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Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 7, nº 13 - fevereiro de 2008

Tendência

O novo lugar da cultura

tendecia
Rachel Leão

ITAMAR RIGUEIRA JR.

Pluralismo e transformação darão o tom das produções artísticas na universidade

Há exatos dez anos, o professor Jacques Marcovitch, então pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP, afirmava, em artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, que as universidades “ainda buscam um modelo definitivo de política cultural”. Dizia que a graduação e a pós-graduação capacitavam indivíduos para o exercício de profissões, mas estavam “longe de fazê-los compreender o fenômeno estético ou sensibilizá-los para a percepção do que os fará cidadãos plenos: a cultura política”. Mais adiante, Marcovitch pregava um trabalho de profundidade para que as universidades passassem a formar não apenas especialistas, mas “agentes críticos dentro da comunidade”, o que só se daria com “o amadurecimento de sua compreensão da história e dos valores humanos”.

Hoje, ninguém duvida de que a cultura vem se aproximando do centro das agendas de boa parte das instituições mais sólidas. Há quem diga que ela reivindica e está perto de conquistar outro status – o de quarta dimensão (no mesmo nível do ensino, da pesquisa e da extensão) na estrutura da universidade. Não por acaso a possibilidade de criação da Pró-Reitoria de Cultura foi mencionada pelo reitor da UFMG, Ronaldo Tadêu Pena, em seu discurso de posse, em março de 2006. Essa tendência de valorização da cultura viria, em parte, da percepção cada vez mais forte de que esse é um aspecto que pode diferenciar uma universidade. “O traço cultural pode se transformar em um emblema da instituição”, afirma o professor Maurício Campomori, diretor de Ação Cultural da UFMG.

O professor Fabrício Fernandino, diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico, tem visão parecida. “Imagino uma pró-reitoria de assuntos culturais, não exatamente como outra dimensão, mas como elemento agregador e difusor, que estabeleça relações dentro da universidade e um diálogo fluente com a sociedade”, diz Fernandino, primeiro titular da DAC.

Já o diretor de Arte e Cultura da PUC Minas, José Marcio Barros, é mais cauteloso. “Penso que esta é mais uma aposta, um desejo e um projeto político de quem trabalha com cultura no ambiente acadêmico do que propriamente uma tendência natural.” Para ele, a cultura ainda é vista, com poucas exceções, como entretenimento e verniz para o acadêmico. “Há muito o que fazer, temos que recriar uma ‘cultura da cultura’, como nos anos 70, quando a universidade vivia uma efervescência política, criativa e transformadora”, afirma.

Dez anos depois de seu alerta, o professor Jacques Marcovitch observa que a preocupação com a cultura na universidade brasileira está restrita ao âmbito das instituições públicas, assim mesmo de forma insatisfatória. Embora as instituições privadas apresentem razoável evolução pedagógica, é flagrante o privilégio para a informação absorvida pelos estudantes na internet, sem discernimento crítico. “Na universidade pública o fenômeno estético move currículos e atividades nas ciências humanas, mas permanece um quase desinteresse pela cultura política, que abrange o entendimento da história e o culto de valores humanos. A cultura é um desenho inconcluso na pauta da academia”, sustenta. Marcovitch, que foi reitor da USP, diz que houve progressos no arcabouço institucional das universidades, mas que é necessário ampliar esforços para a formação integral de seus estudantes. “A cultura merece da universidade brasileira o mesmo tratamento que assegurou seus inegáveis avanços na produtividade científica e na especialização profissional dos alunos”, completa.

Vetor de mudança

Um dos papéis cruciais da cultura, para Fabrício Fernandino, “é humanizar o entendimento do homem com ele próprio, com a natureza e com a sociedade”. E a universidade seria o espaço ideal para essa atuação, uma vez que ela abriga todos os tipos de conhecimento, e a instituição alia a cultura ao desenvolvimento humano.

