Logomarca Diversa 12
Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 7, nº 13 - fevereiro de 2008

Educação

Ciência sem Mistério

educacao
Tiago Megale

DANIELA MERCIER e LÍGIA SOUZA

Tornar o conhecimento acessível – sem cair na simplificação – é o grande desafio dos profissionais que trabalham com divulgação científica

Dos benefícios do chocolate para a saúde até a explicação da origem da vida. Do funcionamento do corpo humano até a construção de semáforos para deficientes visuais. A ciência está presente na vida das pessoas, mas as práticas e procedimentos científicos ainda são um mistério para muita gente. Aproximar a sociedade do conhecimento produzido nos laboratórios e centros de pesquisa é o principal desafio da divulgação científica, que deve ir além da publicação de resultados: é preciso estimular uma cultura da ciência.

Segundo a professora Betânia Gonçalves Figueiredo, coordenadora do Grupo de Teoria e História da Ciência (Scientia) da UFMG, a divulgação científica atua em duas frentes. A primeira é a comunicação entre os próprios pesquisadores – o que acontece com as publicações acadêmicas, congressos e outros eventos da área. “Uma comunidade científica só é forte se conseguir levar os resultados dos estudos para os seus pares”, diz. A segunda, mais desafiadora, é divulgar a ciência para o público não-especializado.

Profissão do futuro

Para divulgar o conhecimento produzido nas universidades e centros de pesquisa, não basta tornar o conteúdo mais simples, trocando termos técnicos e especializados por uma linguagem mais fácil. Esse caminho é perigoso, porque a simplificação exagerada pode levar à banalização da ciência. Uma divulgação científica adequada é aquela que torna esse conhecimento especializado acessível às pessoas, sem perder de vista a complexidade dos conceitos e o contexto em que foram produzidos.

“Surge aí uma profissão que tem um futuro imenso, que é a do divulgador de ciência, um sujeito que terá a habilidade e a capacidade de transformar, num discurso razoável e inteligível para os leigos, a complexidade do conhecimento científico – sem pauperizá-lo”, afirma Betânia Figueiredo. Esse mediador pode ser tanto o profissional da comunicação, especializado em áreas como o jornalismo científico, como o próprio cientista.

Para a pesquisadora, as universidades públicas exercem papel fundamental nessa mediação e devem se tornar referência na divulgação científica. Primeiramente, porque canalizam a maior parte dos investimentos na área. “A sociedade financia a ciência. Por isso, os cientistas têm que estar preocupados em estabelecer um diálogo cada vez maior com a sociedade”, diz.

Sabor de chocolate

Para que a divulgação científica se incorpore verdadeiramente à vida da universidade, algumas tarefas são inadiáveis. Será preciso, por exemplo, integrar e fomentar programas de divulgação científica. É uma proposta que a UFMG vem tentando viabilizar com iniciativas como a criação, em 2006, do Centro de Difusão da Ciência (CDC), vinculado à Pró-Reitoria de Extensão. A diretora do CDC, Tânia Margarida Lima Costa, diz que o objetivo do centro é provocar um “movimento interno e externo de difusão. “É aproximar as pessoas que trabalham na própria instituição e que desenvolvem trabalhos interessantes e de impacto social, e, ao mesmo tempo, passar para a comunidade em que estamos inseridos a importância do trabalho que a Universidade faz”, explica.

Para Tânia Costa, o grande desafio desse trabalho está em tornar a informação científica divertida e atraente, sem perder o conteúdo. Uma das estratégias é aproveitar datas e comemorações para criar eventos para toda a comunidade. Foi assim com o projeto Química do Chocolate, realizado em março de 2007, na Praça da Liberdade. O evento reuniu pesquisadores de diversas áreas, como medicina, farmácia e nutrição, para esclarecer mitos, potencialidades e usos do chocolate. Os participantes receberam cartilhas. “Tentamos sempre descobrir o que é interessante para a população. As pessoas participam, se interessam e podem levar esse conhecimento para casa”, afirma a coordenadora.

