100 anos do debate que mudou a visão da humanidade sobre o universo – Espaço do Conhecimento UFMG
 
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100 anos do debate que mudou a visão da humanidade sobre o universo

 

Sabemos que o nosso sistema solar está localizado dentro de uma galáxia, a Via Láctea, que abriga outras 200 bilhões de estrelas, mas bem distante do seu centro. Também já comprovamos que a Via Láctea é apenas uma entre centenas de bilhões de galáxias que compõem o universo. Todo esse conhecimento sobre o tamanho de nossa galáxia e a existência de outros objetos astronômicos semelhantes é relativamente recente, tendo sido consolidado apenas no século XX. 

 

Galáxia de Andromeda

 

Há 100 anos, a comunidade científica definia o universo como a Via Láctea, com o Sol localizado em seu centro. A maioria dos especialistas insistia que as manchas difusas de luz observadas no céu, conhecidas na época como nebulosas espirais, faziam parte da Via Láctea. Porém, a ideia de que essas nebulosas eram, na verdade, outras galáxias que estavam muito distantes já era defendida por alguns astrônomos, desde a metade do século XIX, e começou a ganhar força a partir de novos estudos desses objetos. Assim, o cenário para um grande debate científico sobre essas diferentes visões estava posto.

 

O debate entre Shapley e Curtis em 1920

Essa é uma história pouco conhecida que esteve no centro de uma grande mudança na visão da humanidade sobre nosso lugar no universo. Em 1920, Harlow Shapley era um jovem astrônomo ambicioso, enquanto Heber D. Curtis era um pouco mais velho, mais estabelecido e muito bem respeitado. Ambos representavam os diferentes pontos de vista que muitos astrônomos possuíam sobre o cosmos e cada um contribuía com pesquisas relevantes para suas respectivas opiniões.

 

Os dois pesquisadores foram convidados para um debate sobre a escala e a composição do universo, realizado como um evento público durante a reunião da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos naquele ano. O evento, apesar de ser conhecido historicamente como o Grande Debate, na verdade, não foi um debate em si. Cada cientista fez uma apresentação de 40 minutos, defendendo seus pontos de vista, e teve a oportunidade de refutar os argumentos do outro, frente a uma plateia de acadêmicos, membros do público e, segundo a história, Albert Einstein.

 

Harlow Shapley e Albert Einstein. Crédito: Emilio Segre Visual Archives / American Institute of Physics / Science Photo Library

 

Em seus estudos, Shapley usou um tipo de estrela que varia periodicamente seu brilho, chamada Cefeida, para medir distâncias na Via Láctea. A partir dessas observações, ele estimou que o diâmetro da nossa galáxia era 10 vezes maior do que se supunha na época. Assim, o astrônomo acreditava que, por ser tão grande, a Via Láctea consistia essencialmente no universo inteiro e, dessa forma, as nebulosas em espiral não poderiam ser outras galáxias, seriam apenas nuvens de gás próximas. Baseado na mesma análise, Shapley também afirmou que o Sol estava longe do centro da galáxia.

 

Curtis, por sua vez, representava muitos astrônomos que, há mais de 100 anos, defendiam que as nebulosas em espiral eram galáxias como a nossa e que o universo era composto por muitas delas. Mas, com relação ao tamanho da Via Láctea e a posição do Sol, o cientista tinha uma visão mais tradicional, acreditando que o nosso sistema solar estava perto do centro de nossa galáxia e que esta era relativamente pequena, muito menor que a estimativa de Shapley. Curtis não concordava com o método de usar as estrelas Cefeidas para medir distâncias, utilizado por Shapley em seus estudos.

 

Heber D. Curtis

 

E quem ganhou o debate? Na época não havia informações suficientes para favorecer uma ideia ou outra. A resolução científica completa de todas as questões envolvidas no debate ocorreu lentamente nas duas décadas seguintes. E o resultado foi surpreendente.

 

A descoberta de Hubble

Usando o Hooker, o maior telescópio do mundo na época, o astrônomo Edwin Hubble identificou estrelas Cefeidas na nebulosa de Andrômeda. A partir da mesma técnica aplicada por Shapley para medir o tamanho da Via Láctea, Hubble mostrou que a distância até a nebulosa era maior do que a extensão da nossa galáxia proposta por ele. Portanto, esse objeto realmente estaria fora da Via Láctea e, na verdade, seria uma galáxia muito parecida com a nossa, o que corroborou a ideia sobre a existência de outras galáxias proposta por Curtis, mudando para sempre nosso entendimento da escala do universo

 

Edwin Hubble no controle do Telescópio Hooker (aproximadamente 1922)

 

Novas conclusões em 1930

A partir dessa descoberta, podemos pensar que Shapley havia sido derrotado. Na década de 1930, entretanto, novos estudos comprovaram que o tamanho da Via Láctea havia realmente sido subestimado até então e que o Sol não estaria perto do centro da nossa galáxia. Dessa forma, Shapley estava mais correto sobre o tamanho da nossa galáxia e a localização do Sol, mas Curtis mostrou-se certo ao dizer que nosso universo é composto por muitas outras galáxias e que as nebulosas espirais são de fato galáxias como a nossa.

 

Olhando em retrospectiva, podemos dizer que o Grande Debate não teve um vencedor. Nem Curtis nem Shapley estavam inteiramente certos ou errados e ambos apresentaram ideias que representavam grandes avanços. Na verdade, os eventos que ocorreram desde a virada do século até a década de 1930 foram muito além de um debate. Eles representaram o momento em que a humanidade descobriu a vastidão do universo e o nosso lugar nele. 

 

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[Texto de autoria de Nathalia Fonseca, assessora do Núcleo de Astronomia]