Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 2 - 2003

Editorial

Entrevista
Humanidade inquieta
Ivan Domingues

Cidadania
Uma república a ser revelada

Artigo: Não caibo mais nas roupas em que eu cabia

Comunicação
A hora do Brasil

Artigo: Decifra-me ou...

Novas tecnologias
Com quantos bits se faz um coração?

Artigo: Tecnologia e suas metáforas

Saúde
Estética aplicada

Artigo: Ser contra o naufrágio

Especial
O caminho da democratização

Artigo: Muito além da reserva de vagas

Engenharia
Engrenagem perfeita

Artigo: A arte do possível

Cultura
Chá das cinco

Artigo: O desafio das diferenças

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Cultura

Chá das cinco

Acervo da UFMG é campo multidisciplinar que reúne pesquisadores para estudar bibliotecas e textos raros de escritores mineiros

Corinna Gayer

Henriqueta Lisboa, Murilo Rubião, Abgar Renault, Cyro dos Anjos e Oswaldo França Júnior estão mais do que nunca presentes na UFMG. Personalidades inesquecíveis, os escritores ganharam espaço de homenagem, onde os amantes das letras poderão sentir a alma criativa de cada um deles. As bibliotecas desses famosos mineiros foram em parte remontadas na Biblioteca Central da UFMG, dando ao terceiro andar do prédio uma atmosfera caseira, inspiradora de cumplicidade com a maior das heranças desses personagens: a própria obra.

O espaço museográfico está sendo criado pelo Acervo de Escritores Mineiros, um projeto integrado de pesquisa, vinculado ao Centro de Estudos Literários da Faculdade de Letras. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 1991, o Acervo de Escritores Mineiros é responsável pela guarda de coleções especiais, livros, documentos e objetos pessoais, doados, nos últimos anos, pelas famílias dos escritores. “O que queríamos era transformar o acervo num museu da literatura”, diz o coordenador, professor Wander Melo Miranda.

Recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) permitiram a montagem do espaço museográfico, que dá às obras uma nova dimensão. Miranda acredita que essa maneira de lidar com heranças tão especiais incentiva a permanência, em Minas Gerais, de acervos que fazem parte da história da literatura no estado. “Algumas coleções de ícones literários mineiros foram transferidas para outras cidades, porque não havia locais com as características do espaço inaugurado pela UFMG”, afirma o professor.

Além disso, diz Miranda, o Acervo está formando profissionais especializados no tratamento desse tipo de material. “Aos poucos, fomos criando os nossos próprios métodos”, destaca o coordenador, ao ressaltar que esse é um trabalho minucioso e que não acaba nunca, porque está sempre remetendo a novas atividades. O fazer contínuo proporciona, na prática, instrumentos de pesquisa como o CD-ROM do inventário de Henriqueta Lisboa, no qual estão listados todos os livros e documentos que pertenceram à escritora e que se encontram preservados no Acervo de Escritores Mineiros. Por causa da facilidade de consulta, essa é uma produção que dá aos pesquisadores inúmeras vantagens.

Nada que pertence ao Acervo de Escritores Mineiros foi, ainda, microfilmado, mas logo isso será possível. A próxima aquisição para a equipe (na qual estão professores e estudantes de Letras, Ciência da Informação e Ciência da Computação) será o equipamento necessário para essa forma de armazenamento de dados. O Acervo, assinala Miranda, é por si só um estímulo à pesquisa e é preciso que os pesquisadores encontrem condições de trabalho para se debruçarem sobre documentos tão especiais.

Exemplo do quanto o Acervo de Escritores Mineiros se tornou projeto importante para o estudo da literatura é a pesquisa que revelará aos leitores e estudiosos de João Guimarães Rosa um pouco mais dos tempos vividos por ele na Alemanha. O autor de Grande Sertão: Veredas era cônsul-adjunto e vivia em Hamburgo quando a cidade foi sitiada durante a Segunda Guerra Mundial. Suas impressões sobre a nação alemã e aquele momento conturbado estão sendo lidas na cópia de seu diário escrito entre 1939 e 1941. A maioria das anotações está em português, mas existem várias passagens em alemão, além de recortes de artigos de jornal e revistas no idioma de Goethe.