Há cerca de 20 anos, começou a prevalecer a noção de que a atividade cultural e artística completa a formação profissional, o que obrigou a universidade a pensar cultura e arte, nas suas vertentes erudita, popular e tecnológica. “Está se diluindo o tabu de que a universidade não se interessa pela produção artística, que não pode ser mensurada, ou seja, tem outros parâmetros de avaliação”, explica Rita Gusmão, professora da Escola de Belas-Artes da UFMG e diretora do Centro Cultural UFMG. Para ela, quando absorve a arte e a cultura, a universidade se moderniza, pois passa a compreender o ser humano de forma mais integral e a ter uma relação mais afetuosa com ele.

Essa mudança tende a se dar também por meio do surgimento de novos caminhos de formação superior, como a culinária – já transformada em curso superior pela Universidade de Brasília – e a economia cultural, que implica a modificação de noções como as de tempo e trabalho. Na opinião de Rita Gusmão, a UFMG está preparada para esse novo tempo, por sua característica de estar sempre à frente, produzir tecnologia. A transformação da relação da universidade com as áreas artísticas passa também pela integração dos parâmetros de análise da ciência com os da arte, que são a beleza, a estética e a sensibilidade. Ela chama a atenção para outros benefícios da abertura da universidade através da arte: “Quando se volta para cidadãos que não são professores ou estudantes, a universidade passa a ser um lugar aonde se pode vir para conhecer o mundo de forma mais prazerosa”, afirma Rita.

A arte e a cultura são vistas, então, como nova possibilidade de a comunidade entrar na universidade. É um canal de comunicação, de integração da academia com a sociedade. Mas não é só. Há quem veja no caráter desafiador da arte seu grande trunfo para influir no processo de transformação da universidade. “A arte desarticula o mundo tal como nos acostumamos para criar novos territórios e espaços”, afirma Carlos Antônio Leite Brandão, o Cacá Brandão, professor da Escola de Arquitetura da UFMG e diretor-presidente do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat). Ele acha que essa característica é feita sob medida para a era da explosão da transdisciplinaridade – a deformação, ou contágio, que um campo de conhecimento exerce sobre o outro.

E ele vai mais longe. Se a universidade foi pensada como local de excelência da competência técnica e científica, sobretudo nas áreas de medicina, direito e engenharia, campos como o da comunicação e o do cinema exigem outro tipo de transdisciplinaridade, o que ele chama de “conexão mais fina entre os saberes internos e externos à academia”. Para Cacá Brandão, não basta mais a antiga concepção de extensão, segundo a qual a universidade leva seu conhecimento para fora de seus muros. É preciso incorporar os conhecimentos gerados lá fora.

As trocas com o universo da arte e da cultura só têm a fazer bem à academia. “A universidade não foi feita para abrigar o mundo plástico, maleável da cultura. Sua organização é rígida. Por isso, o trabalho com a cultura faz com que ela providencie novas formas de organização, transforme-se a si mesma e se prepare para os desafios do século 21”, diz Brandão.

Abrigo da pluralidade

Está claro: a cultura que deve continuar ampliando seus domínios na universidade não é a erudita ou a acadêmica, aquela restrita aos iniciados. “Devemos partir da idéia de que cultura é o conjunto de características de um povo, o que dá identidade a uma nação, a uma civilização”, define Maurício Campomori.

A gestão de cultura que se faz na universidade não precisa, por sinal, ser muito diferente da que se espera de outros espaços ou instituições. Para Leonardo Guelman, professor do departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense (UFF), a cultura deve ser administrada a partir do pressuposto de que “a existência humana é plural”. Ele acredita que “a convivência em torno da cultura e da arte ajuda a perceber e compreender as diferenças, em lugar de subjugá-las”.

Guelman, que dirigiu o Centro de Artes UFF entre 2001 e 2006, gosta de falar de sua visão – “que alguns consideram apenas romântica” – do encontro que possibilita o estranhamento e a remoção de obstáculos. “Diferentemente do que muita gente pensa, cultura não é só teatro, cinema, TV. É uma dimensão de cada um de nós e, ao mesmo tempo, o espaço entre as pessoas. Ela nos ajuda a olhar a realidade como construção moldável e a perceber que nós fazemos parte dela”, teoriza o professor.