A aproximação com professores e alunos da educação básica é outro foco do CDC. A mostra UFMG Jovem e Feira de Ciências do Ensino Básico atraiu, em outubro último, cerca de seis mil visitantes ao campus Pampulha. Com exposições interativas, oficinas e palestras, o evento apresentou trabalhos de alunos do Centro Pedagógico e do Colégio Técnico da UFMG (Coltec) e de escolas públicas de todo o Estado, relacionados a diversos temas da ciência.
A construção de um modelo de cidade ecologicamente sustentável foi o tema do projeto de um grupo de alunos do 1o ano do Coltec. Após oito meses de pesquisa e planejamento, eles construíram uma maquete feita com madeira e serragem. “A gente não fez a maquete aleatoriamente. Houve uma pesquisa sobre cada espaço, sobre energia, depósito de lixo... Acho que assim é melhor para aprender”, diz a estudante Suelen Menezes da Silva.

Diversão é solução

Explorar novas possibilidades no ensino da ciência é também o objetivo do professor Eduardo Valadares, coordenador do Laboratório de Divulgação Científica, do departamento de Física. O laboratório, que fica no Instituto de Ciências Exatas, recebe a visita de escolas públicas e privadas, além de promover exposições interativas e shows de ciências.

O professor trabalha há dez anos com divulgação científica. “Eu tive a idéia de propor aos alunos do curso de Física Noturno o desafio de conceberem experimentos simples e de baixo custo que contextualizassem a física no dia-a-dia”, conta. Nesses anos, já foram organizadas oficinas e exposições, além do lançamento de três livros: Física mais que divertida (Editora UFMG, 2002), Newton – a órbita da Terra em um copo d´água (Odysseus Editora, 2003) e Aerodescobertas – Explorando novas possibilidades (Fundação Ciência Jovem, 2006). O primeiro, que reúne experiências de baixo custo, foi publicado na Alemanha, Estados Unidos e Espanha, e será lançado em países da América Latina.

Todo o trabalho do professor explora o ensino lúdico da Física, aproximando o laboratório do dia-a-dia. Sua intenção é levar as práticas do cotidiano para o meio acadêmico. Mas como fazer isso? “É preciso conciliar coisas que aparentemente são contraditórias, tornar o complexo acessível e, ao mesmo tempo, perceber a complexidade do simples”, explica.

Dessa forma, o interesse pela ciência aumenta, e esta é, segundo ele, a principal função da divulgação científica. O professor afirma que há um declínio do interesse dos jovens pela ciência nos Estados Unidos, enquanto na China o próprio governo trabalha para estimular a vivência prática da ciência desde a infância. “Se não fizermos um esforço consistente, o Brasil vai cair ainda muitos degraus na economia mundial pela absoluta falta de pessoas qualificadas. Esse é um dos grandes desafios, e a Universidade não pode ficar alheia a essa situação.”

O professor de Química do Coltec Alfredo Luís Mateus também acredita que a divulgação científica é uma forma de aumentar o interesse da população pela ciência. “É bom porque mais pessoas vão se interessar, querer trabalhar mais nessa área e ter um contato maior com a ciência. E uma sociedade mais educada é geralmente mais aberta à inovação”, afirma.

O interesse de Alfredo Mateus pela divulgação científica vem desde a graduação, na USP, e foi reforçado no Coltec. A partir da busca de experimentos de baixo custo para escolas com poucos equipamentos, veio o livro Química na cabeça (Editora UFMG, 2001), que, na linha do Física mais que divertida, do professor Valadares, reúne experimentos em sua área de atuação.

Aprender a investigar

Além da transmissão do conhecimento científico para a sociedade, outro aspecto importante que deverá marcar o desenvolvimento da divulgação é a reflexão sobre o que é fazer ciência. Segundo Betânia Figueiredo, um erro comum é associar a ciência com a “produção de verdade”. “Os apelos da mídia são muito nesse sentido, o do ‘testado cientificamente’. A boa ciência jamais é inquestionável. Envolve discussão, análise, construção de modelos. Tudo dentro de certos parâmetros que, alterados, podem levar a conclusões diferenciadas”, afirma a pesquisadora.

Daí a importância de iniciativas capazes de oferecer a alunos e professores da educação básica a vivência da produção científica. Esse é o objetivo do projeto UFMG e escolas – educando para a ciência no ensino médio e fundamental, desenvolvido no departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB). A cada semestre, uma turma de alunos e professores de escolas de Belo Horizonte e do interior é levada para o laboratório da Universidade. “Propomos um tema e eles levantam perguntas e curiosidades que devolvemos para eles resolverem”, explica o coordenador, professor Paulo Sérgio Lacerda Beirão.

