Imagens dos povos originários – Espaço do Conhecimento UFMG
 
visite | BLOG | Imagens dos povos originários

Imagens dos povos originários

07 de fevereiro de 2023

 

Ouça também no Spotify!

 

A crise humanitária do povo Yanomami que vem estampando jornais nas últimas semanas é chocante, mas não inédita. Não é de hoje que esse povo se vê ameaçado pelo garimpo, desmatamento, pesca e caça ilegais, que levam doenças, violência e destruição ao seu território. Se fizermos uma retrospectiva dos ataques que sofreram, podemos voltar mais de 100 anos na história, ao final do século XIX, quando essa etnia teve seu primeiro contato com os napëpë (estrangeiro ou inimigo em uma das  línguas Yanomami).

 

Com o crescente avanço sobretudo do garimpo, os Yanomami vivem hoje uma cena dramática marcada pela escassez de alimento e doenças, além de invasão e destruição de seu território.

 

Neste cenário atual, viralizaram recentemente na internet fotografias de corpos de yanomamis desnutridos e adoecidos. Imagens que chocam e destoam dos registros que a fotógrafa e ativista Claudia Andujar fez deste mesmo povo entre os anos 1970 e 1990. Essas fotos viajaram o mundo em exposições e fizeram os Yanomami conhecidos nacional e internacionalmente. E foram, ainda, importantes instrumentos na mobilização política pela demarcação do território, que aconteceu somente em 1992.

Nas imagens feitas por Cláudia, os indígenas são vistos com aspecto saudável, dentro do seu território e posando para a fotógrafa. Houve ainda uma criação estética por parte da jornalista que buscou imprimir na imagem a cosmovisão desse povo. Exemplo disso é a série Sonhos Yanomami (2002) que cria ambientes oníricos a partir da sobreposição de cromos e negativos de fotografias de rituais xamânicos, buscando ilustrar seus encontros com os espíritos da floresta.

 

Quem faz as imagens que vemos dos povos indígenas?

 

Seja nas fotografias de Andujar ou nas imagens que circulam dos yanomami hoje nos jornais, a representação visual desse povo está em discussão. E, sendo assim, o direito desse mesmo povo de escolher como se representar e se fazer visto também está.  A crise em questão impôs ao povo Yanomami a escolha não outra que a liberação de restrição comumente imposta por eles à circulação de algumas imagens. (Porque os yanomami não querem ter fotos suas compartilhadas)

 

Em uma crise humanitária, as imagens tem uma finalidade de mobilizar, e a urgência – além de um desrespeito à cultura do outro – nega aos retratados o direito à escolha de como eles serão representados. A necessidade de agência e a finalidade de chamar atenção a uma situação extrema se impõem.

 

Em outros cenários, menos críticos e trágicos que o atual, esses povos também têm o direito de escolherem como e por quem serão representados, e ainda, ter espaço para se apresentarem sem necessidade de um olhar externo. Até a escolha de não serem vistos é um direito a ser reconhecido, a exemplo de comunidades que optam por e conseguem permanecer isolados, como os Awá, ou os que têm aversão à fotografia.

 

E falando na forma de dar a ver os povos originários, suas cosmovisões e culturas, a arte feita por indígenas tem se mostrado uma ferramenta poderosa. A produção artística, nesse sentido, tem sido uma forma de criar pontes para conhecer seus universos sensíveis, permitindo acessar a cultura de um povo não mais a partir de um olhar externo, como o de Andujar, mas de quem vem desses mundos. E, sobretudo, respeitando os limites culturais do que é ou não permitido dentro daquelas realidades.

 

Os desenhos de Joseca Yanomami, as esculturas em cerâmica de Nei Xakriabá e os Teheys Liça Pataxó, obras de arte que integram a exposição Mundos Indígenas, em cartaz no Espaço do Conhecimento UFMG, são caminhos para acessar os diferentes modos de vida que coabitam nosso país. Essas obras são um exemplo de autoexpressão de artistas indígenas que, além de exporem suas sensibilidades próprias, são também uma ponte para a cosmovisão de um povo.

