil. Numa época em que não havia pesquisa na Faculdade, ele montou um Laboratório de Pesquisas Clínicas, onde os alunos aprendiam a fazer dosagens diversas, e com isso, não só começaram a realizar investigações originais, como também passaram a dar suporte técnico ao Hospital das Clínicas na realização de exames. “Dessa forma, Baeta Vianna formou diversas gerações de bioquímicos e de clínicos que se espalharam pelo país”, orgulha-se o discípulo.

Ênio Cardillo se diverte ao recordar que daquele laboratório saiu uma linhagem tão depurada de profissionais que o grupo de jovens talentosos foi logo apelidado pelos colegas de outros estados de Química Mineiral. A princípio, os recursos para manter o laboratório saíam do bolso do próprio Baeta Vianna, que havia ganhado dinheiro com a descoberta do “iodobisman”. Na época, a sífilis já estava espalhada pelo mundo, mas ainda não havia tratamento para a doença. Foi aí que o professor associou as substâncias iodo e bismuto e o resultado da experiência foi usado na fabricação de medicamentos para auxiliar no tratamento da doença no Brasil.

Não satisfeito com a efervescência intelectual nascida no laboratório, ele criou uma biblioteca médica que, a exemplo de vários outros espaços dentro da universidade, leva o seu nome. Sempre descrito como um homem de extraordinária cultura, inteligência mordaz e grandes convicções, o professor não foi autor de uma obra só. Ele também deixou profundas marcas na assistência social, ao fundar e dirigir a Assistência aos Universitários, transformada mais tarde na Fundação Universitária Mendes Pimentel.

A segunda maior descoberta da ciência brasileira

Um dos mais brilhantes cientistas que saíram do laboratório de Química Mineiral de Baeta Vianna foi o Fisiologista Wilson Teixeira Beraldo. Ele é citado em milhares de artigos e estudos sobre a importância da descoberta da bradicinina para a ciência.

Formado em Medicina pela UFMG, o bioquímico Wilson Beraldo resolveu acompanhar os colegas e, logo, fez as malas para São Paulo, onde conheceu o cientista Maurício Rocha e Silva. Os dois começaram a estudar a liberação de histamina, substância comum em venenos de cobra.

Depois de vários testes, eles debruçaramse sobre um tipo apenas – a mistura do veneno de jararaca com sangue de cachorro – e o aplicaram, depois, no intestino de cobaias. Se os músculos se contraíssem, era porque havia histamina no sangue. A princípio, porém, nada aconteceu e eles repetiram os testes incansavelmente até que, em 1948, o então professor da Faculdade de Medicina da USP, Wilson Beraldo e um colega seu, Maurício Rocha e Silva, finalmente, comprovaram o resultado que esperavam há tanto tempo. Ao analisarem novamente o intestino embebido no sangue do cão contaminado pelo veneno da jararaca, constataram, pela primeira vez, que o músculo havia se contraído, o que indicava a presença de histamina. A dupla perseguia esse resultado porque a substância dilata os vasos sanguíneos, aumentando o fluxo de sangue e diminuindo a pressão arterial. Estavam, assim, diante da substância que seria usada na fabricação de medicamentos para controle da pressão arterial.

O primeiro relato da descoberta foi publicado, em 1949, na revista Ciência e Cultura. No ano seguinte, foi publicado um novo trabalho, mais completo, no American Journal of Physiology, que marcou o reconhecimento oficial da comunidade científica internacional. Mais tarde, uma substância que potencializava o efeito da bradicinina foi sintetizada por uma indústria farmacêutica norte-americana, que passou a vendê-la em comprimidos, o captopril, droga que, hoje, o Brasil importa. A Sociedade Brasileira de História da Medicina descreve a bradicinina como “a maior descoberta científica da escola de Baeta Vianna e a segunda, depois da de Chagas, da ciência brasileira”.

“Bomba” pacifista

Acervo Projeto República UFMG
Professor Francisco de Assis Magalhães Gomes
Professor Francisco de Assis Magalhães Gomes

Considerado o pai da física mineira, o professor Francisco Magalhães Gomes, formou-se em engenharia, numa época em a profissão do famoso cientista Albert Einstein ainda estava muito distante das universidades brasileiras. Em 1952, ele fundou o Instituto de Pesquisas Radioativas, na Escola de Engenharia da UFMG. “Nessa época, a pesquisa científica no Brasil era embrionária em quase todas as áreas” recorda-se o professor Márcio Quintão, que conviveu com Magalhães Gomes por mais de 40 anos.

