Grupo reuniu peritos criminais e profissionais; Polícia Federal já se vale da técnica para produzir laudos

Os detalhes do simbolismo: retrato de Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro, foi uma das obras danificadas pelos invasores no 8 de janeiro
Os detalhes do simbolismo: retrato de Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro, foi uma das obras danificadas pelos invasores no 8 de janeiro. Foto: Arquivo Cecor (Tela: Oswaldo Teixeira)

Parceria firmada entre a UFMG e a Polícia Federal permite calcular o “valor do dano” em obras de artes. A metodologia inédita, desenvolvida em conjunto por peritos da PF e especialistas do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade, surge a partir de estudos para restauro de obras de artes e bens culturais danificados durante os atos praticados por extremistas que invadiram, exatamente há um ano, as sedes do Executivo, Judiciário e Legislativa. Ao todo, 188 obras de arte e bens culturais de valor artístico, histórico e simbólico foram danificadas: 128 no Supremo Tribunal Federal, 29 na Câmara dos Deputados, 16 no Palácio do Planalto e 15 no Senado Federal – isso sem contar as peças roubadas e os mobiliários comuns destruídos.

A metodologia foi desenvolvida por um grupo de trabalho multidisciplinar, encabeçado pela professora Yacy Ara Froner Gonçalves, do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes (EBA). Dele fizeram parte a diretora do Cecor, Alessandra Rosado, o seu vice-diretor, Luiz Antonio Cruz Souza, ambos do mesmo Departamento, Dâmia Carina Dias do Carmo, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Artes (PPGArtes), peritos do projeto Goia [leia mais sobre a iniciativa no fim desta matéria] e Marcus Vinicius de Oliveira Andrade, perito criminal federal que também cursa doutorado no PPGArtes, sob a orientação de Luiz Souza, com foco em marcadores de autenticidade das obras de arte, área que tem ganhado relevância na PF.

Após os ataques criminosos, a Polícia Federal identificou a necessidade de avaliar os danos causados às obras e de traduzi-los em valores monetários. Essa mensuração precisava ser feita considerando que, no caso de bens pertencentes ao patrimônio cultural, boa parte da sua importância reside em sua subjetividade e intangibilidade – ou seja, essa importância não se restringe ao seu valor venal, sendo atravessada por uma série de outras variáveis.

O acervo danificado é formado por pinturas, tapeçarias, esculturas e móveis danificados em diferentes graus, que vão de avarias leves até a completa destruição, resultando em prejuízo que está sendo estimado não em milhões, como inicialmente se imaginou, mas em dezenas de milhões de reais. Alfredo Ceschiatti, Athos Bulcão, Bruno Giorgi, Di Cavalcanti, Joan Miró, Marta Minujín, Oscar Niemeyer, Roberto Burle Marx, Victor Brecheret são alguns dos artistas de renome, nacionais e internacionais, que tiveram obras suas vandalizadas nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

Valendo-se dessa metodologia, a Polícia Federal compôs uma série de laudos, em que foram valoradas cada uma das 188 obras vandalizadas pelos invasores e calculados os danos causados a cada uma delas. Como os processos relativos ao 8 de janeiro correm em segredo de justiça, os custos do dano de cada obra não podem ser divulgados. Um artigo científico sobre a metodologia, atualmente em estágio de revisão, será publicado e apresentado em congresso internacional nos próximos meses.

A serviço da República

Pouco depois da invasão dos edifícios-sede da Praça dos Três Poderes, o Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes (EBA) colocou-se imediatamente à disposição de Brasília para colaborar no tratamento a ser dado aos quase 200 bens culturais danificados. No dia 17 de janeiro, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida, o pró-reitor de Cultura, Fernando Mencarelli, e o vice-diretor do Cecor, Luiz Antonio Cruz Souza, fizeram uma visita ao STF. Eles foram recebidos pela ministra Cármen Lúcia, observaram in loco os estragos e avaliaram em que seria possível ajudar.

Na ocasião, o Cecor confirmou que tanto o Supremo Tribunal Federal, sede do Poder Judiciário, quanto o Congresso Nacional, sede do Poder Legislativo, contavam com equipes robustas de conservação e restauração de bens culturais, capazes de fazer a gestão dos resultados da invasão. O ente que talvez pudesse se valer do auxílio da UFMG era o Palácio do Planalto. Naquele momento, o Cecor colocou-se então à disposição do Executivo para tratar dos seus bens atacados na intentona. A partir daí, iniciou-se, na UFMG, o exame multidisciplinar dos 16 itens depredados, entre os quais figuram um gauche sobre papel de Joan Miró, um quadro de Di Cavalcanti e mesas e marquesas de Oscar Niemayer e Sérgio Rodrigues.

O professor Luiz Souza explica que, dessas 16 peças, três exigiram análises físico-químicas mais aprofundadas: a escultura Vênus apocalíptica fragmentando-se, da artista argentina Marta Minujín, a escultura O flautista, do escultor brasileiro Bruno Giorgi, e o emblemático relógio de pêndulo que pertenceu a Dom João 6º, cuja destruição foi frontalmente filmada pelas câmeras de segurança do Palácio.

Uma curiosidade é que o ataque dos vândalos teve um resultado colateral imprevisto: dada a destruição que provocou, ele acabou propiciando um maior conhecimento científico dos materiais e das técnicas construtivas das peças, ao dar acesso a detalhes nunca antes documentados de suas estruturas. Um desses resultados, relativos ao trabalho com a escultura La pensée brisant ses chaines, do escultor francês Émile Picault, do acervo do STF, pode ser conhecido neste estudo, também produzido no âmbito do Cecor. No caso dela, constatou-se que não se tratava de uma escultura em bronze, como se pensava inicialmente, mas em zinco, revestida por pintura de cobre.

Mais informações no Portal UFMG.

[por Ewerton Martins Ribeiro, Centro de Comunicação da UFMG]