Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 3 - nº. 8 - outubro de 2005

Editorial

Entrevista
Boaventura de Sousa Santos

Ações afirmativas

Mais perto da justiça social

Um conceito em evolução
Newton Bignotto

Pólos de Cidadania

Cidadãos de fato e de direito

A cidadania como possibilidade
Márcio Simeone

Medicação

Antídoto para a “empurroterapia”

Farmácia, medicamento e saúde pública
Edson Perini

Conhecimento

A ciência onde o povo está

A divulgação científica
como instrumento de cidadania Ramayana Gazzinelli

Cultura

Livros a mancheias

Extensão e universidade cidadã
Edison José Corrêa

Idosos

Anjos da guarda da terceira idade

Mais velho, Brasil quer ser mais cidadão
José Alberto Magno da Fonseca

Enfermagem

A dor e a alegria de ser Maria

Diversa

Expediente

 

 

artigo

Mais velho, Brasil quer ser mais cidadão

José Alberto Magno de Carvalho
Professor do departamento de Demografia, pesquisador e atual diretor do Cedeplar-Face/UFMG

Há envelhecimento populacional sempre que a população idosa – normalmente entendida como aquela com idade acima de 60 ou 65 anos – aumenta, como proporção da população total.

Contrariamente ao que indica o senso comum, não é, em geral, a queda da mortalidade – aumento da longevidade – que causa o aumento da proporção de idosos em uma população. Historicamente, o declínio da mortalidade deu-se, principalmente, nas faixas etárias infantis e de jovens, o que levou a um rejuvenescimento das populações. O efeito desse rejuvenescimento sobre a estrutura etária foi semelhante ao de um aumento da fecundidade. Isso pode ser evidenciado, no caso brasileiro, ao se examinarem as pirâmides etárias de 1940 a 1970. Apresentam estruturas praticamente constantes, apesar da esperança de vida ao nascer ter aumentado, no período, de 41 anos para 56 anos.

O declínio da mortalidade só contribuirá para o envelhecimento populacional quando se concentrar nas idades acima de 50 anos, fenômeno que está sendo observado, recentemente, nas populações do Primeiro Mundo e, ao que parece, também no Brasil.

A causa principal, basicamente única, do envelhecimento das populações dos países do Primeiro Mundo foi o declínio da fecundidade. Há poucas décadas, constituíam-se nos únicos exemplos documentados desses fenômenos. A todos causavam surpresa tanto a rapidez da queda da fecundidade quanto a velocidade do envelhecimento daquelas populações.

A título de exemplo, o início do declínio sustentado da fecundidade na Inglaterra deu-se por volta de 1870. Foram necessários cem anos, até 1970, para que a taxa de fecundidade total (TFT)1 caísse 58%. No Brasil, a TFT declinou 60% em apenas 30 anos – entre 1970 e 2000. Como a Inglaterra, ao começar o processo de queda sustentada, tinha um nível menor de fecundidade – TFT de 5,3, em 1870, frente aos 5,8 do Brasil, em 1970 –, sua população, nesse momento inicial (1870), possuía uma proporção de pessoas acima de 60 anos (7,4%) maior que a do Brasil (5,1%) no início da transição da fecundidade (1970).

Dado que o exemplo inglês espelha bem o ocorrido nos países desenvolvidos – principalmente os da Europa Ocidental –, que também experimentaram declínio mais lento da fecundidade, pode-se afirmar que o envelhecimento da população brasileira se dará, inexoravelmente, em ritmo significativamente mais rápido que o observado no Primeiro Mundo. Há de se notar que lá as sociedades, antes do início do declínio da fecundidade, se haviam adequado à convivência com uma maior proporção de idosos e que os processos de envelhecimento e de desenvolvimento econômico ocorreram simultaneamente.

Vlad Eugen Poenaru

Se os níveis de fecundidade e mortalidade – conjuntos de taxas específicas, por idade, de fecundidade e de mortalidade – observados em 2000, no Brasil, permanecerem constantes nas próximas décadas e na ausência de fluxos migratórios internacionais, a população brasileira tenderá, necessariamente, a se estabilizar, caracterizando-se por estrutura etária e taxa de crescimento constantes2. Essa situação será alcançada em, aproximadamente, 50 anos. Até lá, a estrutura etária brasileira estará em transição (processo de envelhecimento) e as taxas correntes de crescimento da população serão rapidamente decrescentes.

A tabela 1 apresenta a distribuição proporcional, por grandes grupos etários, da população brasileira em 1970 e em 2000, assim como a da estável a ser alcançada, por volta de 2045, se permanecerem constantes a fecundidade e a mortalidade do ano 2000.

