Arte, Ambiente e Cidade:

releituras e derivas sobre a paisagem”.

 

Paisagens (in)visíveis – A Terceira Margem

 

 

Autor: Dr. Fabrício Fernandino – Professor Adjunto da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte – Brasil fabricio@eba.ufmg.br

 

 

Resumo:

Como fio condutor para essa conferência, eu busquei por Guimarães Rosa, justo por ser uma referência na literatura contemporânea brasileira que muito me emociona. Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. E dentro desse universo literário tão peculiar, rico em brasilidades, ter minha fala conduzida pelo seu conto A Terceira Margem do Rio, traduz meu desejo de trilhar de uma maneira poética e sensível à arte e sua relações com o ambiente e a cidade.

 A ideia afinal é a mesma, um olhar poético em outra margem, que torna possível perceber o mundo de maneira diferenciada. O eixo conceitual será aquele que está presente na terceira margem (o artista, o poeta em seu distanciamento) e a partir dessa metáfora, apresentarei exemplos reais de atividades que foram transformadoras tendo a arte como base – a natureza (INHOTIM), a comunidade ( Bichinhos), a cidade (Circuito Cultural Liberdade), e os valores humanos (o artista e ambientalista Frans Krajcberg).

 

Paisagens (in)visíveis – A Terceira Margem

 

Ao eleger como ponto de partida o conto do escritor brasileiro João Guimarães Rosa, A Terceira Margem do Rio, com sua concepção poética, que nos apresenta outro sentimento de mundo, estabeleço um fio condutor para uma abordagem sensível do papel transformador da arte frente à natureza, à cidade, à comunidade e aos valores humanos.

Falar da arte é falar da vida.  Fazer arte é viver duas ou mais vezes, porque a arte também nos permite mergulhar nas profundezas da alma e nas delicadezas da razão, como cita Guimarães Rosa.

Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens.

 

A Terceira Margem do Rio

 

Era um homem cumpridor, ordeiro, positivo, nem mais triste do que os outros. Só quieto. Três filhos e uma esposa, essa que regia a tudo e cuidava do dia a dia.

Uma família, uma cidade, um rio.

Em determinado momento esse homem mandou fazer para si uma canoa. Esse homem, esse pai, nada dizia, nada revelava. Sua casa era próxima do rio. Um rio que ia se estendendo grande, fundo e silencioso. Era largo, de não se poder ver a forma da outra beira.

Certo dia a canoa ficou pronta. Sem alegria, nem cuidado, colocou o chapéu e decidiu dar um adeus. Esse homem entrou na canoa, a desamarrou, começou a remar.
Esse homem não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só resolveu permanecer ali, no meio do rio, sempre dentro da canoa, para dela não sair, nunca mais.

Uma estranheza que assustava toda gente.

Ele cursava no rio, solto solitariamente.

Transformou, com seu remar silencioso, uma comunidade, uma família e um filho que ficou.

E nesse estado de distanciamento do mundo promoveu uma nova reflexão sobre o curso da vida, o viver e o sentir.

Esse conto, em sua síntese, trata do poder transformador daqueles, que diferentemente do comum, buscam um novo olhar sobre a vida e sobre o viver. São aqueles que buscam numa outra margem uma maneira diferenciada de existir. Esse conto, o utilizo como uma metáfora sobre o poder transformador de muitos que, aliados a coragem e a ação criadora transformam todo seu entorno e a vida vivida.

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