Magalhães Gomes foi membro do Conselho Deliberativo do CNPq, criado em 1951, e sua atuação viabilizou a liberação de recursos que permitiram a instalação do IPR e a atração de jovens engenheiros, químicos e físicos interessados na pesquisa científica para o curso de Engenharia Nuclear, o primeiro do Brasil na área de pós-graduação.

O físico ficou conhecido como “Chiquinho Bomba Atômica”, apelido que incomodava seus amigos, entre eles o próprio Quintão. ”Foi uma invenção desastrada de alguns professores que não o apreciavam nem acreditavam que tivéssemos capacidade para dominar a energia nuclear. Na verdade, ele se orgulhava de ser o inimigo público número um da bomba atômica”, ressalta.

Outro amigo, o químico José Israel Vargas, ex-ministro da Ciência e Tecnologia, corrobora. “Ele era um pacifista que deve ser lembrado porque trouxe o atomismo para a cultura de Minas”, disse em entrevista ao Boletim da UFMG durante as comemorações do centenário de nascimento de Magalhães Gomes, em março de 2006. Israel Vargas também revela outra faceta desse Físico: o humanismo. “Era um homem extremamente culto. Recitava Dante e Dom Quixote, apreciava a literatura francesa e lia poetas alemães.”

Em 1958, começou a montagem do reator nuclear da Universidade Federal de Minas Gerais, o Triga. A tarefa foi executada por uma equipe de engenheiros formados na Escola de Engenharia, liderada por Jair Carlos Melo. Para cumprir sua missão, integrantes do grupo fizeram estágio na empresa norteamericana responsável pela construção do reator. “O Triga é o que chamamos de uma montagem subcrítica. Ele jamais se transformará numa bomba atômica, simplesmente porque não foi planejado para isso. Por isso mesmo é seguro. A utilidade desse reator é a de possibilitar o treinamento de pessoal, em primeiro lugar. Em segundo lugar, a produção de certos radioisótopos, que tem aplicação na medicina, como o iodo radioativo, usado, por exemplo, no diagnóstico de disfunções da tireóide”, esclarece Quintão. O Triga foi entregue em 1960.

A partir daí, a pesquisa nuclear avançou, na UFMG, até 1972, quando a ditadura militar cruzou o caminho de Magalhães Gomes. Na época, o Instituto de Pesquisas Radioativas da UFMG foi retirado da Universidade. “Foi um ato de puro autoritarismo. Os militares não entendiam nada de energia nuclear e muito menos a função que esse órgão desempenhava como agência de formação de pesquisa e recursos humanos”, ataca o professor Quintão. A decisão dissolveu o chamado Grupo do Tório, formado em torno das pesquisas em energia nuclear empreendidas pela UFMG. Fato que, até hoje, é lamentado pelo professor. “Se continuado, esse investimento poderia ter dado a autonomia de que o Brasil precisa na área.”

Economia com sotaque mineiro Há 42 anos, um grupo de pesquisadores, comandado pelo professor Fernando Roquete Reis, apresentou um diagnóstico da economia mineira – em cinco volumes – durante o primeiro Congresso Brasileiro de Desenvolvimento Regional, realizado no Grande Hotel de Araxá, na região do Alto Paranaíba. “Naquele Congresso, nasceu a idéia de se pensar o desenvolvimento regional a partir da Universidade, e os professores envolvidos na elaboração do diagnóstico começaram a preparar o projeto de criação do Cedeplar”, revela o ex-diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, professor Clélio Campolina.

Sob a liderança do próprio Roquete Reis e com participação do atual diretor do Cedeplar, José Alberto Magno de Carvalho e do economista Paulo Haddad, mais tarde, viria ser ministro da Fazenda, nascia, dois anos depois, o Instituto de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Ideplar), transformado depois em Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar). A intenção principal era a de abrigar um programa de pesquisa e ensino de pós-graduação em Economia em Minas Gerais.

No início, os estudos do Cedeplar foram exclusivamente voltados para a economia regional, mas em meados dos anos 70, o professor José Alberto Magno de Carvalho voltou da Inglaterra com doutorado em demografia e assumiu a diretoria do Centro. Assim, a demografia econômica, ou seja, o estudo das populações, foi transformada num programa de pós-graduação.

