Medidas tomadas durante a pandemia favoreceram permanência de estudantes na UFMG

A combinação de medidas de gestão acadêmica adotadas durante a vigência do ensino remoto – flexibilização dos critérios para matrícula, das normas de trancamento parcial e total das atividades acadêmicas curriculares nos cursos de graduação presenciais e suspensão do desligamento de estudantes por infrequência – com ações de assistência estudantil, principalmente aquelas voltadas para a inclusão digital, foi decisiva para garantir a permanência dos estudantes da UFMG no auge da crise sanitária provocada pela pandemia de covid-19.

É o que revela relatório produzido pela Pró-reitoria de Graduação (Prograd), que analisou as ocorrências de trancamento de matrícula e a perda do vínculo com a Universidade no período de 2014 a 2021. O documento também permite analisar, com recortes de gênero, idade, modalidade de ingresso, entre outros, fatores como o número médio de estudantes que efetuam trancamento parcial ou total de matrícula a cada período letivo e o percentual de estudantes que solicitam desistência formal ou são desligados automaticamente a cada semestre, nos termos do artigo 87 das Normas Gerais de Graduação.

Em 2020, ano de eclosão da pandemia, o percentual de estudantes com vínculo inativo na universidade oscilou de 4,4%, no primeiro semestre, para 4,7%, no segundo semestre. Em 2021, o percentual havia sido de 3,2% e 4,5%, respectivamente. Para efeito de comparação, em 2019, ano em que foram implementadas as novas Normas Gerais de Graduação, as mesmas taxas semestrais oscilaram no patamar de 7,8% e 7,7%.

Vínculo inativo na UFMG (linha azul) manteve-se estável ao longo da pandemia, com queda observada no primeiro semestre de 2021. (Setor de Estatística da Prograd | Adaptação Núcleo Web Cedecom UFMG)

O vínculo inativo está relacionado ao desligamento de estudantes da Universidade sem a conclusão do curso, inclusive de forma voluntária. Os percentuais de cada ocorrência referem-se ao total de matriculados em cada semestre nos cursos presenciais de graduação (na faixa de 32 a 33 mil no período analisado).

Com o início da pandemia e a adoção do ensino remoto e do ensino híbrido emergenciais, a Universidade adotou medidas como a possibilidade de trancamento total da matrícula ainda no primeiro período da graduação, sem necessidade de justificativa. O estudante também poderia fazer o trancamento parcial de disciplinas com prazo ampliado e sem ter que apresentar documentação comprobatória.

“A importância dessa análise foi avaliar que as flexibilizações aprovadas pelo Cepe [Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão] para a implantação do ensino remoto emergencial foram efetivas. Nosso objetivo era evitar que estudantes perdessem vínculo com a UFMG e permitir que cada um avaliasse a possibilidade de prosseguir ou não com os estudos durante a pandemia, facilitando os ritos para trancamento. Os estudantes dominaram e compreenderam essa flexibilização, e aqueles que avaliaram ser necessário fizeram uso dela”,  explica o pró-reitor de Graduação, Bruno Otávio Soares Teixeira.

Outras medidas que tiveram impacto positivo na permanência dos estudantes da UFMG foram a adaptação dos planos de trabalho do Programa de Monitoria de Graduação para o formato remoto e a implantação de novo programa de bolsas, o Programa para Desenvolvimento do Ensino de Graduação, idealizado para promover a qualidade e a inovação do processo de ensino-aprendizagem-avaliação, com a adoção de estratégias pedagógicas e ações para a redução da retenção, da evasão, do tempo de integralização e aumento do rendimento médio na graduação.

Trancamento

Durante a pandemia, as taxas de trancamento parcial e total de matrícula aumentaram. O trancamento parcial, ou seja, de ao menos uma atividade acadêmica curricular na qual o estudante estava matriculado naquele período letivo, atingiu o índice de 19,5% no primeiro semestre de 2021. No segundo semestre letivo do mesmo ano, esse percentual caiu para 16,7% após a adoção do regime de ensino híbrido emergencial e a retomada parcial das atividades presenciais.

Já o trancamento total, isto é, de todas as atividades acadêmicas curriculares em que o estudante estava matriculado em determinado período letivo durante a pandemia, atingiu o maior índice no segundo semestre de 2021, 9,4%.