O trabalho é orientado por monitores e apresentado ao final do curso – que dura uma semana para alunos e duas para professores. Segundo Paulo Beirão, o objetivo não é oferecer respostas prontas, mas incentivar a investigação e o desenvolvimento de soluções criativas. “Eles aprendem que a atitude de propor uma pergunta e buscar formas para respondê-la é que faz o conhecimento avançar”, avalia.

O curso acontece desde 2003 e recebe cerca de 300 inscrições por edição. Ao final, alguns alunos são selecionados para estágio nos laboratórios da Unidade. De acordo com Paulo Beirão, o projeto pode ajudar a mudar a abordagem da ciência nas escolas, onde o excesso de conteúdo, muitas vezes, não possibilita atividades práticas. “No curso, muitos professores percebem o potencial dos alunos e ficam motivados a levar esse tipo de atitude para a sua sala de aula”, diz.

Espaços do saber

Se a divulgação científica pesquisa novas linguagens, constituir “lugares simbólicos” para essa prática será também uma iniciativa fundamental. As vantagens são muitas, desde favorecer a aprendizagem fora do ambiente escolar até oferecer uma alternativa de lazer para toda a família. Espaços de visitação, como os museus, possibilitam diversas atividades, entre elas as exposições. “A linguagem expográfica é muito eficiente para criar um diálogo com o público. A exposição desperta a curiosidade e induz as pessoas a formularem questões”, acredita Maria das Graças Ribeiro, coordenadora do Museu de Ciências Morfológicas (MCM), que completou dez anos em 2007. Localizado no ICB, o Museu é voltado para a difusão do conhecimento da estrutura e do funcionamento do organismo humano.

Além da exposição regular, que exibe peças representativas de células, tecidos, órgãos, embriões humanos, o MCM aposta em outras estratégias para a divulgação científica: publicação de boletim informativo, formação de professores, pesquisa e produção de material didático para o ensino de ciências. O Museu possui também um acervo especial para deficientes visuais, composto por 70 peças tridimensionais ou em relevo, esculpidas em materiais leves e de fácil manuseio e com legenda em braille. A iniciativa, inédita em todo o mundo, é organizada na exposição Célula ao alcance das mãos, uma das ações do Laboratório de Pesquisa e Educação Inclusiva, vinculado ao Museu.

O MCM é parte da Rede de Museus e Espaços de Ciências e Cultura da UFMG, criada em 2001 para integrar as iniciativas desse tipo de divulgação. Ao todo, são dez espaços voltados para as mais diversas áreas. O Museu de História Natural e Jardim Botânico, a Estação Ecológica e o Centro de Referência em Cartografia Histórica são alguns exemplos.

Este ano, a Universidade vai inaugurar um novo ambiente: o Espaço TIM-UFMG do Conhecimento, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura e com a TIM, operadora de telefonia celular. Situado na Praça da Liberdade, o prédio de quatro andares contará com um planetário de última geração – o único em Minas – e um conjunto de exposições temáticas que abordarão assuntos como o universo, a vida na Terra e o meio ambiente, com cenários interativos e muita tecnologia. “Será um espaço de visitação e interação”, explica a coordenadora do projeto, Isabela Pordeus, diretora adjunta de Relações Internancionais da Universidade.

Sem sensacionalismo

Assuntos científicos estão cada vez mais presentes nos grandes veículos de comunicação que, muitas vezes, dedicam bastante tempo e espaço aos “avanços da ciência”. Mas nem sempre essas informações chegam de forma adequada ao público. “Há um sensacionalismo enorme quando se diz que as células-tronco vão salvar a humanidade, o que a gente sabe que não é verdade”, exemplifica a professora do ICB Débora D’Avila Reis.

A busca por uma divulgação científica sem sensacionalismo foi uma das razões que fizeram a professora começar a trabalhar na área. Junto com a colega Adlane Villas Boas, também professora do ICB, ela produz desde 2005 o programa Na Onda da Vida, que vai ao ar na Rádio UFMG Educativa. Em 2006, as duas criaram outro programa, o Universidade das crianças.

Os dois programas têm cerca de dois minutos de duração, mas com propostas bem diferentes. Enquanto o Na onda da vida é voltado para um público jovem e adulto, com informações sobre pesquisas realizadas no ICB, o Universidade das crianças levanta perguntas entre alunos do Centro Pedagógico que são respondidas por especialistas da UFMG. Eles são dois dos dez programas produzidos pela UFMG Educativa (104,5 FM) que abordam diversas áreas do conhecimento, como Veterinária, Direito, Filosofia, Geografia e Letras.

