Kimbo – Moçambique (Ualalapi) – Espaço do Conhecimento UFMG
 
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Kimbo – Moçambique

Ualalapi

21 de novembro de 2022

 

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Você sabia que o idioma português é falado em mais oito países além do Brasil? São eles Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Timor Leste. E, ainda, sabia que há literatura africana em português? 

 

O Brasil tem uma relação relativamente estreita com a África, pois além da nossa própria literatura ter influências africanas, devido às contribuições dos descendentes dos povos africanos na cultura brasileira, também conseguimos inspirar nossos irmãos africanos com nossos autores e movimentos literários.

 

Um desses países com produção de arte escrita em português é Moçambique. O país fica no sudeste do continente africano, passou quase quatro séculos sob dominação colonial portuguesa, até que por meio dos movimentos libertários conquistaram a independência em 1975.

 

Porém, antes de virar colônia portuguesa no século XIX, Moçambique era conhecida como Império de Gaza (esse nome não tem relação com a Faixa de Gaza) e seu último imperador foi o “Leão de Gaza” – Ngungunhane, que também é conhecido Gungunhana. A história da ascensão e derrocada de Ngungunhane é narrada no livro Ualalapi, do premiado escritor Ungulani Ba Ka Khosa.

 

Ungulani Ba Ka Khosa – Divulgação da Editora Kapulana 

 

Ba Ka Khosa é escritor, nasceu em 1º de agosto de 1957, em uma pequena província chamada Sofala, em Moçambique. O escritor terminou os estudos no mesmo país e  se formou em direito e ensino da história e geografia. Após a formatura lançou a sua primeira  obra. Atualmente, é diretor no Instituto Nacional dos Livros e dos Discos, e secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos, além de ser   professor do ensino médio em Moçambique. 

 

Em 1990, o escritor ganhou o Grande Prêmio de Ficção Narrativa Moçambicana com o livro “Ualalapi”, lançado em 1987 e em 2002. A publicação foi considerada um dos melhores 100 romances africanos do século XX. Ungulani Ba Ka Khosa também escreveu “As Mulheres do Imperador” quase duas décadas depois. O livro revisita a história de Ngungunhane, porém, pela ótica de suas esposas.

 

Agora vamos à obra “Ualalapi” em si: vai parecer esquisito… mas, o livro começa pelo fim, não exatamente com um grande ‘spoiler’ sobre o enredo, mas pelo fim de um reinado. O primeiro capítulo se chama “Fragmentos do Fim” e encontraremos vários outros fragmentos pelo livro, intercalados com histórias das pessoas importantes para o Imperador, e esses pequenos pedaços mostram um pouco do futuro derrotado de Ngungunhane. 

 

        Créditos: Editora Alcance                                      Créditos: Editora Kapulana

 

Em um formato ligeiramente diferente, o livro é composto por vários capítulos curtos, sem necessariamente uma relação de continuidade entre si. Isso acontece porque já sabemos o final, assim não temos um personagem principal e nem narrador único. Em cada capítulo somos levados a uma narrativa alternada sobre os cidadãos do Império de Gaza e as investidas portuguesas no território.

 

A maneira como o autor escreve muitas vezes lembra uma conversa. Sabe quando estamos empolgados, contando uma história e fazemos pequenas interferências para deixar o assunto mais legal? Essa maneira de escrever remete à oralidade, própria dos saberes dos povos tradicionais do continente africano. Nesse sentido, a fala é um elemento muito presente na história. É por meio dos  diálogos que ficamos sabendo da história e descobrimos que o Imperador Ngungunhane é uma figura amada e temida. Sua ascensão ao trono era prevista pelos espíritos antigos, entretanto, não foi de maneira pacífica que o rei assumiu seu título. Ele pede para seu guerreiro Ualalapi que faça um ataque à aldeia do seu irmão. Então, após a morte de seu próprio irmão, ele assume o trono, sendo, ao mesmo tempo, tirano com seus súditos e implacável contra os portugueses.

