Ir para o menu Ir para o conteúdo

UFMG Diversa

Revista da Universidade Federal de Minas Gerais

Ano 8 - nº 17 - agosto de 2009 Cidades

Artigo

Metamorfose ambulante

Heloisa Soares de Moura Costa
Professora do Departamento de Geografia do IGC/UFMG, arquiteta-urbanista e pesquisadora do CNPq

Uma afirmação comum e recorrente na mídia é a de que os centros de nossas cidades estão cada vez mais esvaziados e abandonados. Essa afirmação simples remete a um conjunto complexo de questões, algumas das quais brevemente apontadas aqui, tomando Belo Horizonte como referência.

Inicialmente, o esvaziamento. Dificilmente podemos pensar o Centro de Belo Horizonte como vazio, há um turbilhão de pessoas circulando por ele durante todo o dia e diversas atividades velhas e crescentemente novas também lá instaladas. O Centro de Belo Horizonte continua sendo, diferentemente de algumas outras cidades, local de passagem de vários fluxos viários tanto de circulação regional como aqueles que proveem de acesso a serviços específicos, a exemplo da região hospitalar, que atende a população de toda a Região Metropolitana e de grande parte do estado.

Há também um número muito grande de pessoas morando no Centro, o que contribui para manter seu caráter vivo e dar diversidade às atividades que lá se encontram. Aparentemente há demanda crescente por moradias no Centro, como já vem acontecendo em várias cidades por todo o mundo, comprovando a existência de uma nova demanda habitacional, ainda pouco estudada entre nós, em busca de acessibilidade fácil aos serviços, ao comércio, à cultura, ao lazer, enfim, à cidade.

O abandono é seletivo, já que não se trata de esvaziamento, mas de popularização. O Centro, em princípio patrimônio de todos, vem perdendo seu atributo de fazer convergir a diversidade da vida urbana. O “Centro elegante” dos magazins e footings permanece na literatura de época sobre a cidade e, de fato, caracterizou um momento de constituição das metrópoles brasileiras em que as elites também o frequentavam. A crescente formação de novas centralidades de comércio e serviços em regiões centrais e periféricas vem caracterizando a expansão da metrópole há várias décadas, entretanto com diferentes visibilidades e traduzindo uma diversidade de processos.

Luciano Baêta Luciano Baêta

Subcentro

O mais emblemático, visível e estudado refere-se à formação de subcentros para os quais convergiram o antigo “comércio elegante” e os novos serviços produtivos e financeiros, materializados espacialmente tanto em antigas áreas residenciais renovadas pela associação da atividade imobiliária com a modernização da legislação urbanística, como na implementação de equipamentos exclusivos para este fim, como os shopping centers. No primeiro caso, temos como exemplos a metamorfose da região da Savassi e, mais recentemente, Lourdes e Cidade Jardim, cujos territórios foram significativamente ampliados para englobar e fazer desaparecer áreas e bairros com nomes menos glamourosos – Funcionários e Coração de Jesus, entre outros – redefinidos pela semântica do valor de troca.

Não são processos uniformes e clamam por mais estudos que aprofundem nossa compreensão do papel da produção do espaço na dinâmica de reprodução ampliada do capital. A Savassi é talvez um exemplo emblemático de ondas de ascensão, queda, reinvestimento e renovação de valor, provocadas por mecanismos como as parcerias público-privadas, originalmente, e ironicamente, um instrumento pensado no âmbito do movimento nacional pela reforma urbana que visava estimular a propriedade a cumprir sua função social.

No segundo caso observa-se também uma gradual modificação na concepção dos shopping centers, de enclave urbano em que a acessibilidade viária era o principal determinante da localização à aparente contradição do shopping center no centro da cidade – no qual curiosamente a atividade “âncora” é a própria cidade e não uma loja de departamentos ou um grande supermercado –, passando pelos centros comerciais de bairro cada vez mais disseminados e pelos shoppings que recuperam a linguagem das galerias comerciais típicas da virada do século 19 para o 20, redefinindo suas relações com a parte da cidade na qual se inserem. Estes últimos modelos têm sido adotados também nas novas centralidades produzidas no âmbito dos crescentes e complexos empreendimentos imobiliários que constituem a forma atual de produção da periferia metropolitana direcionada para o consumo dos segmentos de rendas média e alta.

Ilusão

A existência projetada ou real dessas novas centralidades tem contribuído para alimentar a ilusão de que tais empreendimentos substituem a complexidade da cidade, ao oferecer alguma acessibilidade a comércio e serviços. Embora a realidade seja outra – na qual a necessidade de deslocamentos diários para trabalho, estudo, compras, cultura etc. e a necessidade de ampliação do sistema viário baseado na matriz social e ambientalmente perversa do transporte individual rodoviário se retroalimentam incessantemente –, a retórica da fuga do Centro e da constituição de uma forma alternativa de moradia é poderosa e constitui elemento fundamental para alavancar o consumo dos novos produtos imobiliários que caracterizam a expansão formal da metrópole para diversas direções.

Menos visíveis, mas igualmente importantes em termos econômicos e sociais, são as novas centralidades da periferia tradicional, ou seja, aquela periferia fruto da atuação do poder público na produção de conjuntos habitacionais, dos capitais privados investidos em loteamentos populares e da atuação cotidiana dos moradores na construção dos seus espaços de moradia na cidade. Ainda muito pouco estudadas em termos de suas diversas dimensões, tais centralidades são portadoras de uma aposta num futuro menos desigual, seja como subcentros que trazem para mais perto do conjunto da população as atividades de comércio e serviços públicos e privados, elementos indispensáveis da cidadania, seja por sua importância como geradoras de trabalho e renda na periferia, também contribuindo para a redução dos deslocamentos e dos preciosos tempo e recursos gastos nos mesmos. Subcentros como Barreiro, Venda Nova ou São Benedito são exemplos de vitalidade econômica há muito conhecida das cadeias de comércio varejista, das lojas de eletrodomésticos, dos cursinhos pré-vestibulares, do ensino superior privado, das redes de drogarias e de fast food, entre outras atividades de consumo produtivo.

Muito menos expressivos, às vezes inexistentes, são os equipamentos ligados à cultura, a serviços mais sofisticados ou ao lazer, elementos fundamentais do direito à cidade. O acesso a tais equipamentos pela população moradora dessas periferias em princípio se faz quase que somente no centro da cidade, a exemplo do uso intensivo do Parque Municipal nos domingos e feriados, ainda assim muitas vezes inviabilizado pelos elevados custos de transporte familiar. Nessa perspectiva, o incentivo ao fortalecimento das centralidades periféricas – serviços, equipamentos culturais e de lazer – e o estímulo à habitação são dimensões diferentes da mesma questão: o direito à cidade.

Voltar para o início da página

Revista Diversa nº 17
Site produzido pelo Núcleo Web do Centro de Comunicação da UFMG

Tamanho do texto: A- A+