O coordenador-executivo da Rádio, Elias Santos, explica a razão para esse número: a facilidade de produção do meio. “Não é preciso muita tecnologia, muito recurso, em comparação, por exemplo, com a produção de TV ou mesmo de um jornal impresso”, argumenta.

Os programas são produzidos pelos próprios professores ou por alunos que, em muitos casos, procuram a UFMG Educativa, vinculada à Diretoria de Divulgação e Comunicação Social (DDCS), em busca de um espaço para mostrar seu trabalho. As professoras Débora e Adlane foram as pioneiras, mas o interesse da primeira pela divulgação científica é bem anterior. “Começou há cerca de dez anos, quando fui pela primeira vez a um museu em Paris. Vi como eles passavam fenômenos complexos de uma forma muito simples”, conta Débora Reis.

A fascinação pelo trabalho com a linguagem levou à criação do Na onda da vida. Mas é exatamente esse o maior desafio dos professores que se envolvem nesse trabalho. “Eles têm que pensar em como adotar uma linguagem para atingir aquele público que não está acostumado com aulas, seminários e palestras”, comenta Elias.

Oferta de recursos estimula produção

As iniciativas desenvolvidas na UFMG representam um avanço na área de divulgação científica, mas, segundo a pesquisadora Betânia Figueiredo, do Scientia, a caminhada ainda é longa. Uma das dificuldades, diz ela, é a inexistência de um programa de pesquisa e ensino específico para a área. Isso faz com que muitos pesquisadores tenham uma “duplicidade de atuação”, já que não podem se dedicar totalmente às atividades de divulgação e precisam produzir também em sua área de conhecimento.

Ao mesmo tempo, a divulgação científica tem atraído outras formas de apoio e financiamento. “Há uma oferta de recursos jamais vista, com editais voltados para a divulgação da ciência. É uma grande novidade”, diz a pesquisadora, para quem a criação de comitê temático de divulgação no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 2004, é uma prova do crescente reconhecimento da área.

A UFMG tem aproveitado essa conjuntura favorável ao desenvolvimento da divulgação científica. Há um ano, a Diretoria de Divulgação e Comunicação Social (DDCS) abriga o Núcleo de Apoio à Divulgação Científica. Um de seus objetivos, segundo a coordenadora, Helena Amorim, é valer-se da estrutura técnica existente na rádio UFMG Educativa e na TV UFMG – ambas gerenciadas pela DDCS – para desenvolver projetos articulados com instâncias da Universidade que lidam com o tema. “Estamos, inclusive, participando de editais abertos por agências de fomento, como CNPq e Fapemig”, afirma Helena.

Entre os projetos que contam com recursos desses órgãos estão programas da rádio UFMG Educativa, que veiculam “pílulas” de ciência, e um DVD, em fase de produção, que conterá programas curtos de rádio e TV. O material será empregado como recurso didático em escolas públicas. Outro projeto da UFMG que poderá contar com financiamento de agência de fomento – no caso, o CNPq – é o Núcleo de Divulgação Científica do campus Saúde, cuja proposta de criação foi apresentada recentemente.

A Universidade enfrenta o desafio de tornar a divulgação científica uma missão institucional, integrando projetos consolidados e fomentando novas ações. “Existem projetos importantíssimos, que atraem grande número de alunos ou visitantes e que podem acabar se o professor os abandona, por exemplo. Por isso, a Universidade precisa assumir para si essas iniciativas, estabelecer um diálogo mais contínuo com esses pesquisadores”, afirma Betânia Figueiredo.

É o que se tem tentado com a criação da Rede de Museus e, mais recentemente, do Centro de Difusão da Ciência. “É nosso plano promover reuniões com cada departamento e saber o que tem sido feito na área”, afirma Tânia Lima, diretora do CDC.

Para Maria das Graças Ribeiro, coordenadora do Museu de Ciências Morfológicas, as diversas iniciativas existentes na UFMG já são suficientes para a conquista de credibilidade nessa área. Para o futuro, ela aposta no fortalecimento do diálogo com a sociedade. “Mais do que a divulgação científica, caminhamos para construir esse conhecimento junto com a sociedade”, diz.

SubirVoltar para o topo


Revista Diversa nº 13
Site produzido pelo Núcleo Web do Centro de Comunicação da UFMG