 

O Gungunhana ou Mundagaz. 1843-1924 (Créditos: The New York Public Library)

 

O “Leão de Gaza” acabou por repetir o modo de governar dos imperadores anteriores, sendo igualmente severo. Somando isso, frente às inúmeras promessas de futuro oferecidas pelos colonizadores portugueses, a população se mostrou  mais propensa a derrubar o imperador. Uma rebelião aconteceu e o seu próprio filho o entregou aos europeus. Ngungunhane é tido como um dos últimos a ceder a colonização portuguesa. Seu mandato durou  dez anos de reinado e depois de deposto viveu onze anos no exílio em Portugal. Fora do livro, no mundo real, o antigo rei chegou à Europa e foi exibido pelas ruas, como um leão velho em um desfile de circo. No livro, Ungulani Ba Ka Khosa foi mais honroso com o rei: a história termina com um grande discurso final, e a força de suas promessas fizeram o céu escurecer e as ondas do mar pararem. 

 

Bom, essa foi apenas a apresentação  de uma obra fundamental para a literatura moçambicana, principalmente por trazer um viés descolonizador da história do país e o protagonismo negro. 

 

Iremos ao longo de uma série de textos publicados no Blog do Espaço fazer um grande kimbo  palavra angolana que significa aldeia , para conhecermos juntos outros autores e títulos africanos. No próximo texto abordaremos um pouco da literatura de Angola, apresentando o  livro “Aventuras de Ngunga”!

 

[Texto de autoria de Juliana C. L. Cavalli, aluna do curso de graduação em Letras e estagiária do Núcleo de Ações Educativas]

 


Referências

CABRAL, G. Há 45 anos, Moçambique conquistava a sua Independência. Negrê, 2020. Disponível em: <https://negre.com.br/ha-45-anos-mocambique-conquistava-a-sua-independencia/>.

História de Gaza – A Província. Portal do Governo da Província de Gaza. Disponível em: <https://www.gaza.gov.mz/por/A-Provincia/Historia-de-Gaza>. Acesso em: 9 nov. 2022.

CASARIN, R. Ngungunhane, o imperador que virou troféu de guerra. Aventuras na história, 2019  Disponível em: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/ngungunhane-imperador-trofeu-gaza.phtml>. Acesso em: 9 nov. 2022.

SOUSA, G. D. Ngungunhane, o rei moçambicano que lutou contra a ocupação portuguesa. DW, 2018. Disponível em:<https://www.dw.com/pt-002/ngungunhane-o-rei-mo%C3%A7ambicano-que-lutou-contra-a-ocupa%C3%A7%C3%A3o-portuguesa/a-44177023>. Acesso em: 9 nov. 2022.

CHAVES, R. Ualalapi: a narrativa e os ciclos. In: KHOSA, Ungulani Ba Ka. Gungunhana: Ualalapi e As mulheres do Imperador. São Paulo: Kapulana. 2018. [Série Vozes da África]. Disponível em:<https://www.kapulana.com.br/ualalapi-a-narrativa-e-os-ciclos-por-rita-chaves/>

KHOSA, Ungulani Ba Ka. Gungunhana: Ualalapi e As mulheres do Imperador. São Paulo: Kapulana. 2018. [Série Vozes da África] 

UNGULANI Ba Ka Khosa – Ualalapi/literatura moçambicana/ebook. Disponível em: https://livrandante.com.br/livros/ungulani-ba-ka-khosa-ualalapi/. Acesso em: 13 nov. 2022.

Schomburg Center for Research in Black Culture, Jean Blackwell Hutson Research and Reference Division, The New York Public Library. (1896). O Gungunhana ou Mundagaz. Retrieved from https://digitalcollections.nypl.org/items/510d47e0-bcc1-a3d9-e040-e00a18064a99

GUNGUNHANA: ualalapi e as mulheres do imperador. Disponível em: https://www.kapulana.com.br/produto/gungunhana-ualalapi-as-mulheres-do-imperador/. Acesso em: 13 nov. 2022.