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Nº 1824 - Ano 39
10.6.2013

opiniao

Por uma paideia na graduação

Ivan Domingues*

Caracterizada por seu conservadorismo atávico e a predisposição de trocar a urgência da ação e o tempo curto dos acontecimentos pelo limbo da indiferença e o tempo longo das estruturas onde nada acontece, mas tudo dura, para evocar duas imagens famosas do tempo histórico moldadas por Braudel, as universidades federais – a UFMG incluída –, passado o turbilhão das mudanças induzidas pelo governo federal, parecem estar em uma encruzilhada: depois de escolherem o caminho da massificação, apressadamente identificado com a democratização do acesso, e verem seus cursos de graduação ampliados pelo Reuni, elas deverão optar nos próximos anos entre duas alternativas.

Ou não fazerem nada e tocarem simplesmente a coisa, deslocando a atenção para a pós-graduação e a pesquisa, como de resto estão habituadas a fazer, ao abandonarem os jovens graduandos à sua própria sorte, “racializados” em meritocráticos, bonistas e cotistas, entregues a uma pedagogia arcaica, centralizada no professor, com aulas demais e pesquisa de menos. Ou fazerem alguma coisa e intentarem criar um novo ambiente, prestando mais atenção na graduação, que é o ciclo onde tudo começa, ao menos no ensino superior, ao mesmo tempo estimulando a autonomia intelectual do jovem e acompanhando-o ou assistindo-o mais de perto. E o que é importante: não com o intuito de prepará-lo para a pós-graduação ou para o mercado, mas para a vida e um mundo em perpétua transformação.

Ao enfrentar o dilema, escolhendo a segunda alternativa, não bastarão a troca de ênfases e a implementação de mudanças ad hoc. A mudança exigirá novo aparato institucional e a implantação de uma cultura acadêmica ajustada a um mundo em transformação, conforme já ressaltado, bem como a uma juventude mais informada, mas também mais insegura, com uma adolescência esticada, a infância terminando mais cedo e a vida adulta iniciando mais tarde. Trata-se do desafio de instalar uma nova Paideia e implantar nova educação humanista, em que o cultivo da mente, a formação de caráter e preparação para a vida pós-UFMG estejam no centro das atenções. Não a simples preparação de quadros (profissões) e a aquisição de competências ou habilidades.

Neste cenário, a exemplo do que já vem ocorrendo em outros países e nas melhores universidades do mundo, talvez uma excelente alternativa seja a UFMG examinar a possibilidade de criar bacharelados interdisciplinares, os BIs. Ou seja, ciclos de maior ou menor extensão, que proporcionam ao jovem – aquele que o desejar e se sentir inseguro – a oportunidade de adiar a decisão pelo curso profissional a que consagrará sua vida um pouco mais tarde, quando estiver pronto ou mais amadurecido, sem condená-lo a sair da universidade se um dia mudar de ideia.

A possibilidade de criar BIs já tinha sido aventada pelo Reuni, mas jamais foi trilhada, e perdeu-se a ocasião. Mas nem por isso estamos perdidos. Há inclusive a facilidade, que não está atrelada ao Reuni, de o Conselho Nacional de Educação (CNE) já ter criado o aparato regulatório dos BIs, depois de aprovar há algum tempo as suas diretrizes curriculares.

Aqui no Brasil há várias universidades experimentando esse caminho. São os casos das federais do ABC (que já nasceu assim, o que não quer dizer que não tenha problemas), da Bahia (que criou alguns cursos), dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, de Lavras etc. Elas não seguem um modelo comum, pois não é a mesma coisa implantar um BI em uma universidade nova, como a UFABC, e numa universidade já tradicional, como a UFBA. Todavia, elas têm em comum a preocupação de introduzir nos cursos de graduação o regime de dois ciclos: um de três (ou dois) anos, básico ou introdutório, e outro de dois (ou três), profissional. Nos países de primeiro mundo, o modelo é seguido por algumas universidades alemãs, inúmeras chinesas, e antes de tudo – onde tudo começou – nos Estados Unidos: UCLA (Berkeley, Mercedes), Princeton e Harvard.

Penso que de todos os modelos o melhor e mais ousado é o de Harvard: o General Education, moldado pelo Harvard College, o mais prestigioso e em torno do qual nasceu esta famosa Universidade. Mas ele não poderá ser aplicado tal qual por aqui, deverá sofrer mais de um ajuste da parte da universidade brasileira que o desejar seguir, como aliás o fez a UFABC, que diz ter nele se inspirado. Precisamente, o modelo da General Education, cujo BI fica a cargo da Faculty of Arts and Sciences ligada ao College famoso, mas virtualmente oferecido a toda a Universidade (livre adesão), e cujo propósito é formar o cidadão do século 21: globalizado e preparado para viver em um mundo instável e alfabetizado em ciência, tecnologia e humanidades.

Harvard vê no modelo da General Education a atualização da velha educação humanista, preocupada com o cultivo da mente e a formação de caráter, mais do que com a aquisição de competências e habilidades. Esse modelo de educação integral, num tempo em que as universidades não existiam, era chamado pelos gregos de Paideia e pelos romanos de Humanitas.

Outro nome, mais vernacular, poderia ser Cultura, se o termo pudesse ser ressignificado, num sentido parecido ao que Jaeger deu para a Paideia grega, ao procurar aproximar do vocábulo grego o alemão Bildung: a cultura adquirida pela educação, associando o ethos (formação de caráter) e o cultivo da mente por meio das letras ou da literatura.

Penso que a UFMG ficará em boa companhia ao se alinhar a Harvard e propor uma nova Paideia para seus estudantes de graduação.

*Professor do Departamento de Filosofia da Fafich e coordenador da série de seminários A Universidade do Futuro