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A bomba atômica

A história que começou com um átomo e deixou um rastro de destruição

 

05 de setembro de 2023

 

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A primeira bomba atômica do mundo explodiu em Los Alamos, um deserto do Novo México, nos Estados Unidos. Era madrugada do dia 16 de julho de 1945. Todos os cientistas do projeto Manhattan prendiam a respiração pois aquele teste — aquela explosão — seria o resultado dos últimos três anos de trabalho.

 

Alguns brincavam com a possibilidade dos cálculos estarem errados e a bomba ser mais forte do que o previsto, podendo queimar a atmosfera e destruir o mundo. O que estava sendo feito naquele deserto era algo absolutamente sem precedentes na história da humanidade: se funcionasse, seria a maior explosão artificial da história e ninguém sabia o que esperar de verdade, não importa o que dissesse a matemática. 

 

Às 5:29 da manhã, a bomba Gadget, que significa ferramenta em inglês, explodiu. O clarão que tomou o céu por alguns segundos foi tão brilhante quanto o sol. O estrondo percorreu quilômetros e uma nuvem no formato de um cogumelo subiu por doze quilômetros de altura, enchendo o ar de radioatividade. A onda de choque, o estrondo, a luz e o calor surreais deram a notícia para todos naquele deserto: a bomba funciona

 

O sucesso do teste Trinity foi uma virada de chave para o contexto científico e político do mundo inteiro. A criação de uma bomba tão poderosa quanto a bomba atômica praticamente reescreveu as regras da política internacional.

 

Base de teste Trinity. (Créditos: Federal Government of the United States – National Nuclear Security Administration Nevada Site Office Photo Library (0040439-30). Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=300451)

 

Hoje iremos conhecer um pouco sobre a ciência de uma bomba nuclear e seu impacto no mundo moderno, mas antes de conversarmos sobre isso, vale lembrar que o novo Calendário Astronômico do museu já está disponível on-line! Nesta edição, a Kate e Jojô encontram o tesouro perdido de uma antiga civilização e descobrem os objetos do céu profundo! Confira o novo calendário e mais informações sobre o projeto

 

Agora, nossa história começa… com um átomo

Um ponto importante é entender que essa bomba não foi criada por uma única pessoa. Por mais que se credite o feito a Oppenheimer, conhecido até mesmo como o Prometeu Americano, ele foi um dos vários cientistas envolvidos na construção dela. 

 

No início do século XX, a física e química atômica estavam a todo vapor para compreender o funcionamento de elementos radioativos, propriedade que havia sido descoberta e comprovada recentemente. Pessoas do mundo inteiro experimentavam e criavam projetos para descobrir tudo que podiam sobre a natureza de um dos protagonistas dessa história: o átomo.

 

Um átomo é a menor parte de toda a matéria; tudo que existe é feito de átomos. Eles são compostos por um núcleo de carga positiva, formado por prótons e nêutrons, e orbitado por partículas de carga negativa, os elétrons. Existem vários átomos diferentes para cada elemento de nossa tabela periódica e eles podem variar em algumas características básicas, como tamanho, massa, peso, estabilidade e quantidade de energia contida. 

 

A forma de estudá-los durante a década de 30 era basicamente jogando várias partículas em cima de átomos da tabela periódica para ver o que aconteceria. Em 1934, o químico italiano Enrico Fermi estava fazendo exatamente isso: jogando nêutrons em vários elementos da tabela periódica, modificando sua estabilidade e indicando a possibilidade de se produzir em laboratório novas espécies nucleares, que incluíam elementos mais pesados que o Urânio, de massa atômica 92.

 

Isso foi uma novidade, pois na natureza elementos muito pesados, aqueles que possuem uma massa atômica muito alta com átomos formados por muitos prótons e nêutrons, são extremamente difíceis de serem encontrados devido à sua alta instabilidade. Na verdade, esses elementos são tão instáveis que costumam decair, isto é, se desfazer, emitindo energia e matéria no ambiente. 

 

Então, o que o Fermi chamou de transurânicos eram elementos artificiais mais pesados do que o urânio. Porém, Ida Noddack rejeitou as ideias de Fermi sobre os transurânicos e afirmou que os resultados do bombardeamento de nêutrons estavam sendo mal interpretados por ele.  

 

O que os dois, e muitas outras mentes, estavam discutindo nessa questão era a possibilidade de dividir um átomo instável em dois átomos menores por meio de um processo que viria a ser conhecido como fissão nuclear.

 

Fissão Nuclear. (Créditos: Reprodução/Manual da Química)

 

A teoria já circulava no meio acadêmico há uns anos, mas nunca havia sido comprovada pela física nuclear até então. Segundo ela, com a ruptura de um núcleo pesado e instável, o resultado seriam dois ou mais núcleos menores e mais estáveis, além da emissão de energia e de nêutrons. O átomo pesado utilizado para alguns dos testes era uma variação mais instável do urânio.