Aos poucos, o Cedeplar firmou-se como um grande Centro em economia regional e em demografia no país. Nos anos que se seguiram, o Cedeplar promoveu o desenvolvimento não só de pesquisas acadêmicas, mas também de importantes projetos institucionais. A maioria dos estudos feitos pelo grupo, aliás, sempre foi encomendada pelo setor público. Atualmente, há, pelo menos, dois programas de grande vulto desenvolvidos, na FACE, para o governo federal: um sobre planejamento territorial brasileiro e outro sobre as condições de implantação do programa Bolsa-Família no país.

A Biobrás é nossa

A história da Biobrás, a quarta maior fabricante de insulina sintética do mundo, confunde-se com a trajetória de um de seus fundadores: o falecido professor Marcos Luiz dos Mares Guia. Formado pela Escola de Medicina da UFMG, ele nunca exerceu a profissão de médico, porque sempre esteve mais interessado em bioquímica.

Em meados da década de 1960, Mares Guia conseguiu uma bolsa da Fundação Rockfeller para fazer doutorado nos Estados Unidos. A experiência no exterior ampliou sua visão sobre a relação entre pesquisa e indústria e, ao retornar ao Brasil, ele montou, juntamente com o professor Carlos Ribeiro Diniz, um laboratório na Escola de Medicina.

Juntos, os dois dariam um grande passo: a criação do mestrado em Bioquímica na UFMG, em 1968. Um salto que foi decisivo não só para formar alunos da Universidade, mas também para acelerar a concretização do projeto que, mais tarde, resultaria na fundação da Biobrás: a produção de enzimas no país. “Os alunos do professor Marcos Mares Guia estavam interessados em pesquisar a ação clínica de enzimas, enquanto os estudantes de Engenharia Química queriam saber apenas como produzir enzimas. Ele teve a brilhante idéia de criar o curso de mestrado em Bioquímica, voltado para os engenheiros químicos. A idéia era unir as duas visões, a médica e a de produção, num mesmo ambiente”, analisa o empresário mineiro Guilherme Emerich, um dos fundadores e principal executivo da Biobrás.

Ainda assim, ele lembra que os pesquisadores só conheciam a escala laboratorial. Por isso, não tinham qualquer prova de que o processo de produção industrial seria mesmo viável. Os pesquisadores do grupo foram enviados para acompanhar processos em larga escala em um instituto de pesquisas nos Estados Unidos.

Em 1971, foi estruturada a empresapiloto, mas a construção, financiada pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), só começou três anos depois. Em 1975, a Biobrás foi instalada em Montes Claros, no Norte de Minas, e, no ano seguinte, já produzia enzimas em escala industrial.

O viés empreendedor do projeto era dado por Guilherme Emerich e pelo atual ministro Walfrido Mares Guia, irmão de Marcos. Ambos vislumbraram, na Biobrás, o grande negócio que viria a se tornar e investiram em várias alternativas para reduzir os custos e transformar a empresa em uma multinacional. Uma delas constituiu na associação com uma companhia norte-americana, que, até então, abastecia o mercado nacional de insulina. Dessa parceria, surgiu a join-venture Biofar, que durou até 1983.

Acervo ICB/UFMG
Marcos dos Mares Guia (ao centro) defende tese de doutorado em enzimologia, na Tulane University of Louisiana (1964)
Marcos dos Mares Guia (ao centro) defende tese de doutorado em enzimologia, na Tulane University of Louisiana (1964)

Crise A Biobrás entrou de forma agressiva no mercado internacional e tinha potencial para dominar o setor, mas amargou uma crise inesperada: a falta de matéria-prima. ”Não tinha mais como comprar pâncreas, operação que precisava ser certificada pelo Ministério da Agricultura. Nós comprávamos de todos os frigoríficos disponíveis e não conseguíamos atender nem à metade da demanda. Cobríamos 15 países, mas nossas vendas eram pequenas, porque não tínhamos matéria-prima suficiente sequer para arranhar o mercado internacional”, admite Emerich.

A saída foi recorrer à produção de insulina sintética. Da onerosa coleta de pâncreas, a empresa passou a extrair a glândula e, mais tarde, em 1990, começou a produzir insulina sintética, viabilizada, entre outros fatores, por uma parceria firmada com a Universidade de Brasília.

