Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 2 - 2003

Editorial

Entrevista
Humanidade inquieta
Ivan Domingues

Cidadania
Uma república a ser revelada

Artigo: Não caibo mais nas roupas em que eu cabia

Comunicação
A hora do Brasil

Artigo: Decifra-me ou...

Novas tecnologias
Com quantos bits se faz um coração?

Artigo: Tecnologia e suas metáforas

Saúde
Estética aplicada

Artigo: Ser contra o naufrágio

Especial
O caminho da democratização

Artigo: Muito além da reserva de vagas

Engenharia
Engrenagem perfeita

Artigo: A arte do possível

Cultura
Chá das cinco

Artigo: O desafio das diferenças

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Novas Tecnologias

Com quantos bits se faz um coração?

Experiência nova no Brasil, doutorado em Bioinformática faz surgir profissional atento às ligações entre Biologia, Ciências Exatas e Engenharia

Um novo profissional surgirá quando, no final de 2003, o curso de doutorado em Bioinformática da UFMG fizer a sua estréia. Pesquisas que entrelaçam conhecimentos das Ciências Biológicas, Ciências Exatas e Engenharia exigem esse novo profissional, pronto para atender a uma demanda construída no mundo que se depara, cada vez mais, com desafios em áreas como genômica e modelagem molecular. A experiência encurtará caminhos, na maioria das vezes tortuosos, percorridos por pesquisadores envolvidos com alta tecnologia, item há muito imprescindível para o desenvolvimento humano.

O doutorado em Bioinformática é uma experiência muito nova no Brasil e também em todos os países onde as pesquisas, especialmente as nascidas nas Ciências Biológicas, não podem mais prescindir de ferramentas que ampliam e dão velocidade aos resultados. Imagine o processamento de dados necessários para se desvendar códigos genéticos, em humanos ou em animais. Um único seqüenciamento pode exigir a interpretação de mais de 100 mil genes. Pesquisas em desenvolvimento no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), integrantes do Programa de Genoma Brasileiro e do Programa de Genoma Humano, não seriam realizáveis sem o auxílio de supercomputadores e, conseqüentemente, sem a presença próxima de profissionais que criam e decifram os códigos da informática.

Leandro Figueiredo

Na UFMG, esses profissionais estão no Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho de Minas Gerais e da Região Centro-Oeste (Cenapad), um verdadeiro braço direito para os pesquisadores que precisam de sofisticados processamentos de dados. O problema é que a formação do profissional tanto de informática quanto da área de biológicas até agora acontece de forma isolada. Quando se encontram, o tempo gasto para o conhecimento e interação das demandas não é desprezível. Na prática, o doutorado em Bioinformática irá fomentar projetos como o do seqüenciamento do DNA da bactéria Chromobacterium violaceum (que influenciará os tratamentos de doenças como Chagas, leishmaniose e malária) e do Schistosoma mansoni (causador da esquistossomose), ambos desenvolvidos em conjunto pela UFMG e outras instituições de ensino e pesquisa no País.

O doutorando Maurício Alvarenga Mudado, de 25 anos, pretende trabalhar exatamente no projeto do seqüenciamento do Schistosoma mansoni, no Laboratório de Biodados do ICB. Ele conta que decidiu pelo doutorado imediatamente depois de fechar o mestrado em Bioquímica (também no ICB), por se interessar, há muito tempo, pela informática e avaliar que as duas áreas se casam por exigências das pesquisas.

Segundo o professor Paulo Beirão, coordenador do novíssimo doutorado abrigado no Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, a necessidade do profissional de Bioinformática é o reflexo da evolução da ciência. Os primeiros seqüenciamentos de genomas, lembra ele, foram feitos na década de 90. A demanda por esse profissional tem também implicações diretas no mercado de trabalho, que, apesar de estar em expansão, ainda é muito específico. “São poucas as empresas no mundo que atendem a esse tipo de necessidade das pesquisas”, diz Beirão.

O doutorado de Bioinformática foi estimulado pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsável pelo convite às universidades para a formulação de propostas de cursos do tipo, já oferecidos em outros países. Aprovado em julho do ano passado pelo Conselho Universitário da UFMG, o doutorado foi credenciado quatro meses depois, juntamente com o doutorado oferecido pela Universidade de São Paulo (USP). De acordo com Beirão, montar a grade de disciplinas que atenderá ao doutorado exigiu um esforço comum do ICB e do Instituto de Ciências Exatas (ICEx). “É importante lembrar que os pesquisadores e professores não estão abandonando seus cursos de origem”, salienta Beirão.

O chefe do departamento de Ciência da Computação, Virgílio Augusto Almeida, acredita que o doutorado vai acelerar as pesquisas científicas nas duas áreas. “O pessoal da computação vai ver novos problemas e terá que criar soluções para eles. Isso sempre faz avançar o conhecimento. Na Biologia ou na Informática vão surgir pesquisas novas, importantes e interessantes, porque serão abertas várias portas”, assinala. Certo de que o doutorado está criando oportunidades para profissionais em ascensão, Almeida destaca que esses são um exemplo da crescente ação multidisciplinar em áreas em que isso nem sempre aconteceu com facilidade. “Nós ainda não somos multidisciplinares, mas estes alunos com certeza serão”, afirma.

Para a pró-reitora de Pós-Graduação, Sueli Pires, “o curso contribui para a consolidação de um novo campo do conhecimento e prepara o País para competir internacionalmente nos planos acadêmico, científico e tecnológico.”

