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Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 7, nº 13 - fevereiro de 2008

Artigo

Os desafios dos próximos 80 anos

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Ivan Domingues
Professor titular do departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG

A UFMG fez 80 anos. Houve então o momento de olhar para trás e celebrar os anos heróicos da fundação. Agora é o tempo de olhar para frente e perguntar pelos novos desafios nos próximos 80 anos e a Universidade que queremos. O maior dos desafios será manter-lhe o ethos, ameaçado pela pletora burocrática, pelo individualismo crescente e pela carreira-solo. Outro desafio será refundar a Universidade, introduzir os corretivos de rota e prepará-la para o futuro.

Coragem e imaginação política não poderão faltar aos órgãos superiores, quando tomarem as decisões e redesenharem os espaços institucionais, instados pelas solicitações das sociedades, pressões dos governos e exigências do saber. As melhores universidades do mundo provam que o caminho não é uma via de mão única, coexistindo as heranças imemoriais de uma estrutura monacal centrada nos colleges com as faculdades e os departamentos de épocas tardias, que as injunções políticas levaram a colocar no mesmo prédio a zoologia e a psicologia experimental, como na Universidade de Oxford.

Outras universidades já nasceram modernas, e se deram bem, como é o caso de algumas experiências norte-americanas, e outras, ainda, não hesitaram em romper os laços com o passado elitista, explodiram e se perderam, como é o caso da Sorbonne. Por isso, é essencial perguntarmos: que Universidade queremos? Qual é o limite ou o tamanho máximo que estamos dispostos a atingir? Com que meios e com qual rosto?

Sabemos que o centro de gravidade das universidades se transferiu da Europa para os Estados Unidos, e está atualmente se transferindo para a Ásia. Todavia, a Europa não está parada e os melhores centros já cuidam do futuro como se fosse ontem. Assim, Oxford, que tem a metade do alunado da UFMG, está investindo uma fábula em novas estruturas para as ciências humanas. Daí a importância das perguntas: que tipo, qual limite e com qual rosto? Lá como aqui, o que importa não é o tamanho, mas a relevância, valor crucial num mundo globalizado e no qual a universidade perdeu a exclusividade de centro gerador do conhecimento.

O Brasil não tem prêmio Nobel, é um país periférico, porém com um grande potencial e um complexo de universidades bastante recente. Costumamos argumentar com nossa herança dos portugueses, bem pior do que a outra parte da península, que de fato criou suas universidades nas Américas séculos antes. Isto é verdadeiro, porém uma meia-verdade, visto que o que não falta são universidades recentes, e elas estão por toda parte, como nos EUA, na Ásia e no Japão. Por isso, ao pensarmos a divulgação científica e as fronteiras do saber nos próximos 80 anos, não podemos perder essas coisas de vista.

O maior dos desafios, pensando no mundo de hoje, cada vez mais globalizado e, ao mesmo tempo, disposto a resistir e levar o narcisismo das pequenas diferenças às alturas, será cuidar da divulgação científica em nosso idioma e, ao mesmo tempo, em inglês. Acredito que uma boa estratégia será os veículos de divulgação da Universidade – dos sites dos departamentos às revistas e publicações especializadas – sem hesitação cuidarem do bilingüismo, reservando ao inglês o melhor de nossa produção, a exemplo do Scielo.

Uma distinção conceitual é necessária ao modelar qualquer política de divulgação do conhecimento: por um lado, a geração ou produção do conhecimento, assunto de especialistas, afeto à pesquisa e motivo de conversas com seus pares; por outro, a difusão do conhecimento, do conhecimento novo gerado e do antigo estocado, assunto de professores especializados, afeto ao ensino propriamente dito e motivo de conversas com os pares e o alunado. Outra distinção necessária é entre a difusão “intramuros”, com a qual estamos habituados e para a qual dispomos de competência instalada, e a difusão “extramuros”, para a qual não estamos preparados e contra a qual nos refugiamos em toda sorte de preconceitos.

Tais distinções são triviais e não levarão a grandes coisas no futuro – em termos tanto de política de divulgação quanto de política acadêmica mais abrangente – se não formos capazes de vencer o mal que elas carregam. Precisamente, o mal do pedantismo e da arrogância, cuja contraparte é o nosso indisfarçável preconceito contra a divulgação e os divulgadores, afastados das excelências da criação e da pesquisa e com as mentes contaminadas pelas facilidades da ignorância e pela pressa da comunicação fácil. Ora, no mundo globalizado em que vivemos e no qual a universidade perdeu a exclusividade na produção do saber, a batalha pela relevância jamais será vencida com preconceito; porém, não será fácil livrar-nos dele, tão arraigado está, como lembrou Einstein, que dizia que é mais fácil desintegrar o átomo do que um preconceito.

Outro desafio, ao pensarmos nos próximos 80 anos da UFMG, será criar um ambiente intelectual marcado pela solidariedade dos campos disciplinares, num tempo em que a biologia é a ciência-piloto e em que, com sua ascensão irresistível, abrirá mais e mais espaço para as disciplinas das ciências humanas. Desde então viveremos num ambiente intelectual caracterizado pela flexibilidade de atitudes e pela porosidade disciplinar, exigindo uma seleção menos massiva do que o vestibular atual (que deverá ser substituído por seleção por perfil) e forçando a inclusão de docentes mais cultos e receptivos ao novo.

É neste quadro, complexo e multifacetado, que se decidirá a divulgação científica do futuro. A tarefa de restabelecer o vínculo da universidade com a sociedade deverá estar no centro das atenções, num tempo em que o futuro da humanidade estará em jogo com a reengenharia do corpo humano e a urgência de criar um mundo habitável com uma população estratosférica e a proliferação do terceiro mundo dentro do primeiro mundo: o desafio será então preparar a sociedade, esclarecer os indivíduos e oferecer-lhes uma cultura laica à altura dos novos tempos. E o que é importante: em alternativa ao fundamentalismo religioso, com suas certezas e suas vantagens – para um assunto sabidamente de elaboração difícil e com respostas muitas vezes controversas e pouco convincentes – de proporcionar ao indivíduo a simplicidade do dogma e a facilidade de seguir às escuras a regra.

Na outra ponta da divulgação, projetos como o Ciência na Praça deverão receber todo o apoio como espaço de encontro entre a ciência e a sociedade. Simultaneamente, numa época em que as diversas retomadas do evolucionismo e a questão ambiental solicitam a maior das atenções dos governos, das sociedades e das universidades, espaços como o Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG deverão ser repensados e ter um novo desenho, sob pena de desaparecer na irrelevância. Por fim, espaços novos deverão ser priorizados, como os meios de divulgação eletrônica, de largo uso na rede e muitos já se impondo sobre as formas tradicionais.
Os próximos 80 anos estarão bem perto de nós e poderemos dar-lhes o melhor de cada um – de nós, hoje, e das gerações que virão.

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