UFMG debate acordo entre União, Minas Gerais, Espírito Santo e empresas envolvidas em rompimento de barragem

Publico lotou a Sala de Sessões da Reitoria, campus Pampulha da UFMG, para acompanhar as tratativas do acordo histórico | Foto: Zirlene Lemos

No dia 13 de junho de 2016, professores, estudantes e colaboradores da UFMG, da UFOP e de outras instituições e representantes de entidades e movimentos sociais participaram de debate público que discutiu o acordo assinado em março pela União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo e empresas envolvidas no rompimento da barragem do Fundão, em Mariana. O objetivo foi debater formas de recuperação do meio ambiente e das condições sócio econômicas da região. Os preletores foram o professor Onofre Alves Batista Jr, da Faculdade de Direito da UFMG e advogado Geral do Estado de MG e Edmundo Antônio Dias, procurador do Ministério Público Federal e a mediação foi feita pela pró-reitora adjunta de Extensão da UFMG, Claudia Mayorga. A proposição do debate foi realizada pelo programa Participa UFMG, a partir de iniciativa da Clínica de Direitos Humanos da UFMG, iniciativa de interface extensão, ensino e pesquisa.

Mayorga explicou que, desde o rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015, vem coordenando reuniões de vários grupos de extensão, ensino e pesquisa que se mobilizaram para atuar junto a população atingida. “Institucionalmente a UFMG propôs o programa Participa UFMG Mariana-Rio Doce com o objetivo de reunir esse conjunto de ações desenvolvidas junto à localidade que envolve várias questões vinculadas aos desastre, buscando fomentar espaços de debate, de encontro de construção do conhecimento sobre essa situação que é complexa e envolve atores diversos, exigindo cuidado e análises contínuas e profundas sob aspectos econômicos, materiais, da saúde, sócio-ambientais e de mineração, entre outros”, esclareceu.

Negociação

O advogado Geral do Estado de MG, Onofre Alves Batista Jr., expôs uma série de acontecimentos que culminaram na assinatura do acordo e justificou a agilidade nas negociações. “ Optamos por uma solução ágil, com defeitos pela sua agilidade de quatro meses para se formatar, mas propondo uma solução que desse uma resposta rápida às partes. É uma proposta que não agrada a muitos, agrada a outros, controversa mas não definitiva, na medida que é um ‘colchão uno’ a partir do qual se dá uma resposta mais imediata para a questão com valores estimados em R$26 bilhões de reais”, explicou.

Os argumentos foram no entanto, refutados pelo procurador do Ministério Público Federal (MPF) Edmundo Antônio Dias. Segundo o procurador o o MPF entende que os 26 bilhões não teriam base em um estudo pericial abrangente que em realidade até hoje não existe, até porque os danos ocasionados pelo desastre tecnológico, não contemplaram outras dimensões, como os de natureza espiritual, reivindicado pelos Krenak, pois o Rio Doce é seu local de realização de rituais”. O promotor explicou ainda que há variação no acordo proposto de 26 bilhões de reais podendo ser de 30% acima ou abaixo, demonstrando percentuais que poderiam beneficiar as empresas envolvidas, de acordo com cálculos matemáticos. Ao final de sua explanação as estimativas de valores do MPF alcançam cerca de R$155 bilhões de reais.

Outro ponto agravante citado pelo promotor foram questões de saúde enfrentadas pela população de Barra Longa, um dos municípios afetados pela lama. “No ano passado, em Barra Longa, registrou-se 1 caso de dengue, hoje há um surto epidêmico. Segundo os moradores em março desse ano havia 158 casos, um mês depois mais de 400, num município com 5.800 habitantes, estamos diante, muito provavelmente, da maior concentração de dengue em todo o País”, lamenta.

Indenização versus reparação

A coordenadora da Clínica de Direitos Humanos, Camila Nicácio sugeriu que o debate não se restringisse à discussão de valores. “Se são 26 bilhões, ou 155 é preciso ir mais além do econômico quando se trabalha com mediação de conflitos, uma das primeiras lições é a responsabilidade de separar ‘indenizar’ de ‘reparar’, porque reparar impõe o direito ao reconhecimento, a palavra, a expressão da dor, da ofensa e o direito a palavra, nesse momento é algo que minimamente restabelece um pouco desse equilíbrio”.

Shirley Djukurnã Krenak, representante da comunidade tradicional indígena. Imagem: TV/UFMG

Shirley Djukurnã Krenak, representante da comunidade tradicional indígena. Imagem: TV/UFMG

A opinião foi endossada pela representante dos povos tradicionais Shirley Djukurnã Krenak. “Nós não concordamos com nada que está no acordo porque ele não foi feito para as populações que foram atingidas, nem os indígenas, nem os quilombolas, nem os povos tradicionais, nem as populações ribeirinhas, foi feito para o próprio governo e para a empresa. Nós não vamos aceitar esse acordo porque ele foi construído totalmente fora da nossa cultura, da nossa linhagem de pensamento, fora de tudo. O que a gente esta querendo é ser ouvido e que sejam trazidas propostas de trabalho plausíveis dentro da nossa comunidade, que possa resolver o problema daquele local e não tronar esse problema maior. Somos conhecidos como os ‘Krenak do Rio Doce’ mas se não tiver Rio Doce, como é que nos vamos ser reconhecidos?”.

O coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, também criticou o acordo. “O acordo até tem intenções positivas, mas a amarração técnica permite a empresa envolvida um grande poder sobre a condução e interferência no processo. O papel do Estado devia ser de proteção aos atingidos e não de subserviência a empresa como está colocado no acordo. Esse documento está construído não para resolver a questão social e ambiental mas para garantir a muitas empresas especializadas e intermediarias ganhar dinheiro na recuperação ambiental às custas dos atingidos. O valor em si não é a questão se a lógica for para empresas se apoderarem disso, como historicamente acontece no país”.

Ao final do evento o MAB entregou aos organizadores do evento um documento com uma série de considerações do MAB sobre o acordo.