Essa cópia do diário de Rosa é uma das preciosidades da biblioteca de Henriqueta Lisboa. Na verdade, um verdadeiro tesouro, porque não há notícias de onde foram parar o original e as outras três cópias encadernadas patrocinadas pela Xerox do Brasil. Há certa urgência no estudo do valioso diário, porque, sendo fotocópia, os escritos se estão apagando. Como parte de um trabalho de pesquisa amplo, que inclui a participação de outros professores e de outras investigações, o professor Georg Otte (natural de Arzfeld, no oeste da Alemanha) ocupa-se da tradução de trechos em alemão e de análises do confronto do escritor brasileiro com a cultura alemã.

Para Otte, a relação de Guimarães Rosa com a cultura alemã e com o país é de ambigüidade, apesar da paixão explícita pelo lugar. Ao mesmo tempo que expõe suas afinidades com o povo, seu gosto pela língua e o prazer em falá-la, ele não esconde sua aversão aos tempos políticos, ao nazismo. Além de pesquisar o confronto cultural vivido pelo escritor naqueles anos, Otte estuda o diário como forma de um discurso autobiográfico.

A diretora da Biblioteca Universitária, Simone Aparecida dos Santos, analisa como audacioso o projeto que envolve o Acervo Mineiro de Escritores. Ela acredita que o novo tratamento, inclusive com características de museu, vai dar uma nova dimensão a todo o acervo. “É uma inovação. Espaço como esse é raro no Brasil”, salienta.

Histórias e memórias em rede

Abertos ao público, espaços de lazer e conhecimento da Universidade articulam-se e criam Rede de Museus

Corinna Gayer

Tudo que merece ser guardado deve ser exibido. Essa é a certeza que move a coordenadora da Rede de Museus e Espaços de Ciência da UFMG, a historiadora Betânia Gonçalves Figueiredo, que trabalha pela criação de uma política de museus na Universidade e não apenas pela manutenção de lindos acervos, com suas vantagens e problemas vividos isoladamente.

A Rede de Museus e Espaços de Ciência da UFMG faz parte de um programa da Pró-Reitoria de Extensão, mas ainda age informalmente. A convicção da coordenadora é de que, em muito pouco tempo, a Rede se tornará referência indispensável para essa área na Universidade. “Juntos somos mais fortes. Podemos nos estruturar, pensar linguagens e desenvolver atrações comuns”, afirma Betânia, para quem o principal objetivo é mostrar à sociedade, de forma criativa e atraente, que os espaços da UFMG vão bem além das salas de aulas e dos laboratórios de pesquisas.

Da Rede fazem parte sete espaços: o Observatório Astronômico (na Serra da Piedade), a Estação Ecológica (no campus Pampulha), o Museu de História Natural e Jardim Botânico (no Horto), o Centro de Referência em Cartografia Histórica, o Museu de Ciências Morfológicas (ICB), o Centro de Memória da Engenharia e o Centro de Memória da Medicina. O programa ainda não conseguiu integrar todas as iniciativas da UFMG que envolvem a preservação de conhecimentos e informações. “Mas está perto”, insiste Betânia. Em 2002, pelo segundo ano consecutivo, a Rede de Museus e Espaços de Ciências recebeu verba da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) para aplicação nas suas atividades, como a realização de cursos presenciais, que visam a qualificar os funcionários e os alunos que trabalham como monitores.

A Rede, observa Betânia, tem como agir em benefício do conjunto desses espaços na UFMG, lugares que conseguem guardar história e memórias, ao mesmo tempo que oferecem, de forma criativa, conhecimento vivo. São locais cada vez mais valorizados e que despertam o interesse de instituições financiadoras de projetos, cientes da importância desses espaços como fonte de saber e, também, como atração para o turismo, um dos negócios que mais crescem em todo o mundo.

No ano passado, o Museu de Ciências Morfológicas, no Instituto de Ciências Biológicas, foi escolhido, entre dezenas de instituições investigadas no Brasil, como alvo de uma nova linha de financiamento, a fundo perdido, do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). O Museu de Ciências Morfológicas realiza a conjugação ideal entre a informação e o prazer do aprender. Num pequeno espaço, a perfeição e os mistérios do corpo humano são revelados de maneira criativa e instigante. A coordenadora do Museu de Ciências Morfológicas, Maria das Graças Ribeiro, conta que o financiamento permitirá a ampliação do espaço e a conseqüente melhoria do atendimento. Serão agregados ao espaço áreas para biblioteca, sala multimeios, novas salas de aula e local destinado a exposição planejada para deficientes físicos.