“Ao longo da pandemia, percentualmente, quase dobrou o número de estudantes que solicitaram trancamento total. Uma das hipóteses para o trancamento total seria a exclusão digital do estudante, que poderia inviabilizar as atividades. Mas o que justificaria um aumento gradual? Antes de implantar o ensino remoto emergencial, a Universidade implantou uma política de inclusão digital. Quem teve acesso a algum equipamento, continuou a ter. É possível que tenha ocorrido um cansaço do mundo digital aliado às demais condições vividas na pandemia”, supõe a pró-reitora adjunta de Graduação, Maria José Flores.

Essa tese é reforçada pela análise das ocorrências de trancamento parcial, total e de vínculo inativo por área do conhecimento. As menores taxas de trancamento total foram observadas nos cursos da área da Saúde, que já contavam com atividades assistenciais ofertadas de forma presencial desde o final de 2020, conforme permitido pela legislação municipal. No segundo semestre letivo de 2021, por exemplo, o percentual era de 4,3%, enquanto o índice geral da UFMG era de 8,3%.

Embora, historicamente, a área da Saúde registre um dos menores índices de evasão, é possível inferir que a continuidade da oferta de atividades presenciais para os estudantes tenha exercido alguma influência. “Desde 2020, a Prefeitura de Belo Horizonte permitiu que esses estudantes realizassem atividades clínicas, especialmente estágios nos centros de saúde”, lembra Bruno Teixeira.

“Podemos pensar na importância da presencialidade para além da natureza da atividade didática realizada, teórica ou prática, dos recursos como um todo, que podem ser equipamentos, mas pode ser também o convívio com o outro”, analisa o pró-reitor. Segundo ele, esse aspecto reforça a hipótese da percepção dos estudantes em relação à importância da ocupação dos espaços dos campi nos processos de ensino-aprendizagem. Por outro lado, pondera Bruno Teixeira, o real impacto da pandemia na evasão de estudantes, por dificuldades socioeconômicas, entre outras razões, só poderá ser observado a partir do fim deste ano e ao longo de 2023.

Comportamento por modalidades

O relatório da Prograd mostra que não houve alteração significativa no comportamento de evasão e trancamento total ou parcial das atividades acadêmicas de acordo com a modalidade de ingresso de cada estudante. A exceção são as modalidades destinadas a pessoas com deficiência, implementadas na UFMG a partir do primeiro semestre de 2018. “Considerando o percentual de reserva de vagas, o número absoluto de estudantes com deficiência é relativamente pequeno. Portanto, percentualmente, qualquer mudança pode representar uma alteração significativa. Por isso, os gráficos oscilam muito”, explica o pró-reitor Bruno Teixeira.

A modalidade de ingresso 1, por sua vez, que abrange egressos de escolas públicas com renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo e autodeclarados pretos ou pardos, é considerada a mais vulnerável. No entanto, o percentual de estudantes dessa modalidade que apresentava vínculo inativo com a Universidade no último semestre de 2021 equivalia ao dos alunos que ingressaram por ampla concorrência (4,7%).

“Parte desses estudantes [da modalidade 1] faz uso da política de assistência estudantil da Universidade, que certamente exerce grande influência nos resultados que estamos observando. Obviamente, as dificuldades são maiores na permanência e, graças a essa política, não temos identificado diferenças tão significativas”, analisa Bruno Teixeira.

Ele ressalta que o relatório completo, que traz o detalhamento das ocorrências de trancamentos e vínculos inativos de cada curso de graduação, por área do conhecimento, possibilitará que todos os colegiados e departamentos tenham parâmetros de comparação com a Universidade como um todo e com outros cursos de áreas afins. “A ideia é que esses dados possibilitem o melhor planejamento do número de vagas que precisam ser ofertadas em cada uma das turmas para as atividades acadêmicas curriculares. Se mais pessoas optaram pelo trancamento total ou parcial, é necessário ofertar um número maior de vagas para evitar que haja um atraso significativo na conclusão de curso desses estudantes”, prevê.