A gestão da cultura em instituições públicas, com a UFF e a UFMG, suscita uma questão – a da responsabilidade do Estado na preservação das identidades culturais – que deve ser tratada com muito zelo, ser bem discutida e entendida, de acordo com Maurício Campomori. Se, por um lado, não se pode centralizar demais, também não é admissível, segundo ele, deixar para o mercado o poder de selecionar o que será exibido, que é uma tendência contemporânea. “Se for assim, boa parte das formas de expressão vão desaparecer”, argumenta, ao defender que a universidade pública assuma papel de proa nesse debate. “Ela não pode andar a reboque da lógica e das forças de mercado, que são, sem dúvida, sedutoras”, reforça Campomori. É preciso, também nessa linha, recusar a idéia de que cultura é entretenimento. “A sociedade se satisfaz com o entretenimento no lugar da cultura, e esta é uma troca fácil, desavisada e alienante”, denuncia.

Para o professor Guelman, o desafio é conciliar coisas que o grande público quer ver – o filme e a peça estrelados por celebridades – com o que não tem química imediata. Mas ele ressalta que é preciso apostar e insistir, mesmo que muitas cadeiras fiquem vazias nos teatros e auditórios. “É preciso fortalecer as ações de formação de público”, defende.

Muito nem sempre é bom

É recomendável cuidado também para não cair na armadilha do excesso de eventos. Ou seja, o sujeito culto não é necessariamente aquele que tem um grande estoque de informações. Essa confusão é perigosa, diz Cacá Brandão, ao sustentar que a informação, em vez de ser apropriada, é apenas consumida, e por isso não se consegue construir o terreno da cultura como simbólico. “O sentido deve ser o de cultivar o espírito”, defende Brandão.

Ele também sugere a reflexão sobre algumas condições essenciais para que a informação cultural seja devidamente apropriada. A primeira delas é o tempo para “processá-la antropofagicamente, para articulá-la, para que as coisas se decantem”. E não se trata somente do tempo cronológico – ele se refere ao tempo vivido, o tempo da memória, da história.

A segunda condição é que a informação nova seja colocada em contato com os costumes. “É preciso processar para não ficar idiota com o mundo bombástico das informações novas”, diz. Por fim, voltando à questão da transdisciplinaridade, Brandão defende que a informação técnica, quando for o caso, seja contagiada pelos campos da poesia e das humanidades. “É algo que me fascina: a tradução de novas informações ou de outros campos para o nosso próprio. É preciso traduzir, compreender, articulando com nossa vida ou com nosso campo de conhecimento”, afirma o diretor do Ieat.

Uma receita que Cacá Brandão aplica à sua própria trajetória acadêmica e artística. Ele está ligado à história do grupo mineiro Galpão como dramaturgista – o termo refere-se à incorporação de elementos culturais diversos a textos de teatro – que adaptou clássicos como Romeu e Julieta, de Shakespeare, e O doente imaginário, de Molière. A história do bardo inglês foi transposta para o contexto popular, circense, e ganhou uma linguagem que combina o barroco mineiro do século 18 e Guimarães Rosa. Já o comediógrafo francês recebeu a visita de Machado de Assis numa deliciosa crítica à ciência médica de todas as épocas.

Democratização

É consenso que a diversidade é a chave da cultura. E abrir para a diversidade e o pluralismo implica estabelecer uma política que dê poder de decisão às mais diversas áreas dentro da instituição. Uma iniciativa recente que aponta para o futuro na UFMG é a instalação do Conselho Consultivo de Cultura, que abriga representantes das unidades, alunos e servidores, e delibera sobre as linhas-mestras da política, orientando o planejamento. Esta seria uma das formas de buscar a oferta de espaço para as mais diferentes manifestações de arte e cultura. E para democratizar ainda mais a abertura dos campi, a UFMG estuda a criação de um fundo de apoio que viabilizaria a realização de espetáculos propostos por pessoas da comunidade acadêmica que não disponham de recursos.