 

O elemento urânio que é encontrado na natureza é formado por três isótopos de átomos, compostos por mais ou menos nêutrons e prótons. O núcleo do urânio 238, por exemplo, que é a versão mais comum e estável do metal, possui 146 nêutrons em seu núcleo. Na década de 30, em experimentos semelhantes aos do Fermi, foi descoberto o isótopo do urânio 235, formado por 143 nêutrons. Esta variação muito instável era bem mais propensa a passar pelo processo de fissão.

 

Isso levou cientistas como Lise Meitner, Otto Hahn e Fritz Strassmann a comprovarem a teoria a partir de experimentos com esse isótopo 235 de Urânio, bombardeando-o com nêutrons moderados. O resultado dessa fissão foram átomos de bário e criptônio, além da emissão de outros nêutrons e uma quantidade enorme de energia. Segundo os cálculos de Lise Meitner, a fissão de um único átomo de urânio gera 200 Mega eletrovolts, que é energia suficiente para mover um grão de areia em alguns centímetros. Parece pouca coisa, mas estamos falando de um único átomo. Uma grama de urânio tem mais de 2,52 milhões de bilhões de átomos, o que geraria energia equivalente a 20 toneladas de dinamite!

 

A fissão de um isótopo de urânio dispara aproximadamente dois outros nêutrons. Caso haja outros átomos de urânio próximos o suficiente, eles serão atingidos por esses nêutrons excedentes, desencadeando uma reação que irá friccionar praticamente toda a massa do material.

 

Na química, para que uma fissão mantenha uma reação em cadeia auto sustentada é preciso que exista uma quantidade mínima de material fissionável. Essa quantidade é conhecida como massa crítica.

 

A teoria da bomba atômica é basicamente essa. Se houver uma quantidade suficiente de urânio instável para atingir massa crítica, cerca de 60 quilos, tudo que precisa ser feito é criar as condições ideais de temperatura e pressão para que os átomos estejam bastante próximos e então disparar um nêutron contra um dos átomos para ter uma explosão com a força de aproximadamente 15 quilotons (15 mil toneladas de dinamite). 

 

Porém, isso era a teoria. Todas essas descobertas se desenrolaram no contexto da Pré-segunda Guerra Mundial, o que alertou as potências da época, tanto dos países aliados quanto os do eixo, para a possibilidade científica da criação de uma arma de destruição em massa com potencial destrutivo superior a todos os arsenais do planeta. Isso desencadeou uma corrida armamentista para produzir a dita “super bomba”.

 

O projeto Manhattan, mencionado no começo do texto, foi o programa científico e militar estadunidense, em parceria com os países aliados, para produzir a nova arma em segredo. Juntando dezenas das mentes mais brilhantes, tanto americanos quanto refugiados da guerra, o projeto se tornou uma das maiores operações do gênero na época. Contando os cientistas, cerca de 100 mil pessoas participaram do projeto bilionário e contribuíram, em múltiplos níveis, direta e indiretamente, para a construção das primeiras bombas atômicas do planeta. 

 

A empreitada era chefiada pelo físico Robert J. Oppenheimer, mas tinha o acompanhamento minucioso e constante de políticos e militares de alta patente, devido à confidencialidade e importância bélica do projeto para a Guerra.

 

Robert J. Oppenheimer. (Créditos: Reprodução/Olhar Digital)

 

O resultado foi a construção de três bombas. A primeira explodiu no deserto, no teste em Los Alamos. Ela pesava quatro toneladas e funcionava a partir de um núcleo de implosão de plutônio, um material mais pesado e com maior potencial energético e destrutivo que o urânio. O núcleo ficava no centro de uma grande bola de metal, revestida com explosivos convencionais e circuitos sincronizados. O sistema elétrico disparava um sinal simultâneo para que todas as cargas explodissem ao mesmo tempo. Essa primeira explosão condensou o plutônio até atingir sua massa crítica, quando ocorre a fissão. 

 

A explosão liberou cerca de 20 quilotons de potência. Por ser um teste controlado, não houveram vítimas diretas da explosão, porém, devido à grande quantidade de poeira, ventos e material radioativo, vários habitantes das proximidades do deserto de Los Alamos foram afetados com problemas de radiação ao longo prazo.

 

Hiroshima e Nagasaki

A segunda bomba foi disparada menos de um mês depois, no dia 06 de agosto de 1945. A detonação não foi em um deserto ou em um teste controlado, mas em um ataque real. O alvo escolhido foi a cidade japonesa de Hiroshima. A bomba, chamada Little Boy, pesava 4,5 toneladas e funcionava com um sistema simples, onde uma peça de urânio enriquecido seria disparada com muita força contra uma peça maior do mesmo material, resultando na fissão e na explosão nuclear. Naquele dia, o sol nasceu duas vezes sobre Hiroshima

 

Três dias depois, a terceira bomba, Fat man,  foi lançada sobre Nagasaki. Era parecida com a do teste Trinity e tinha muito mais potência destrutiva do que a Little Boy. Após esse segundo ataque, o Japão anunciou sua rendição aos Estados Unidos.

