Cientistas, que trabalham no desenvolvimento de tecnologia com a utilização de nanomateriais, já buscavam ampliar os ciclos de reuso da água nos ambientes industriais e agora devem estender benefícios do projeto ao segmento residencial

Á água potável, ou seja, em condições físicas, químicas, microbiológicas e radioativas ideais para o consumo humano e animal, é essencial à vida. Recurso limitado, disponível para captação in natura em rios, lagos, lagoas, canais e aquíferos (reservatórios subterrâneos), a água potável de todo planeta é consumida, principalmente, pelo setor agrícola. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 70% de toda a água consumida no mundo é usada na irrigação das lavouras, na pecuária e na aquicultura. A indústria responde pelo consumo de quase 20% e as residências, 12%.

Reduzir o percentual de captação e aprimorar processos que assegurem o reuso são medidas essenciais para “garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos”, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Também denominada Agenda 2030, este é um pacto global assinado durante a Cúpula das Nações Unidas, em 2015, por 193 países membros.

Na UFMG há um projeto de pesquisa que utiliza nanomateriais de carbono, o grafeno em particular, para assegurar a redução da captação da água na natureza. O projeto, realizado pela professora do Departamento de Química, Glaura Goulart Silva, e equipe, é uma parceria entre o CTNano, centro de tecnologia em nanomateriais da Universidade instalado no BH Tec, parque tecnológico de Belo Horizonte, e a Petrobras. O foco é aplicar a nova tecnologia em uma planta de óleo e gás da estatal de capital misto.

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O CTNano está em atividades há pouco mais de uma década. Estrutura adota como pilar a realização de parcerias entre a academia e a indústria

Nanotubos de carbono são cilindros formados por átomos de carbono que possuem extraordinárias propriedades mecânicas, elétricas e térmicas

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Mas havia até meados deste ano uma pedra no caminho dos pesquisadores mineiros. A linha de pesquisa enfrentava condições que limitavam a realização, em escala piloto, de testes para outras aplicações. Sem um laboratório ampliado, a pesquisa não iria atingir todos os objetivos potenciais e gerar benefícios para outros setores da sociedade. O prédio do CTNano foi inaugurado em 2019 e em razão dos cortes e contingenciamentos de recursos dos últimos anos no orçamento para a pesquisa, o quarto pavimento da edificação, onde deveriam haver estruturas laboratoriais, ainda aguardava aportes para ampliação da capacidade.

A situação foi resolvida com o aporte de R$1 milhão ao orçamento da UFMG em emenda parlamentar de Comissão indicada pelo senador mineiro Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) aportou ao projeto outros R$500 mil do próprio orçamento dedicado a linhas de pesquisas inovadoras por compreender a relevância da iniciativa dos cientistas da Universidade.

Bolsista de Produtividade do CNPq Nível 2, a professora Glaura Goulart  é autora de pesquisas com nanomateriais de carbono que resultaram em diversas patentes para a UFMG

“As parcerias com o senador e com o Ministério foram fundamentais para a continuidade da pesquisa e também para ampliarmos os nossos objetivos, estendo-a a outros segmentos, como o da mineração, importante para Minas Gerais, e o do consumo doméstico de água”, afirma Glaura Goulart Silva. A pesquisa já recebeu R$ 500 mil e ainda este ano recebe o restante do recurso.

Os recursos vão ser integralmente aplicados na estruturação de um novo laboratório focado em processos de tratamento da água. “A nova infraestrutura assegura nossa autonomia de pesquisa e nossa capacidade para apoiar e diversificar projetos”, explica a professora. Os custos de pesquisas em escala piloto (escala laboratorial ou de bancada), que exigem espaço físico ampliado, são significativos. No entanto, o benefício é que a estratégia fornece dados preciosos para a produção em grande escala.

Como funciona a nova tecnologia?
O setor industrial utiliza diversas estratégias para o tratamento dos chamados efluentes. A palavra efluente significa “aquele que flui” e representa qualquer líquido ou gás gerado por atividades humanas (industriais e domésticas) e que são liberados na natureza. Ao chegar no meio ambiente, esses efluentes se tornam a principal causa de problemas ambientais como poluição do ar, efeito estufa, inversão térmica, entre outros.

Aumentar a eficiência dos sistemas de tratamento da água é essencial para a sustentabilidade das atividades humanas e do planeta. Nas indústrias e empresas de tratamento e saneamento de esgotos, como a Copasa, uma das formas de tratar a água se dá pela utilização de membranas que, grosso modo, funcionam como filtros. Ao fazer isso, são retidos elementos pelas membranas e a água pode ser reutilizada.

Um dos processos de tratamento da água se dá por osmose reversa. A osmose, fator importante na vida das células, é o movimento da água através de uma membrana semipermeável, favorecido por diferenças de pressão dos ambientes. Nesse processo as moléculas de água partem de um meio menos concentrado para um meio mais concentrado. Na osmose reversa a água parte do meio mais concentrado para o menos concentrado (de impurezas).

O processo de tratamento da água provoca desgaste nas membranas, fabricadas em polímeros sintéticos (produzidos a partir de derivados de petróleo). A inovação da pesquisa da UFMG é o aumento da eficiência dessas membranas, revestindo-as com nanomateriais, o que melhora a permeabilidade (passagem) da água e seletividade (retenção) das impurezas encontradas.

“Além disso, conseguimos tornar as membranas mais resistentes ao ataque pelo cloro, utilizado em processos de lavagem das membranas, e na eliminação de incrustações de agentes biológicos e sais, depositados sobre a superfície dos polímeros”, explica Glaura Goulart Silva. A pesquisadora da UFMG projeta que a pesquisa será capaz de aumentar a durabilidade e a capacidade de seletividade (eficiência na retenção das impurezas) das membranas entre 30 e 50%. Outra meta é a redução da geração de resíduos industriais.

“O aumento da ‘vida útil’ das membranas vai, consequentemente, reduzir a geração de resíduos, provocada pela necessidade de substituição dos equipamentos, desgastados pelo uso constante. A meta é ampliar a durabilidade também em 50%, dependendo das condições de uso”, completa a pesquisadora.