Toda essa corrida pela insulina tinha um significado especial tanto para a pesquisa e a indústria farmacêutica, quanto, principalmente, para o tratamento de pacientes diabéticos. É que, nesses casos, todos os alimentos ingeridos são convertidos em glicose, necessária para abastecer o organismo. No entanto, para absorver esse açúcar, o organismo precisa de insulina, hormônio produzido pelo pâncreas. Os diabéticos produzem pouca ou nenhuma insulina e a conseqüência disso é que o açúcar fica acumulado no sangue, o que pode resultar em diversos transtornos à saúde.

A insulina extraída do pâncreas de bois e porcos, como os pesquisadores da Biobrás, inicialmente, faziam, podia provocar certas reações alérgicas. Já a sintética, por ser idêntica à humana, teoricamente não é rejeitada pelo organismo.

Em 2000, a Biobrás recebeu a primeira patente internacional de insulina, uma das quatro existentes no mundo e, dois anos depois, foi vendida para a dinamarquesa Novo Nordisk.

A grande família virtual

Grandes obras, descobertas e processos costumam surgir de atividades aparentemente despretensiosas. Isso foi o que ocorreu com o mecanismo de busca Família Miner, desenvolvido no departamento de Ciência da Computação, na segunda metade dos anos 1990.

O início não poderia ser mais prosaico. Ao perceber a dificuldade de um amigo para comprar um simples livro na Internet, o, então, mestrando Victor Ribeiro, teve a idéia de criar um mecanismo de busca para fazer consultas simultâneas em livrarias virtuais e apresentar aos usuários a fusão dos resultados obtidos.

“Começamos a testar esse projeto no laboratório do Departamento. No início, seu uso era muito restrito, mas percebíamos que havia potencial no sistema, que oferecia preços para comparar e permitia encontrar livros mais raros”, recorda-se o professor Nívio Ziviani, orientador e sócio de Victor Ribeiro na iniciativa.

Empolgados com os primeiros resultados, o professor e o aluno começaram a estudar a ampliação do mecanismo para várias outras aplicações, chegando ao CDMiner, que procurava discos cadastrados na web, e, também, ao NewsMiner, o primeiro sistema de busca de notícias na Internet. Em 1998, Victor Ribeiro defendeu sua dissertação de mestrado com base no conceito final da Família Miner. Entusiasmado com a qualidade do software que havia criado, resolveu divulgar o projeto para além dos muros da Universidade, enviando 34 e-mails para profissionais da área. “Foi uma explosão impressionante, rara mesmo de se ver. A cada 25 ou 30 dias dobrávamos o número de acessos”, recorda-se Nívio Ziviani.

Apesar do potencial demonstrado pelo projeto, a dupla não tinha visão empresarial para transformar a idéia em empreendimento. Recorreu, então, a um ex-colega de Ziviani, o professor Ivan Moura Campos, que, à época, era secretário de Estado de Ciência e Tecnologia. “Vocês precisam de um plano de negócios”, vaticinou Moura.

Um pouco perdidos, Ziviani e Ribeiro seguiram o conselho e procuraram um especialista no assunto. Depois de várias aulas sobre planos de negócio, nasceu a Miner Technology Group. A sede da empresa era o apartamento de Victor Ribeiro em Belo Horizonte, e a Família Miner “morava” num computador do laboratório do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG.

Ribeiro trabalhava numa grande empresa e mantinha o sistema no ar, monitorando o software por meio de um sistema de sinalização acionado por bip.

Novos sócios Quando a maratona entre o apartamento, o emprego e o laboratório ficou insustentável, Ribeiro demitiu-se, abriu mão de uma boa remuneração e passou a dedicar-se ao projeto, mantido, basicamente, com o salário do professor Ziviani. Eles, enfim, compreenderam o que faltava para fazer o negócio prosperar e admitiram como sócio alguém acostumado a investir em pesquisa universitária: Guilherme Emerich, um dos fundadores da Biobras. Ele, o próprio Ivan Moura Campos e outros sócios decidiram apostar no empreendimento.