Com alento e com afeto

Programa de humanização do Hospital das Clínicas da UFMG acelera recuperação dos pacientes

Fazer um doente sorrir nem sempre é fácil, mas certamente é uma tarefa que preenche a alma dos que passam o dia tentando amenizar a dor de alguém obrigado a dormir e a acordar num dos leitos do Hospital das Clínicas (HC). Perto dos olhos aflitos de pacientes e familiares, estão equipes muito especiais, revezando-se entre idéias e práticas que transformam o ambiente, normalmente cheio de ansiedade e de tristeza, num espaço de acolhimento. Os envolvidos no programa de humanização do complexo hospitalar provam que a união de esforços harmoniza e oferece aos doentes mais do que alento. Dá a eles a chance de curas mais rápidas e a um custo emocional menor.

Leandro Figueiredo

A humanização do HC se reflete em todas as áreas de atendimento da instituição. Faz parte de iniciativa do Ministério da Saúde, junto com as secretarias municipais e estaduais de Saúde, e está sendo implantada em diferentes instituições no País. Há dois anos, o programa foi adotado oficialmente nas Clínicas, mas, muito antes disso, o Hospital possuía uma multiplicidade de projetos com a mesma filosofia: imprimir ao serviço prestado uma qualidade que vai além das condições de infra-estrutura, colocando as necessidades psicológicas e afetivas dos pacientes e servidores no mesmo plano de eficiência técnica do atendimento.

“Na área de saúde, sabemos que a tecnologia sofreu uma evolução muito rápida, mas existem grandes entraves de relacionamento, tanto com os pacientes quanto com o público interno”, diz a relações-públicas Rita Penido, coordenadora do programa de humanização no HC. Ela destaca o fato de as atividades nascerem de uma discussão conjunta e ampliada, que envolve pacientes e servidores de uma maneira geral. “É uma mudança de paradigmas no atendimento, e nem sempre as mudanças são imediatamente aceitas”, ressalva Rita.

O Hospital das Clínicas é o único, entre os hospitais universitários em Minas Gerais, credenciado pelo Ministério da Saúde para participar do programa de humanização. Atualmente, a unidade é considerada como “multiplicadora”, pois serve de referência para a capacitação de outros hospitais. Como proposta institucionalizada para todo o Hospital, lembra Rita, ficou mais fácil a ampliação de projetos que já eram realidade nas Clínicas. “Além disso, a busca por parceiros também foi facilitada”, diz a coordenadora, ressaltando que grande parte do programa depende de parcerias.

Na Pediatria, uma unidade onde a fragilidade do paciente mobiliza naturalmente diferentes grupos profissionais, ações que enfatizam a humanização do ambiente e do tratamento fazem parte do dia-a-dia há bastante tempo e estão em ritmo de expansão. Ali, a internação conjunta, que não permite a separação de pais e filhos, já era realidade bem antes de ela se tornar lei para todo o País, na década de 90. O sofrimento das crianças foi atenuado quando se adotou, em 1976, a estratégia de manter as mães próximas aos filhos no período de internação.

“A retirada da criança de sua casa desarticula não só a vida dela, mas a de toda a família”, lembra o chefe de Serviço da Pediatria, o médico Joaquim Antônio César Mota, a quem crianças e adultos chamam de Toninho. Ao lado do leito da criança, as mães ou os pais participam ativamente do processo de recuperação, acomodados em cadeiras reclináveis. Eles estão ali ajudando nos cuidados básicos de enfermagem, mas, principalmente, na assistência psicológica ao pequeno paciente. “É certo que a criança se sente mais segura e, por isso, mais predisposta ao tratamento”, assinala Toninho.

Helena Soares Bueno, assistente social e coordenadora da internação conjunta, diz que a unidade tem um caráter de lar. Ela diz que são evidentes os benefícios do procedimento para a criança. “Ao contrário do adulto, a criança não tem medo de morrer, mas de ficar sem os pais.” Para a gerente da Unidade Funcional Pediatria, a terapeuta ocupacional Maria do Carmo Avelar Gomes, a internação conjunta é uma das ações que mais possibilitam a integração da equipe multifacetada que atua no setor, na qual estão médicos, enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e agentes administrativos.

Há dois meses vivendo no Hospital das Clínicas, a recepcionista Claudilene de Souza Vieira, de 22 anos, diz que a dor de ver a pequena Lara, sua filha de dez meses, internada só é menor porque pode estar ao lado do bebê todo o tempo. “Tenho toda a assistência possível. É cansativo, mas nem sei o que seria de mim e dela se não pudéssemos ficar juntas”, observa Claudilene. Para acompanhar Lara, ela deixou o marido, Carlos Eduardo, e o emprego em Patos de Minas.

Brinquedoteca As crianças se sentem realmente crianças quando estão perto do seu mundo, formado de brinquedos e brincadeiras. A certeza disso fez com que os profissionais da Terapia Ocupacional na Pediatria persistissem num projeto iniciado em 1991, quando foram dados os primeiros passos para a criação da Brinquedoteca. “Sabíamos que brincar era uma forma de tratar”, conta Maria do Carmo. Daí a idéia de montar um local onde a diversão é a tônica. As regras foram feitas para que, naquele espaço, atualmente uma sala no final de um dos corredores da Pediatria, os menores não se sintam doentes. “Ninguém pode dar remédio ali dentro. Se a criança precisar, tem que ser levada para outro lugar, com a garantia de que ela vai voltar”, explica Maria do Carmo.