Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 3 - nº. 8 - outubro de 2005

Editorial

Entrevista
Boaventura de Sousa Santos

Ações afirmativas

Mais perto da justiça social

Um conceito em evolução
Newton Bignotto

Pólos de Cidadania

Cidadãos de fato e de direito

A cidadania como possibilidade
Márcio Simeone

Medicação

Antídoto para a “empurroterapia”

Farmácia, medicamento e saúde pública
Edson Perini

Conhecimento

A ciência onde o povo está

A divulgação científica
como instrumento de cidadania Ramayana Gazzinelli

Cultura

Livros a mancheias

Extensão e universidade cidadã
Edison José Corrêa

Idosos

Anjos da guarda da terceira idade

Mais velho, Brasil quer ser mais cidadão
José Alberto Magno da Fonseca

Enfermagem

A dor e a alegria de ser Maria

Diversa

Expediente

 

 

artigo

Extensão e universidade cidadã

Edison José Corrêa
Pró-Reitor de Extensão da UFMG

Muito se tem discutido sobre a relação da universidade com a sociedade. Além da missão de formação das pessoas – em cursos de graduação e de pós-graduação – e de geração do novo conhecimento – a pesquisa –, a universidade tem, na dimensão de interação social, a extensão universitária.

Para compreendê-la assim, é necessário ultrapassar entendimentos ainda vigentes, como o de repasse – “extensão” – à sociedade do conhecimento gerado na instituição, o que afirma uma conotação de excelência do saber de que esta é produtora e depositária, mas é marcado pela visão da universidade como detentora hegemônica desse saber.

Ou, por outro lado, entender a extensão como o ato de atender, em projetos sociais, tecnológicos e culturais, às camadas mais carentes da população, o que leva, diretamente, à concepção assistencialista – em uma perspectiva semelhante à de políticas compensatórias. Essa visão é, também, muito reforçada pelo entendimento de que, tratando-se de uma universidade pública, mantida pela população, e sendo seus alunos beneficiários dessa situação, seria, no mínimo, uma obrigação a retribuição social, preferencialmente voluntária, pelos estudantes e servidores.

Outro viés implícito nesse conceito é o que pretende identificar, nas ações e produtos de extensão, a afirmação de uma imagem de universidade socialmente comprometida, em um certo contexto de marketing, alardeando responsabilidade social. Na universidade pública, isso acontece, especialmente, em momentos de crise, quando se busca o apoio da população às demandas da instituição.

Outra redução do sentido da extensão consiste em limitá-la à prestação de serviços com o objetivo de captação de recursos – em assessorias e consultorias e em cursos de atualização, de qualificação técnica e profissional e de especialização.

Para a superação dessas limitadas concepções, a extensão tem de atender a diretrizes que possam estar visíveis em cada uma de suas ações e na produção acadêmica que delas derivem. A primeira diretriz é a de que ações de extensão se caracterizem pelo impacto, pela possibilidade da construção e da transformação, e ultrapassem o predomínio de ações pontuais e limitadas, mesmo com efeitos positivos. Para tanto, as intervenções terão de ser organizadas tendo como referência as crises e os problemas maiores da sociedade, identificados, estudados e transformados em agenda para ações estratégicas.

Assim, a extensão terá de estar, deliberadamente, voltada para os interesses e necessidades da maioria da população, aliada a movimentos sociais na superação de desigualdades e exclusão. Em outras palavras, a extensão universitária não deve ser vista apenas como instrumento de mudança, considerados os problemas sociais, mas também como retroalimentadora, para transformações na própria universidade.

VVlad Eugen Poenaru

Temas Do ponto de vista operacional, devem ser estabelecidas linhas de extensão correlacionadas a grandes temas – desenvolvimento urbano, desenvolvimento regional, terceira idade, educação continuada de gestores de profissionais de sistemas públicos, juventude, meio ambiente e, ainda, educação ambiental, desenvolvimento de sistemas sociais, entre outros.

Outra diretriz é a de uma extensão universitária marcada, essencialmente, pela idéia da interação, em uma relação de diálogo universidade/sociedade, de dupla via, de benefícios mútuos, de construção de rede de interlocutores e implementadores. Essa interlocução deve contar com a participação de vários segmentos de uma sociedade que, mesmo ostentando inúmeras características de modernidade, ainda se mostra assimétrica e desequilibrada do ponto de vista da distribuição da riqueza e dos benefícios sociais. Juntamente com esses segmentos “excluídos”, a universidade pode construir um pacto pelo desenvolvimento, pela justiça e pela eqüidade. A extensão é um espaço para se ouvirem as demandas da sociedade e para se articularem, politicamente, pessoas e organizações.