 

Bomba Little Boy e Fat Man. (Créditos: Reprodução/The Spokesman-Review)

 

Os dados sobre o número de mortos pelos dois ataques foram amplamente recalculados com o passar dos anos, o que torna a estimativa imprecisa. Dados oficiais do exército americano, na época dos bombardeios, giram em torno de 70 mil mortos em Hiroshima e 40 mil, em Nagasaki. Já dados posteriores apresentados por cientistas e ativistas contra o uso e produção de bombas nucleares estimam 140 mil mortos em Hiroshima e mais de 70 mil, em Nagasaki.

 

As duas bombas foram as únicas utilizadas contra estruturas civis, Entretanto, não foram as últimas a serem disparadas.

 

Destruição e criação

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, a corrida armamentista impulsionou estudos, além de melhorias das técnicas e pesquisas sobre bombas atômicas. Afinal, um poderio tão assustador e gigantesco era útil para ameaçar e devastar países inimigos, caso fosse necessário.

 

Centenas de testes foram realizados durante esse período e o arsenal nuclear das potências da época crescia incansavelmente. No auge da Guerra Fria, estima-se que haviam cerca de 60 mil ogivas ativas, em posse, principalmente, dos Estados Unidos e da União Soviética. Na medida que as bombas se tornavam mais numerosas e sofisticadas, também se tornavam muito mais assustadoras e complexas, como é o caso das bombas de fusão e de hidrogênio. Bombas com 15 megatons de força, ou 15 milhões de toneladas de TNT, mil vezes mais fortes que as de Hiroshima e Nagasaki, estavam sendo testadas enquanto o temor de uma guerra nuclear era cultivado no imaginário coletivo do mundo. 

 

A maior bomba atômica detonada foi a Bomba Tsar, uma bomba soviética que contou com mais de 50 megatons de potência. Sozinha ela foi mais forte que todas as bombas usadas na Segunda Guerra, incluindo as bombas de Hiroshima e Nagasaki, e seu impacto foi sentido em todo o planeta. A nuvem gerada pela explosão alcançou 60 quilômetros de altura e o alcance da destruição imediata foi de 70 quilômetros. 

 

Vários países estavam investidos na corrida nuclear, o que originaria outro texto por si só, mas vale dizer que, em 1970, começou a vigorar um acordo de não proliferação nuclear com o objetivo de frear a produção de armas de destruição em massa devido à sua natureza e aos riscos que representam. Um dos objetivos e efeitos do tratado é reduzir os arsenais nucleares do mundo.

 

Armas como essa são construídas com o único objetivo de alcançar o máximo de devastação, danos e morte no menor tempo possível. É uma forma rápida e cruel de destruir cidades inteiras, sem a possibilidade de retaliação ou qualquer tipo de resgate humanitário.

 

Ilustração de uma bomba nuclear. (Créditos: Romolo Tavani/Shutterstock, via Olhar Digital)

 

No Espaço do Conhecimento, a ciência é celebrada como uma ferramenta para alcançar o extraordinário, para melhorar e impulsionar a vida de todo o planeta para atingirmos o melhor de nós mesmos. No entanto, infelizmente a distorção do potencial positivo das ciências também acontece… 

 

A humanidade criou uma arma que, em quantidades suficientes, pode aniquilar tudo que construímos e todas as esperanças que tínhamos de criar o futuro. Basta uma série de decisões incontroladas, mal entendidos e erros para que as bombas que criamos nos destruam em instantes. 

 

Mas, como Pedro Loos do canal “Ciência todo dia” disse muito bem em seu documentário sobre a história da bomba atômica: é um erro culpar a ferramenta pelos danos que ela causa. Foram pessoas que criaram a bomba, foram pessoas que tomaram a decisão de usá-la e são pessoas que continuam insistindo na tolice de planejar a destruição dos outros. 

 

A tecnologia de fissão nuclear é uma fonte energética limpa, altamente produtiva e segura. Sabemos que em tempos de crise energética e ambiental, gerada pelo mal uso dos recursos de nosso planeta, uma fonte como essa é imprescindível para a humanidade, para a manutenção de um futuro em que nossas cidades e os países do mundo inteiro possam ser alimentados por usinas de energia nuclear.

 

A questão aqui é a longevidade da humanidade, mas, enquanto continuarmos construindo bombas ao invés de usinas, quem sabe o que será do futuro?

 

[Texto adaptado de Gabriel Barcelos, bolsista de som do Espaço do Conhecimento UFMG]

 

Referências

Armas Nucleares | Nerdologia

Bomba atômica e armas nucleares | Nerdologia

Como a Fat Man funciona?

E se nós bombardeássemos uma cidade | Kurzgesagt

Como fazer uma bomba nuclear? | Ciência todo dia

REAÇÃO em CADEIA: A história da bomba nuclear | Ciência todo dia

A energia nuclear

Arsenal nuclear global crescerá pela primeira vez desde a Guerra Fria

Bomba Atômica: Vítimas esquecidas do teste Trinity

Bomba atômica | Brasil escola

Bombas nucleares: diferença entre fissão e fusão

Carta Einstein-Szilard

Como bombas nucleares funcionam?

Fissão Nuclear | Brasil Escola

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