Torna-se evidente a grande mudança já ocorrida durante as últimas três décadas do século passado, com enorme queda do peso relativo da população jovem – de 42% para, aproximadamente, 30% – e significativo aumento da idosa – de 5% para pouco abaixo de 9%. Inevitavelmente, a não ser que se admita a hipótese implausível de recuperação do nível de fecundidade, a proporção de jovens tenderá a se estabilizar em torno de 22% e a de idosos, ao redor de 19%. Em um período de, aproximadamente, 50 anos, a proporção de jovens deverá crescer em, pelo menos, 25% e a de idosos, aumentar em, no mínimo, 125%.

Na verdade, o peso relativo de jovens na população estável, apresentado na tabela 1, dever ser considerado um limite máximo e o de idosos, um limite mínimo, pois a fecundidade no país continuará a cair, principalmente no Norte e no Nordeste, onde seu nível ainda é superior ao das demais regiões, e deverá ocorrer, também, declínio de mortalidade nas idades avançadas.

A rápida mudança do padrão demográfico constitui, sem dúvida, uma das mais importantes (se não a mais importante) transformações da sociedade brasileira nas últimas décadas, com conseqüências em todos os setores, tanto públicos quanto privados.

Atendo-se apenas às mudanças na estrutura etária, claramente elas proporcionam à sociedade brasileira grandes oportunidades e enormes desafios. O significativo declínio da proporção de crianças e jovens3 oferece uma oportunidade única de investimento público nesse segmento da população, que já vem crescendo a taxas muito pequenas, às vezes negativas4 . As oportunidades são óbvias nas áreas de saúde, nutrição e, principalmente, educação. Parte dessas oportunidades já foram perdidas. Se, por um lado, tem havido sensível melhoria de cobertura das políticas públicas nessas áreas, em boa parte devido à desaceleração do crescimento da demanda – e não apenas a políticas deliberadas do setor público como se tenta fazer crer –, por outro, muito pouco tem-se feito em termos de qualidade. A área educacional, em geral, é um exemplo melancólico dessa assertiva.

Aproveitar as oportunidades geradas pela diminuição do peso da população jovem deveria fazer parte da estratégia nacional para enfrentar os desafios postos por essa transformação demográfica, principalmente por aqueles causados pelo rápido envelhecimento populacional. São as crianças e jovens de hoje que, nas próximas décadas, estarão na população ativa, a que caberá gerar recursos para a sustentação, em níveis dignos, da crescente proporção da população idosa.

Por outro lado, a sociedade brasileira já teria de estar se preparando para conviver com a crescente proporção de idosos. Para isso, é necessário repensar e redefinir uma série de políticas públicas, bem como os instrumentos para sua implementação, principalmente nas áreas de saúde e previdência.

Nas próximas décadas, a trajetória da população brasileira, em termos de volume e distribuição etária, já estará praticamente definida, com margem muito pequena de erro. As oportunidades, a maioria delas passageiras, não geram, automaticamente, efeitos positivos; têm de ser aproveitadas! Os desafios, quase todos permanentes, têm de ser enfrentados. Umas e outros são umbilicalmente ligados, por isso têm de ser considerados em seu conjunto. Se assim se fizesse, provavelmente se teria uma boa base para pensar e definir um projeto de nação!

Tabela 1

Brasil: Distribuição etária proporcional (%), por grandes grupos etários, da população enumerada em 1970 e 2000 e da população estável (2000)*

Grupo etário 1970 2000 estável 2000*
0 - 14 42,1 29,6 22,2
15 - 59 52,8 61,8 58,5
60 e mais 5,1 8,6 19,3
Total 100,0 100,0 100,0

* Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970 e 2000; Carvalho e Garcia, 2003

1. Número médio de nascidos vivos, por mulher de uma coorte hipotética, submetida às taxas específicas de fecundidade, por idade, observadas em um determinado ano.
2. Como a TFT, em 2000, era de 2,3 filhos por mulher, a taxa intrínseca de crescimento da população brasileira – a da estável – será levemente superior a zero. Se o nível da fecundidade continuar a cair, como é praticamente certo, e a TFT passar a ser menor que 2,1, a nova taxa intrínseca será negativa.
3. A população abaixo de 30 anos, em 2000, era menor – em 35 milhões de pessoas – que aquela projetada pelo IBGE, em 1973, para esse mesmo ano.
4. O declínio da fecundidade foi tão rápido que, em 2000, na população abaixo de 20 anos, o número de pessoas nos grupos etários qüinqüenais mais jovens era menor que no grupo etário imediatamente mais velho – entrada na base da pirâmide etária.

Diversa - Revista da Universidade Federal de Minas Gerais - Ano 3 - nº. 8 - outubro de 2005