Isso compreendido, pode-se passar à terceira diretriz, que diz respeito à necessária articulação intersetorial, interprofissional e interdisciplinar, não só pela dimensão, complexidade e diversidade dos problemas a serem trabalhados, mas também pelo indispensável aporte de conceitos, modelos e metodologias que se constituam olhares complementares e diferenciada afirmação de compromissos.

Essas diretrizes – impacto, diálogo e interdisciplinaridade – podem orientar vários tipos de organizações sociais. Em se considerando, porém, a missão de uma instituição de ensino superior, é preciso, sempre, lembrar que a extensão tem nome e sobrenome – extensão universitária. E esse sobrenome só se justifica se os processos de interação – sociais, tecnológicos, artísticos, culturais – estiverem indissociáveis do processo de ensino e de pesquisa.

Dimensões Os novos e qualificados modelos, metodologias e produtos gerados passam, com a extensão, pela aplicação social, não em uma vertente da validação do conhecimento, mas na incorporação do sentido estético da construção da qualidade de vida, do bem, da justiça, do saber, de sua recepção e utilização pela sociedade. O conhecimento é valorizado, então, como processo de verticalização – alta qualidade – e de horizontalização – alta pertinência – do próprio conhecimento.

Sendo universitária, não se pode admitir extensão sem a presença do aluno – seja de graduação, seja de pós-graduação – e é obrigatório que essa participação constitua parte do seu processo de formação; uma formação, tanto dos alunos da instituição, quanto de outras pessoas que atuem em programas e projetos de extensão, que privilegie cenários e contextos, mais do que conteúdos; que atenda à opção curricular do aluno e que se constitua como momento essencial de sua preparação técnica e profissional, como oportunidade de flexibilização de seu percurso acadêmico, preferencialmente com integralização curricular.

Fala-se, assim, de um processo educacional em que desenhos inovadores de aprendizagem sejam praticados, rompendo e superando conceitos tradicionais de disciplina, sala de aula, grade curricular, carga horária, controle acadêmico e avaliação como verificação de aprendizagem e de freqüência mínima. Tomada a realidade como cenário – campo de ação e de estudo –, o tempo de dedicação é definido pela interação e pactuação e a avaliação é articulada ao processo de construção. O eixo pedagógico tradicional professor/aluno é deslocado para o eixo aluno/sociedade, retomando-se a idéia do protagonismo da juventude.

Na extensão, também se reforça o papel do professor como co-participante, educador, orientador, tutor e pedagogo – vale a pena revisitar a etimologia dessas palavras. E a certeza, dada pelo dia-a-dia, da existência de uma rede efetiva de educadores, em que todos são educandos. A indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, o impacto, o diálogo e a interdisciplinaridade são princípios expressos que estruturam essas relações pedagógicas.

Direitos e deveres Essa formação implica, pois, a dimensão de cidadania. Direitos e deveres devem permear todas as atividades da extensão universitária. A participação em programas e projetos de extensão deve ser marcada como grandes momentos de vivência pessoal, de reflexão sobre visões do mundo, de metodologia participativa e de pesquisa/ação, assim também de aprendizado de conhecimento e do relacionamento com pessoas, meio ambiente, organizações e movimentos sociais, políticas públicas, empresas e governo, da aplicação do participar como forma de distribuir o poder.

A temática é ampla – direitos de grupos sociais, ações afirmativas, erradicação do trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, difusão de ciência e tecnologia, transferência e capacitação tecnológica, mídias comunitárias, educação de jovens e adultos, cultura e arte – e nela se incluem temas mais recentemente reafirmados. Entre eles, acesso ao sistema educacional, inclusive à universidade, projetos socioeducacionais de extensão como formas de permanência, eventos e cursos de extensão como ampliação de oportunidades de capacitação, qualificação e educação continuada.

A prestação de serviços deve atender a demandas sociais, culturais e tecnológicas, garantindo-se a natureza acadêmica e institucional mediante assessorias, consultorias e curadorias. A prestação institucional de serviços deve ser valorizada, apoiada, e cada vez mais reforçada a sua integração com o ensino e a pesquisa, assim como o seu compromisso com a sociedade – aí estão os exemplos de redes de museus e espaços de ciência e tecnologia; de sistemas de bibliotecas; de espaços culturais; de laboratórios de análise de solos, de conservação e recuperação de bens culturais; de hospitais, ambulatórios e clínicas universitárias.

Assim se constrói a indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão, a dimensão transformadora, a vivência cidadã no cenário real de nossos tempos, na prática da diversidade e da complexidade. Buscando sempre cumprir as diretrizes enunciadas, pode-se confirmar o conceito de extensão, definida no Regimento da UFMG como “atividade acadêmica identificada com os fins da universidade, processo educativo, cultural e científico, articulado com o ensino e a pesquisa, de forma indissociável, ampliando a relação entre a Universidade e outros setores da sociedade” .

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