Jovens cidadãos imprimem a sua marca

Projetos sediados no Centro Cultural UFMG formam agentes culturais numa perspectiva de inclusão social

Corinna Gayer

“O pessoal veio puxando o sonho da gente e, com o tempo, foram surgindo mil idéias.” Assim Anderson Veloso Domingues, de 20 anos, morador de um bairro pobre da capital mineira, expressa os momentos de empolgação que vive. O que ele há tempos fazia de maneira informal e movido pelo desejo de “agitar” ganhou, no último ano, uma perspectiva nova. Junto com outros 37 jovens da periferia, Anderson se tornou um agente cultural e adquiriu uma “dor de cabeça” constante e sadia: “Não paro de pensar nisso. Só sei que encontrei o que quero fazer”, diz ele.

O programa de Formação de Agentes Culturais Juvenis está inserido no Cidadania Cultural, projeto que orienta as ações do Centro Cultural UFMG. A diretora Regina Helena Alves da Silva, a Lena, diz que a instituição elegeu a cultura como parte do processo de construção de cidadania. “Não poderia ser diferente”, assinala, lembrando que seu desafio maior era quebrar de vez com a concepção de que cultura só se realiza em espaços reconhecidamente culturais, como as artes plásticas, o cinema, o teatro ou a literatura.

Anderson e os jovens que com ele freqüentaram, durante todo o ano passado, o Centro Cultural se uniram a uma proposta nascida da tese de doutorado do professor Juarez Dayrell, da Faculdade de Educação, que mostrou a dimensão educacional dos grupos culturais que movimentam a periferia da capital. “O potencial deles é muito grande”, ressalta Dayrell, mas, no contato com eles, foi possível perceber uma série de entraves, além da infra-estrutura, para as realizações às quais eles mesmos, às vezes, estavam diretamente ligados.

O curso de Formação dos Agentes Culturais, que reúne professores e alunos da Faculdade de Educação, da Faculdade de Belas- Artes e da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Comunicação e Ciências Sociais), abre o leque de possibilidades para os jovens – selecionados a partir do envolvimento que têm na comunidade – porque oferece a eles uma discussão sobre o fazer cultura numa perspectiva de inclusão social. A proposta é a de que eles se tornem incentivadores das diversas formas de produção cultural onde moram, propagando as iniciativas entre outros jovens. Os alunos tiveram aulas de expressão corporal e oral, de inglês, de fotografia, de temas culturais e de elaboração de projetos. Também participaram da produção de vídeos e de uma revista, a Fanzine, sobre o próprio trabalho, o que inclui o relato dos projetos formulados no período e que serão alvo da segunda etapa da formação, durante este ano. Os mesmos agentes culturais, que recebem bolsa de estudo, continuarão sendo acompanhados, mas em ações que indiquem a realização dos projetos elaborados pelos 18 grupos formados durante o curso. A proposta é a de implantação de uma rede entre os agentes juvenis, ou melhor, incentivada por eles.

Os jovens também são o alvo do Guernica, um projeto da prefeitura de Belo Horizonte em parceria com o Centro Cultural, dedicado a grafiteiros e pichadores. A intenção é conscientizar os jovens do seu papel como artistas em potencial na relação com a cidade. Eles estudam pintura contemporânea, arquitetura, urbanismo, artes gráficas e dedicam-se à produção de quadrinhos e animações. No ano passado, uma exposição de grafite e arte digital foi uma das realizações dos alunos do Guernica, freqüentadores do Laboratório de Hipermídia, um espaço no Centro Cultural equipado para a produção dos trabalhos que surgem como demanda dos projetos. “Achamos que promover a inclusão digital é essencial”, ressalta Lena. O Laboratório de Hipermídia é utilizado por todos os grupos que integram o Cidadania Cultural, com a intenção definida de que os participantes passem por um processo de “letramento digital”.

Essa preocupação orienta uma nova parceria, com a organização não-governamental Imagem Comunitária. Responsável pelo projeto Rede Jovem Cidadão, patrocinado pela Petrobras, a ONG mineira realiza, há dez anos, projetos especiais de mídia comunitária, especialmente com jovens. “Nossa parceria está ligada à proposta desenvolvida pelo Centro, que, como nós, trabalha com o desenvolvimento da cidadania”, diz Rafaela Lima, da Imagem Comunitária. O Rede Jovem Cidadão será desenvolvido durante todo o ano, junto a 180 jovens das nove regiões administrativas de Belo Horizonte. Eles se lançarão em produções para televisão, rádio e jornais a partir de temas pensados e discutidos por eles próprios. As produções em vídeo e para rádio serão veiculadas em emissoras comunitárias e educativas, e o jornal mensal terá distribuição de 30 mil exemplares.