Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 2 - 2003

Editorial

Entrevista
Humanidade inquieta
Ivan Domingues

Cidadania
Uma república a ser revelada

Artigo: Não caibo mais nas roupas em que eu cabia

Comunicação
A hora do Brasil

Artigo: Decifra-me ou...

Novas tecnologias
Com quantos bits se faz um coração?

Artigo: Tecnologia e suas metáforas

Saúde
Estética aplicada

Artigo: Ser contra o naufrágio

Especial
O caminho da democratização

Artigo: Muito além da reserva de vagas

Engenharia
Engrenagem perfeita

Artigo: A arte do possível

Cultura
Chá das cinco

Artigo: O desafio das diferenças

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

comunicação

A hora do Brasil

Profissionais e estudantes das áreas de Comunicação Social, Educação e Direito orientam o trabalho de quem tenta fazer comunicação comunitária

Denise Miranda

“A voz de quem ouvia” é apenas o slogan de uma rádio comunitária no Rio Grande do Sul, mas poderia ser usado como lema de todas as outras no País, que trabalham para fazer ecoar a opinião de quem dificilmente tem oportunidade de expressar-se.

Força viva na sociedade brasileira, as rádios comunitárias proliferam à revelia da lei, travam uma batalha constante com os governos e as rádios comerciais, abrigam, muitas vezes, interesses nada comunitários e carecem de profissionalização. A despeito dos problemas e da total falta de organização do setor, em grande parte clandestino, elas provam que o sonho dourado da democratização da informação não precisa de muito aparato para ser realizado.

Foco de um projeto do departamento de Comunicação Social da UFMG, as rádios comunitárias usufruem de programas de capacitação, enquanto estudantes e professores têm a chance valiosa de convivência com um meio de comu-nicação bastante diverso. Coordenador do Programa de Apoio, Capacitação e Melhoria das Rádios Comunitárias da Região Metropolitana, o professor Valdir de Castro Oliveira lembra que, nos últimos anos, as rádios comunitárias avançaram por todo o País, tornando-se realmente um setor expressivo da comunicação.

O Programa oferece oportunidade para as rádios e, especialmente, para os estudantes e professores, que passam a ter um campo de pesquisa e atuação muito fértil. A presença da UFMG nas rádios comunitárias abrange desde a programação, o modo de fazer, até a discussão sobre a participação popular, a importância dos movimentos sociais e o acesso à informação.

Nas oficinas, alunos e professores orientam sobre a inclusão de informação jornalística na grade de programação e, para isso, capacitam os executores, por exemplo, quanto ao formato dos programas e quanto à redação de uma notícia. O professor Wemerson de Amorim, da Faculdade de Educação e antigo colaborador de rádios comunitárias, estimula os agentes das emissoras a formar um elo, explicitado na programação, entre comunicação e educação.

Denise Miranda

Amorim participou de oficinas oferecidas a representantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), ambas realizadas no ano passado, a pedido das próprias entidades. Segundo o professor da Faculdade de Educação, os movimentos sociais buscam, neste momento, uma maior qualificação para que possam ampliar o diálogo com o seu próprio grupo, com a sociedade e com os governos. É muito interessante, diz Amorim, que esses movimentos encontrem, na Universidade, o preparo adequado.

De acordo com Érika Dutra Chiari, aluna do sétimo período de Jornalismo e bolsista do projeto, foi “gratificante” integrar a oficina que preparou os membros do MST, atuantes em acampamentos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Os sem-terra, avalia Érika, demonstraram a necessidade de contar com um instrumento de comunicação que aproximasse o grupo e também a preocupação com uma melhor forma de executar projetos nesse sentido. O projeto da Comunicação deu margem a diferentes pesquisas sobre mídias comunitárias na Capital e em outras cidades mineiras, como Lagoa Santa, Caparaó e Alto Caparaó.

Mantida no ar, no bairro Jardim Vitória, por um grupo de deficientes físicos, a Rádio Constelação é, segundo Érika, muito organizada e cumpre bem seu papel de interlocução com a comunidade. A Constelação, objeto de pesquisa da estudante, foi criada há três anos, por Roberto Emanuel da Silva e Raimundo Aniceto da Silva, dois alunos do Instituto São Rafael. No ano passado, a estação sofreu uma tentativa de fechamento (ela não possui outorga de funcionamento), abortada com a ajuda do programa Pólos Reprodutores de Cidadania, da Faculdade de Direito da UFMG, que auxilia movimentos sociais organizados ou em organização.

Proteger as rádios comunitárias da interferência tantas vezes ilegal da Polícia é também uma preocupação do projeto. O professor Oliveira lembra que existem controvérsias jurídicas envolvendo as emissoras comunitárias, entre elas uma interpretação de que os municípios têm autonomia para regulamentar as rádios. “Quase todas elas já foram fechadas alguma vez. O que fazemos é chamar a atenção para as normas que têm de ser seguidas pela própria Polícia, que chega sempre disposta a lacrar e a levar o transmissor”, ressalta. A proteção do equipamento é fundamental para essas emissoras, porque a maioria não tem como comprá-lo pela segunda vez.