Gênero e idade

Uma hipótese que havia sido levantada e acabou não se confirmando após a análise dos dados foi a de que o percentual de estudantes com vínculo inativo, durante a pandemia, seria maior entre as mulheres, em razão da dificuldade de conciliar a sobrecarga com tarefas domésticas, cuidado dos filhos e atividades de ensino remoto.

“Isso não aconteceu. A diferença entre homens e mulheres permaneceu constante. Houve redução dos vínculos inativos, para ambos os sexos, mas, assim como em todo o período analisado, o percentual de homens com matrícula inativa superou o de mulheres. No segundo semestre de 2021, enquanto o percentual de mulheres com vínculo inativo na Universidade era de 3,7%, o de homens era de 5,4%”, detalha a coordenadora do Setor de Estatística da Prograd, Luciana Gonçalves de Oliveira Gotelipe. Nos anos analisados, em média, 14,9% das estudantes do sexo feminino e 13,5% dos estudantes do sexo masculino formalizaram trancamento parcial de matrícula, e 4,9% e 6,3%, respectivamente, o trancamento total.

Com relação à idade, durante a pandemia, a faixa etária dos estudantes que solicitaram trancamento de matrícula ou se desligaram da universidade também não se alterou. “Os menores percentuais de trancamento parcial foram observados entre os estudantes de até 20 anos, que também apresentaram, juntamente com os discentes de 20 a 24 anos, percentuais menores de trancamento total e vínculo inativo. Já os estudantes com idade igual ou superior a 30 anos apresentaram maiores percentuais de trancamento total e vínculo inativo”, observa.

Luciana Gotelipe explica que a análise se diferencia de outros relatórios de trancamento e evasão já produzidos pela Prograd, uma vez que tais ocorrências eram observadas a partir do ano de ingresso de cada estudante e sua respectiva trajetória. Segundo ela, o novo relatório tem o diferencial de ser um “retrato” da situação a cada semestre. As informações foram extraídas em julho de 2022 do Armazém de Dados gerado pela Diretoria de Tecnologia da Informação (DTI).

O peso da assistência estudantil

Se, de um lado, as medidas de gestão acadêmica foram cruciais para garantir a permanência de estudantes, de outro, a política de assistência estudantil da UFMG também contribuiu para que o alunado que vive em condições desfavoráveis não se afastasse da vida acadêmica. “Como a pandemia gera sérios desdobramentos econômicos para as famílias, sabemos que houve casos de estudantes com dificuldades de retornar para Belo Horizonte e Montes Claros e vários outros casos de estudantes com dificuldades de conciliar seus estudos com atividades de trabalho, necessárias para manutenção deles e de suas famílias. Assim, a política de assistência estudantil da UFMG assumiu papel ainda mais determinante, em um preocupante cenário de cortes e bloqueios orçamentários sucessivos impostos às universidades públicas”, destaca a reitora Sandra Regina Goulart Almeida.

O corte orçamentário provocou significativo comprometimento da execução dos diversos programas de permanência de estudantes assistidos. Na tentativa de evitar a evasão da Universidade por falta de assistência, a UFMG aportou recursos próprios para recompor o orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes).

“Com a suspensão temporária das atividades acadêmicas, inclusive dos restaurantes universitários, a UFMG não só manteve as modalidades de auxílio a cerca de 8 mil estudantes como criou novos suportes materiais, a exemplo do auxílio financeiro complementar emergencial como medida de segurança alimentar, auxílio transporte emergencial, auxílio para aquisição de tecnologias assistivas por estudantes com deficiência, auxílio inclusão digital para estudantes indígenas, quilombolas e do campo”, enumera a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Licínia Maria Corrêa.

Gerida pela Prae, a política de inclusão digital foi determinante para viabilizar as condições de acesso ao Ensino Remoto Emergencial (ERE), adotado para a retomada das atividades acadêmicas. Somente em 2020, foram atendidos quase 6 mil estudantes da graduação, que receberam apoio financeiro para compra de notebooks, empréstimo de equipamentos e para contratação de pacotes de dados para acesso à internet. As moradias universitárias também tiveram seus serviços de internet sem fio reestruturados, alcançando mais de 1 mil residentes.

(Alessandra Ribeiro | Com Assessoria de Comunicação da Prograd)

Foto: Foca Lisboa/UFMG