 

Para além dos artistas citados acima, há no Brasil inúmeros outros que vêm conquistando cada vez mais visibilidade. Conheça sete deles a seguir:

 

  • Daiara Tukano

Indígena do povo Tukano, do Alto Rio Negro, Daiara foi ganhadora do Prêmio PIPA Online 2021. Em 2020 se tornou a primeira artista indígena a participar do Circuito de Arte Urbana (CURA) de Belo Horizonte, quando pintou a obra Selva Mãe do Rio Menino, que ocupa uma empena de 1.006 m² no centro da cidade. Já expôs em museus nacionais e internacionais e na Bienal de São Paulo, e atualmente conta com trabalhos na mostra Brasil Futuro: as Formas da Democracia em Brasília.

 

  • Yacunã Tuxá

Ilustradora e ativista, Yacunã é indígena do povo Tuxá da Bahia. Seus trabalhos envolvem relações de raça, gênero e sexualidade, carregando a espiritualidade e a sabedoria do seu povo. A artista já expôs em importantes museus nacionais e também integra atualmente a exposição Brasil Futuro: as Formas de Democracia.

 

  • Edgar Kanaykõ Xakriabá

Fotógrafo e mestre em antropologia pela UFMG, Edgar é natural do povo Xakriabá do Norte de Minas Gerais. O artista registra por meio do seu trabalho a cultura e o modo de vida da sua aldeia, além de fazer de sua etnofotografia uma forma de ativismo pelos direitos indígenas. Suas fotos estão expostas na mostra Mundos Indígenas, no Espaço do Conhecimento UFMG, e já passaram pela exposição Vexoá: Nós sabemos, na Pinacoteca de São Paulo.

 

  • Jaider Esbell

O artista e escritor Jaider Esbell nasceu e viveu até os 18 anos na terra indígena Raposa – Serra do Sol, em Roraima. Entre 2014 e 2015, o indígena da etnia Makuxi integrou a exposição MIRA – Artes Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas, que passou pelo Espaço do Conhecimento UFMG. Também foi indicado ao Prêmio PIPA e recebeu destaque na 34ª Bienal de São Paulo. Jaider faleceu em 2021, deixando uma produção extensa que viajou o Brasil e o mundo.

 

 

  • Denilson Baniwa

Trabalhando com diferentes linguagens nas artes, que vão desde a performance, passando pela pintura e chegando à escultura, Denilson já participou de grandes exposições nacionais e internacionais. Nascido no Amazonas, é indígena da etnia Baniwa e publicitário. Em 2019 venceu o Premio PIPA Online, e foi indicado novamente em 2021.

 

 

  • Joseca Yanomami

 

Artista da terra indígena Yanomami, em Roraima, Joseca expôs recentemente 93 desenhos em mostra individual no Museu de Arte de São Paulo. A exposição “Joseca Yanomami: nossa terra-floresta” aconteceu em 2022, ano do 30° aniversário de demarcação das terras do seu povo. Seus trabalhos convocam o olhar para a mata e apresentam o universo yanomami através do seu olhar e de muitas cores. Desenhos do artista também estão expostos no Espaço do Conhecimento UFMG na exposição “Mundos Indígenas”.

 

  • Arissana Pataxó

Formada em Artes Plásticas pela Universidade Federal da Bahia, Arissana Pataxó carrega nos seus trabalhos em múltiplas linguagens uma poética do indígena na contemporaneidade. Natural de Porto Seguro, a artista da etnia Pataxó também participou da exposição MIRA – Artes Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas e ficou em 2° lugar no Prêmio Pipa Online de 2016.

 

Conhecendo esses artistas e as narrativas que criam sobre seus próprios povos, podemos acessar uma realidade outra da que subjuga povos originários à condição de inferioridade – que fundamenta o genocído em curso desde a colonização. Trata-se de um exercício de alteridade no qual acessamos imagens que artistas indígenas criam de si, antes que o que vejamos deles sejam as cenas que cobrem hoje os jornais.

 

[Texto de autoria de Helena Azoubel, estudante de jornalismo da UFMG]

 

Para saber mais:

Por que os yanomami não querem ter fotos suas compartilhadas

Joseca Yanomami: Nossa Terra-Floresta