100 anos da Semana de Arte Moderna: celebração ou reflexão? – Espaço do Conhecimento UFMG
 
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100 anos da Semana de Arte Moderna: celebração ou reflexão?

08 de março de 2o22

 

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É possível que você já tenha ouvido falar sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, principalmente nas aulas de português, história e artes, durante o ensino fundamental e médio. Mas o quanto e de quem você se lembra quando escuta sobre o assunto? Foi um movimento de artistas de todo o Brasil? Qual o motivo que levou essa semana ser considerada tão importante?

 

Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna, 1922, Di Cavalcanti. (Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural)

 

A Semana de Arte Moderna aconteceu em fevereiro de 1922, na cidade de São Paulo, 100 anos após a Independência do Brasil, 34 anos após a abolição da escravidão e 4 anos após o fim da Primeira Guerra Mundial. Nesse contexto, uma questão importante para os considerados intelectuais brasileiros era como o Brasil tinha se saído desses processos históricos, principalmente comparando o país com os Estados Unidos da América, que saíram da Primeira Guerra Mundial como uma grande potência. Além disso, as questões sociais, principalmente a abolição da escravidão, recebiam pouco destaque nos trabalhos artísticos. Assim, a Semana de Arte Moderna se apoiava no pensamento nacionalista e na busca de uma identidade para o Brasil, além da procura por uma produção artística mais liberta, que rompesse com uma estética das academias de Belas Artes e das ideias parnasianistas. As ideias parnasianistas tratavam da arte pela arte, privilegiavam a busca pela perfeição e demonstravam pouca preocupação com os sentimentos humanos e os contextos sociais. 

 

A Semana de Arte Moderna teve muitos envolvidos, como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac (Inácio da Costa Ferreira), Zina Aita, Mário de Andrade, Martins Ribeiro, Oswaldo Goeldi, Regina Graz, Oswald de Andrade, entre outros artistas e intelectuais majoritariamente paulistas.  O evento se tornou um dos marcos da cena cultural brasileira anos depois do seu acontecimento. Apesar de o evento ter sido pensado para acontecer durante uma semana completa, de 11 a 18 de fevereiro, na verdade a Semana de Arte Moderna só esteve aberta ao público durante os dias 13, 15 e 17, respectivamente segunda, quarta e sexta, de fevereiro de 1922, com programação temática que passava pelas artes visuais, literatura e música. Vale ressaltar, que os trabalhos expostos na Semana não tiveram uma recepção positiva pelos intelectuais conservadores de São Paulo, pelo fato de romperem com as tradições artísticas do período. Porém, essas reações, bem como as notícias sobre a Semana, ocorreram majoritariamente em São Paulo, não ocorrendo grande repercussão a nível nacional. 

 

É possível observar nas obras da Anita Malfatti, umas das precursoras do modernismo no Brasil, as mudanças na maneira de produção artística. Essas transformações acontecem principalmente durante 1915 e 1916, quando Anita estuda com professores americanos na Independent School of Art, que a influenciam com a estética modernista vigente na Europa e nos Estados Unidos da América. Por exemplo, se compararmos as pinturas “Georgina”, de 1914, e “A mulher de cabelos verdes”, de 1915, podemos perceber uma maior soltura nos traços na segunda pintura, um descompromisso com a realidade, enquanto na primeira, é mais notável um tratamento próximo das academias de Belas Artes na imagem, ou seja, com traços e volumes mais definidos e mais próximos da realidade.

 

Georgina, 1914, Anita Malfatti. (Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural)

 

A mulher de cabelos verdes, 1915, Anita Malfatti. (Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural)

 

Outro ponto interessante é a obra da artista Tarsila do Amaral. Suas obras geométricas, arredondadas e cheias de cores saturadas estão gravadas na cabeça de muitos brasileiros. Sabe a obra Abaporu? É dela! Tarsila é de fato uma das artistas mais importantes para a construção do Modernismo no Brasil, mas muitas vezes a associamos diretamente à Semana de Arte Moderna quando, na verdade, ela não estava lá com seu trabalho. Na data, a artista se encontrava em Paris. Inclusive, a obra Abaporu foi criada apenas em 1928. Tarsila se aproxima de Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia após a Semana de 22, a convite de Anita Malfatti, e a reunião desses artistas modernistas passa a ser conhecida como Grupo dos Cinco.

 

 Abaporu, 1928, Tarsila do Amaral. (Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural)

 

Apesar da celebração da Semana de Arte Moderna como um marco da arte no Brasil, é preciso olhá-la de forma também crítica. Pois, toda a ideia que temos em volta da Semana aconteceu principalmente por conta de uma construção posterior sobre o evento, a partir dos escritos de Lourival Gomes Machado no livro “Retrato Da Arte Moderna Do Brasil”, de 1946, que foi replicado, reconstruído e chegou ao que se é comumente falado hoje. Em resumo, a Semana não foi um grande sucesso na época, mas o modo como foi retratada posteriormente garantiu seu lugar dentro da história do Brasil.