Se o Conselho Consultivo representa a ênfase em decisão política e planejamento, o Campus Avançado de Cultura de Tiradentes cria uma nova base de atuação cultural e científica. A iniciativa, pioneira na América Latina, é mais uma forma de aproximação com a sociedade. “O campus de Tiradentes materializa nossa crença na necessidade de criar condições estruturais para que a cultura seja elemento significante de nossa existência”, diz Maurício Campomori, ressaltando que a universidade precisa fomentar a cultura, não só como promotora de eventos – “embora estes devam ser trabalhados com dedicação e esmero”.

Essa é a linha de ação de Campomori à frente da Diretoria de Ação Cultural (DAC), que assumiu em março de 2006, quando se iniciou a gestão do reitor Ronaldo Pena. Dez anos antes havia sido criada a Assessoria de Ação Cultural, que em 2002 se tornou Diretoria, ainda vinculada à Pró-Reitoria de Extensão (Proex).

A idéia de que uma política cultural universitária não deve estar calcada na soma simples de eventos tem o apoio do diretor de Arte e Cultura da PUC Minas, José Márcio Barros. Para ele, importa, sim, “a presença de processos criativos, ressignificadores, reumanizadores no dia-a-dia, nos projetos pedagógicos”. Para além do evento que diverte, ou mesmo da análise acadêmica da cultura, ele defende “a oferta contínua, constante e gratuita da arte como contato, fruição, oportunidade de criação simbólica e artística”. Mas qual é, afinal, a cultura que deve circular na universidade? “É a cultura que perdura”, responde ele, citando o professor Teixeira Coelho, da USP.

Espaços privilegiados

A aproximação com a sociedade ocorre de diversas formas – os campi se abrem para o público de fora, grupos de cultura universitários se apresentam em outros espaços ou realizam diversos tipos de projetos de intercâmbio. Mas esse contato também se dá cada vez mais intensamente no âmbito de instituições de características muito singulares e que estão localizadas no meio da cidade, ou em áreas próximas. No caso da Universidade, isso acontece com o Conservatório UFMG, o Observatório Astronômico Frei Rosário, o Centro Cultural UFMG e o Museu de História Natural e Jardim Botânico. Ali integram-se ciência e cultura, para a concretização da idéia de que o futuro se fará da coexistência harmônica entre as duas instâncias.

“Através da ação cultural num espaço como o Museu, ciência e produção artística se relacionam de forma mais estreita”, confirma Fabrício Fernandino, diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico, onde mostras de história e arqueologia convivem com outras de pintura ou cinema. Uma das idéias motoras dessa política é a de que uma instituição como essa não pode ser forte apenas na seara da ciência. “Precisamos de uma interface mais afetiva com a comunidade”, completa Fernandino, que anuncia o projeto de dobrar o número de crianças visitantes do Museu – hoje são 70 mil por ano. Ele faz questão de lembrar, como uma das iniciativas que apontam para o futuro da cultura na UFMG, a recente criação da Rede de Museus. Atuando com uma ótica e uma linguagem únicas para a difusão do conhecimento, as instituições terão seus valores reforçados e se consolidarão como importante porta de entrada da comunidade.

Outro canal que vem se abrindo de forma consistente, aproveitando a localização mais que privilegiada, muito próximo à revitalizada Praça da Estação, em Belo Horizonte, é o Centro Cultural UFMG. O objetivo da gestão da professora Rita Gusmão é transformá-lo em uma espécie de campus avançado no chamado “centrão” de Belo Horizonte, girando em torno não apenas da arte, mas também da ciência e da filosofia. Ela quer tirar partido do acesso rápido e simples do grande público para oferecer bons espetáculos a preços acessíveis. Mas a professora vê como função do Centro Cultural também pensar – no sentido de propor – e realizar arte e cultura.

Não pára por aí. “Queremos divulgar a produção da Universidade, tornando o Centro Cultural referência para as pessoas interessadas no que a Instituição tem a oferecer. Vamos trazer para cá o debate de idéias e pesquisas que já se realiza na Pampulha”, planeja Rita Gusmão. Oficinas, exposições e espetáculos gratuitos, aliados a uma reforma que já está em curso, convidam as pessoas a conhecer e a usufruir do Centro. Visitas orientadas atraem crianças e professores que ainda não são freqüentadores. “Nossa intenção é mostrar a essas pessoas que elas cabem na Universidade, que são bem-vindas aqui”, afirma a diretora do Centro Cultural UFMG.