Denise Miranda

A aquisição dos equipamentos da Constelação, conta Roberto Emanuel, não foi fácil, assim como a manutenção da rádio nesses anos. Para sobreviver, a estação do Jardim Vitória (que é ouvida bem além das fronteiras do bairro) corre atrás de apoios culturais, pedágios em sinais de trânsito e oferece um curso de informática na sua sede. “A parada aqui é meio complicada”, diz Roberto Emanuel, garantindo que a rádio não aceita qualquer interferência política ou comercial nos programas. “Temos o serviço voltado mesmo para a população”, garante. A programação, que inclui muita música (essa é uma característica de quase todas as rádios comunitárias) está utilizando, esporadicamente, material jornalístico produzido pelos alunos da Comunicação da UFMG.

Uma agência de notícias e de produção de programas jornalísticos para as rádios comunitárias é uma idéia que está sendo estudada. Entretanto, no ano passado, os alunos já produziram oito programas para as rádios Constelação e União (esta última atua no Aglomerado da Serra, em parceria com a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraco), além de 44 programas radiofônicos semanais, com duas horas de duração cada um, para a Rádio Inter-FM. “Mas não damos conta de mandar o material para todas as rádios com que mantemos contato”, admite Valdir de Castro Oliveira.

As rádios comunitárias expressam a carência das comunidades em que atuam. Não têm estrutura nem dinheiro para, por exemplo, gastar com bobinas de fax ou para contratar um provedor de Internet, pelo qual pudessem receber os programas produzidos pela UFMG. Com isso, as rádios ficam, também, sujeitas à disponibilidade dos envolvidos em entregar fitas ou material jornalístico.

O músico e compositor Leci Strada, fundador da Rádio Inter-FM, em Brumadinho, na Região Metropolitana, afirma que “as rádios comunitárias são o futuro da comunicação no País”, e ressalta que, com elas, a possibilidade de regionalização, com a valorização das culturas locais, é real. Leci Strada também acredita na força das emissoras comunitárias como laboratório para futuros profissionais e para treinar pessoas da própria comunidade. “A parceria com a Universidade não é regular nem oficial, mas ela mostra que as comunitárias podem criar uma rede de solidariedade”, argumenta o músico.

Denise Miranda

Em Caparaó e Alto Caparaó, a UFMG também preparou pessoas das comunidades para atuar na área de comunicação. Como parte do Projeto de Educação Ambiental em Caparaó, desenvolvido, na região, pelo Colégio Técnico (Coltec), alunos de Jornalismo formularam, com estudantes de escolas públicas locais, propostas para um jornal comunitário (foram feitas duas edições) e também realizaram uma oficina de capacitação para os integrantes de rádios comunitárias, com 22 participantes. “Eles mesmos apresentaram a demanda”, relata Simone Ribeiro, aluna do oitavo período de Jornalismo. Ela conta que a oficina abriu um leque de possibilidades, antes desconsiderado pelos participantes nas programações. “O jornalismo para eles estava em segundo plano, mas, depois do curso, eles mesmos concluíram que esta é uma opção importante no contato com a comunidade”, destaca Simone.

Rádio legal

De acordo com dados do Ministério das Comunicações, de dezembro de 2002, tramitam, no Conselho Nacional de Comunicação Social, 7.376 processos que reivindicam a outorga de funcionamento de rádios comunitárias. Desde 1998, mais de 13 mil pedidos foram negados, contra 1.707 aprovados. Minas Gerais é o estado que possui o maior número de processos em tramitação e também o que mais teve autorizações de funcionamento expedidas. São 1.270 processos contra 1.130 referentes a estabelecimentos de São Paulo e 348 solicitações expedidas em relação às 223 de emissoras paulistas. Para José Guilherme Castro, presidente da Abraco, Minas Gerais destaca-se porque aqui se realizaram pioneiramente diferentes experiências. Ele assinala que os números não expressam totalmente a realidade das rádios comunitárias no País (centenas nunca reivindicaram a outorga), mas dão uma idéia do quadro confuso que permeia o setor.

As outorgas são apreciadas pelo Congresso Nacional, depois de concedidas pelo Presidente da República. Para o presidente da Abraco, as exigências da lei dificultam claramente a existência das rádios comunitárias que pretendem a prestação de serviço à sociedade.

A Lei no 9.612, de fevereiro de 1998, define que as comunitárias só podem chegar aos ouvidos de quem esteja num raio de um quilômetro, com transmissores que não ultrapassem 25 watts ERP, atendendo, assim, a um bairro, vila ou pequeno município. A exigência é descumprida pela maioria das emissoras, legalizadas ou não. José Guilherme ressalta que os parâmetros legais não atendem nem de longe as necessidades das comunidades. Se seguissem a Lei, nem mesmo as rádios nas favelas de Belo Horizonte teriam como chegar ao conjunto dos moradores. As comunitárias são obrigadas a manter, pelo menos, oito horas de programação e não podem sobreviver com comerciais, mas somente com “apoios culturais” de estabelecimentos sediados na comunidade atendida.