Depois de muitos prêmios que agregaram prestígio à iniciativa, a Família Miner começou as negociações com o provedor UOL, o maior portal de conteúdo da América Latina e um dos destinatários dos 34 e-mails enviados por Ribeiro no início do projeto. Primeiro, foi feito um acordo para que a Família Miner funcionasse a partir dos servidores do UOL. O portal arcava com todos os custos e dividia, com eles, receitas de propaganda. A parceria durou até junho de 1999, quando a empresa foi vendida para o grupo Folha de S. Paulo.

Para Victor Ribeiro, que, hoje, é vicepresidente de Produção, Tecnologia e Estratégia da UOL, a constituição dessa Familia foi uma das experiências mais marcantes de sua vida pessoal e profissional. “Eu aprendi a arriscar, porque, naquele momento, entendi que o mínimo que levaria daquela experiência seria aprender a colocar um produto no mercado”, avalia o atual Executivo.

Mesmo depois da venda da Família Miner, o grupo original de pesquisadores envolvidos no projeto continuou coeso. Prova disso foi que, em 2000, a mesma equipe, aliada a novos profissionais, criou a empresa Akwan, que detinha a tecnologia de outra ferramenta de busca desenvolvida por seus profissionais, a TODOBR. Cinco anos depois, a Akwan foi comprada pelo gigante de buscas Google, que montou um centro de pesquisas em Belo Horizonte, utilizando a competência do grupo mineiro para operá-lo.

A viagem do autoconhecimento

No início dos anos 1990, quando começou a corrida pelo deciframento do genoma humano, a Unesco realizou uma conferência para se discutirem os riscos de apropriação desse conhecimento pelos países do Hemisfério Norte. “A idéia da elucidação do genoma era uma tarefa de autoconhecimento da humanidade em um patamar nunca antes suspeitado. Era o homem procurando sua essência biológica. Mas, da maneira como a pesquisa estava se desenvolvendo, concentrada nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França, havia o risco de aquilo ser patenteado e se tornar propriedade intelectual de algumas empresas ou países. Era a hora de começar uma negociação entre o Terceiro e o Primeiro mundos, para se democratizar a informação gerada pelo Projeto Genoma Humano”, relata o geneticista Sérgio Danilo Pena, uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB.

Dessa proposta, nasceu a 1ª Conferência Sul Norte do Genoma Humano, realizada em 1992, na cidade mineira de Caxambu, que reuniu mais de cem pesquisadores de diversos países. Segundo Pena, uma das constatações a que se chegou nesse encontro foi a de que não havia pesquisa relevante nessa área nos países do Terceiro Mundo. Entre os participantes, estava o renomado cientista e empresário americano Craig Venter, que desenvolveu metodologia simplificada para se estudar o genoma humano, complexa estrutura que codifica genes. “Só que, no caso do genoma humano, 97% dele é inerte, não codifica genes. O Venter descobriu exatamente uma maneira simplificada de estudar os 3% que representam a parte ativa do genoma. Essa metodologia nos permitia pensar em montar um projeto genoma aqui na América Latina”, explica o professor Sérgio Pena.

Schistosoma O passo seguinte seria o de definir o organismo para se começar a pesquisa, que poderia ser qualquer um, já que a metodologia usada para codificar o DNA é a mesma em humanos, animais ou plantas. A escolha recaiu sobre o Schistosoma mansoni, protozoário causador da esquistossomose. Para os pesquisadores mineiros, a escolha do Schistosoma era extremamente conveniente: a doença, endêmica em Minas Gerais, já era alvo de estudos em Belo Horizonte, um deles conduzido pelo pesquisador inglês Andrew Simpson, vinculado ao Instituto René Rachou (Fiocruz).

No mesmo ano, uma das alunas do professor Pena foi estudar no Instituto de Pesquisas de Craig Venter, nos Estados Unidos. Quando voltou, o primeiro seqüenciador de DNA da América Latina já funcionava no ICB. Ela trouxe as lições que aprendeu e a equipe começou a seqüenciar o código genético do Schistosoma mansoni, estudo que persiste até hoje, na forma do Projeto Genoma da Fapemig.

Mais tarde, o mesmo Andrew Simpson, participante da equipe que se debruçou sobre o Schistosoma, coordenaria o Projeto Genoma da Xylella, da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), responsável pelo seqüenciamento do DNA da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da doença do amarelinho, que devastou laranjais paulistas.

Diversa - Revista da Universidade Federal de Minas Gerais - Ano 6 - nº. 11 - maio de 2007