Tiradentes é cidade-laboratório

A criação do campus avançado de cultura da UFMG, em Tiradentes (MG), surge da utilização de quatro edifícios históricos pertencentes à Fundação Rodrigo Mello Franco de Andrade naquele município.

A Casa do Inconfidente Padre Toledo vai abrigar o Centro de Pesquisa em Novas Tecnologias de Imersão e Comunicação Digital, núcleo destinado a pesquisas sobre o barroco mineiro. Ele vai permitir, de forma inédita, recriar ambientes históricos que já foram demolidos e fazer análises de pinturas de que os meios tradicionais não dão conta.

O atual edifício do Centro de Estudos será transformado no Núcleo de Teleconferência e na Biblioteca de Referência em Barroco Mineiro. O prédio da antiga cadeia, por sua vez, será o Museu de Arte Sacra, que vai receber, entre outras, a coleção de Sant’Anas, da empresária e empreendedora cultural Ângela Gutierrez. Junto com a casa de Padre Toledo, ele funcionará como laboratório de campo para o curso de Especialização em Gestão do Patrimônio Histórico e Cultural, que será criado pela UFMG como parte da iniciativa do campus avançado. O objetivo é formar gestores, museólogos e arquivistas, entre outros profissionais, e ajudar a resolver um paradoxo, explica Maurício Campomori. “Não existe ainda curso nessa área no estado. Milhares de pessoas trabalham no setor sem formação específica”, comenta o diretor da DAC. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mais de 60% do patrimônio histórico material do Brasil está concentrado em Minas Gerais.

 Por fim, o prédio da antiga Casa de Câmara, ou Fórum, vai abrigar a primeira sala de cinema permanente de Tiradentes, cidade que, ironicamente, recebe um festival anual de cinema. A sala também sediará um núcleo de desenvolvimento audiovisual, que vai aproveitar a tradição de Tiradentes e a expertise da UFMG nessa área, tirando partido ainda da localização da cidade – a meia distância de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Com o apoio do governo do estado, o núcleo terá suas linhas de ação definidas pela Escola de Belas-Artes e pelo departamento de Comunicação da UFMG.

“Tiradentes não será campus avançado de uma única área, mas de uma instância em que todas interagem”, define Campomori. “Seria mais barato construir essa estrutura na Pampulha, ou mesmo, talvez, em outra área de Belo Horizonte. Mas nos interessa sair da Universidade, estar junto com a sociedade”, justifica.

A forma encontrada para marcar uma presença mais global da UFMG foi incluir no projeto do campus a ação social, através de serviços de psicologia, odontologia, enfermagem e medicina. Já está funcionando o sistema Telessaúde, por meio do qual residentes da Faculdade de Medicina fazem exames na cidade, transmitem os dados e imagens em formato digital e discutem o diagnóstico em teleconferências com os professores-orientadores no Hospital das Clínicas da UFMG.

Símbolos do passado e do futuro

A oferta contínua de oportunidades de contato com as mais diversas manifestações é uma das características marcantes de uma política consistente de cultura na universidade. Certo. Ora, então não sobra espaço para um grande evento, multicultural e com atrações concentradas e simultâneas? Errado.

O Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), abrigou, nos últimos cinco anos, quatro edições do Interculturalidades, descrito em seu “manifesto” como “ato político-cultural, forma ativa de mobilização em que o produtor cultural se faz um bricoleur”. Os encontros, com duração de uma ou duas semanas, reuniram grupos de rock e ciranda, índios e quilombolas, Ariano Suassuna e Humberto Maturana, entre formas de teatro, dança, música e artes visuais das mais diversas origens. “Nossa idéia sempre foi articular tradições e novidades num grande mosaico, mas admitindo os conflitos, sem querer formar consensos”, conta Leonardo Guelman, ex-diretor do Centro de Artes UFF e idealizador do Inter, maneira como o “acontecimento” passou a ser carinhosamente tratado.