 

Talvez o mais importante quando se pensa no assunto é considerar que esse evento não deu e não dá conta de quem somos enquanto Brasil e da complexidade e diversidade dos olhares sobre o país. A investida daqueles artistas foi interessante do ponto de vista formal, mas insuficiente no que se propôs, principalmente quanto à construção de uma identidade nacional nas artes. A Semana de Arte Moderna foi elaborada por uma elite branca, em São Paulo, que teve a oportunidade de estudar arte dentro e fora do Brasil, influenciados por ideais que vieram também de fora, principalmente da Europa. Como menciona Cardoso (2022), o próprio Mário de Andrade, que foi uma importante figura da Semana, criticou esse movimento em 1942 na conferência “O movimento modernista” , dizendo que os artistas da Semana não captaram de fato o que acontecia no Brasil e fez pouco para mudá-lo na sua estrutura. Reforçou, inclusive, que os artistas da Semana não devem servir de exemplo, mas de lição. 

 

Atualmente, os campos artísticos buscam incorporar as pautas raciais, LGBTQIA+, de mulheres, indígenas e outros grupos minoritários em suas produções, a partir do ponto de vista dessas pessoas, e não pelo olhar do outro, que foi o que prevaleceu na Semana de Arte Moderna. Nesse sentido, a presença dessas pessoas, discussões e pautas na produção artística expande nossa representação nas artes, tornando-as mais fiéis à grande mistura de gente que é o Brasil, sejam os trabalhos dessas pessoas relacionados à identidade de forma direta ou não. Mais do que celebrar a Semana de Arte Moderna, é importante entendê-la como de fato foi e se aproximar do que vem sendo produzido hoje nas diversas artes, não só as visuais, mas também a dança, a música, no centro e na periferia. Afinal, a história é feita no agora. Artistas contemporâneos como Rosana Paulino, Priscila Resende, Sérgio Adriano, Rosa Luz, Ventura Profana, Uýra Sodoma, Denilson Baniwa, Isael Maxakali, Sallisa Rosa, Daiely Gonçalves e Yan Nicolas São Thiago são apenas alguns dos que merecem nossa atenção.

 

Para se aprofundar no assunto, indicamos as referências abaixo e também a programação do Festival de Verão da UFMG que aconteceu em fevereiro de 2022, com conversas sobre o centenário da Semana de Arte Moderna, os seus desdobramentos e ausências. 

 

[Texto de autoria de Abraão Veloso Machado, aluno do curso de Artes Visuais  e estagiário do Núcleo de Ações Educativas do Espaço do Conhecimento UFMG]

 

 

Para saber mais:

Referências

ALAMBERT, Francisco. A reinvenção da Semana (1932-1942). REVISTA USP, São Paulo, n.º 94, p. 107-118. Disponível em:< https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/45182 >. Acesso em 16 de fevereiro de 2022. 

 

Anita Malfatti. Enciclopédia Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8938/anita-malfatti>, Acesso em  16 de fevereiro de 2022. 

 

CARDOSO, Rafael. Modernidade em preto e branco: Arte e imagem, raça e identidade no Brasil, 1890-1945. 1ª edição. Companhia das Letras, 2022.

 

GREGÓRIO, Giovana. A Semana de Arte Moderna de 22: uma mirada 100 anos depois. Disponível em: <https://blog.artsoul.com.br/a-semana-de-arte-moderna-de-22-uma-mirada-100-anos-depois/>. Acesso em 16 de fevereiro de 2022.

 

LACERDA, Nara. Canal Brasil de Fato. Afrontosa ou aristocrática? BdF explica a Semana de Arte Moderna de 1922.  Youtube, 14 de fev. de 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-sQ2KIS4H2Y>. Acesso em 16 de fevereiro de 2022.

 

Podcast Café da Manhã. Os mitos sobre a Semana de 1922, cem anos depois. Disponível em: <https://open.spotify.com/episode/5Mv6yPvM2DxtuHBj5KkMgI?si=MRhk4hgeRFWWn-ICE90CHA>. Acesso em 23 de fevereiro de 2022. 

 

PICHONELLI, Matheus; DIAS, Tiago. Que semana foi essa?. Disponível em: <https://tab.uol.com.br/edicao/centenario-da-semana-de-22/#cover>. Acesso em 23 de fevereiro de 2022. 

 

Semana de Arte Moderna. Enciclopédia Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <https://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento84382/semana-de-arte-moderna>. Acesso em 16 de fevereiro de 2022.

 

Tarsila do Amaral, a musa do modernismo brasileiro. Capiblog – Editora Capivara. Disponível em: <https://editoracapivara.com.br/tarsila-do-amaral-modernismo-brasileiro/>. Acesso em 16 de fevereiro de 2022. 

 

Vivieuvi. O que foi a Semana de 22, com Rodrigo Retka #VIVIEUVI. Youtube, 14 de fev. de 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7PcocN84J6w>. Acesso em 16 de fevereiro de 2022.