Uma versão ampliada e já tradicional desse tipo de realização está completando 40 anos de enorme sucesso. Trata-se do Festival de Inverno da UFMG, forjado na aproximação entre a produção artística e a comunidade, e alimentado por ter surgido e tomado corpo numa fase de exclusões – a da ditadura militar. O Festival tem explorado nos últimos tempos o contraste entre o que há de mais contemporâneo na arte e o que é genuíno e rico numa cultura de resistência como a da região de Diamantina, sede do evento há sete anos.

Apesar das quatro décadas de idade, o Festival continua jovem. “Ele está sempre mudando, em todos os sentidos, por isso mantém-se como exemplo de aproximação entre povos e conhecimentos, de efervescência e tolerância”, testemunha o professor Fabrício Fernandino, que por vários anos esteve diretamente envolvido na produção do evento. Ele não esconde o entusiasmo ao dizer que o acontecimento cultural tem grande poder de atração, recebe gente do mundo inteiro e “transforma as pessoas e os processos criativos”.

O Festival de Inverno pode reivindicar o batismo de diversos artistas e grupos que mais tarde ganharam o mundo – como Uakti, Corpo e Galpão –, além da paternidade de uma série de outros festivais, de diferentes artes, em diferentes lugares. E, bem recentemente, a própria UFMG resolveu aproveitar a experiência e adaptar o conceito desse encontro de inverno para lançar seu Festival de Verão, cuja primeira edição aconteceu no carnaval de 2007, na Escola de Arquitetura.

Como a estação do ano é, digamos, oposta, a produção também muda de eixo no Festival de Verão para promover, além das letras e artes, todas as áreas de conhecimento atendidas pela Universidade, ampliando o conceito de cultura e intensificando sua interação com a educação. Quando se fala de cultura na universidade, os festivais multiestações da UFMG são símbolo, a um só tempo, do passado e do futuro.

Cidadania cultural: uma nova disciplina?

A universidade deve pôr a cultura no coração de sua prática didática e pedagógica, como já declarou o professor Teixeira Coelho, da USP. Dessa forma, de acordo com José Márcio Barros, da PUC Minas, ela promove “a unidade entre razão e sensibilidade, e cria oportunidade de construção de experiências coletivas sensíveis, fundamentais para a consolidação de uma cidadania moderna”.

Maurício Campomori, diretor de Ação Cultural da UFMG, traça um breve histórico sobre o tema. A primeira geração dos direitos, os individuais – políticos etc. – teve origem na primeira declaração de direitos do homem, criada pela Revolução Francesa, no final do século 18, e que influencia fortemente, até os dias de hoje, as democracias ocidentais. A segunda geração, a dos direitos econômicos, surgiu no final do século 19 e esses valores vigoram plenamente nos dias atuais – grande parte dos direitos gira em torno deles.

Na segunda metade do século 20, especialmente na década de 80, começou a tomar forma o chamado direito difuso ou da coletividade. E aí se encaixa perfeitamente a cultura. Campomori lembra que a universidade forma a cidadania política – transformando-se em foco de resistência quando esse gênero de direitos é ameaçado – e promove a cidadania econômica, na medida em que dá ao jovem condições de emancipação através da formação profissional de alto nível. Chegou o momento de ela garantir, segundo o diretor da DAC, “a autonomia e a emancipação que transcendam os direitos políticos e econômicos”.

Para Campomori, a UFMG caminha para a criação de um curso ou cadeira de cidadania cultural, que seria parte do currículo de todas as carreiras. “A dissociação entre técnicas e humanidades em áreas como a engenharia, por exemplo, é muito discutível”, afirma, ressaltando que a lentidão do processo de incorporação da cultura à vida universitária é compreensível. “A própria instituição é muito lenta, mas esta é uma qualidade que a impediu de mergulhar em aventuras”, analisa Maurício Campomori.

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Revista Diversa nº 13
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