O Laboratório de Biossegurança Nível 3 (NB3), do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, que se destina a pesquisas com vírus, bactérias, fungos e outros microrganismos causadores de doenças transmitidas pelo ar, entrará em operação no próximo mês.
Certificado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o NB3 também é chamado de laboratório de contenção. O sistema oferece o nível de segurança necessário para acelerar estudos com microrganismos potencialmente ameaçadores para a sociedade, como o vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19.
Com área de aproximadamente 100 metros quadrados, que abriga uma sala principal e três laboratórios, o NB3 é equipado com portas automatizadas, pressão negativa, vestiário e autoclave para descontaminação de resíduos gerados durante os experimentos. É também o único de Minas Gerais com biotério – espaço para manutenção de animais de experimentação.
Esse diferencial é importante, especialmente num momento de enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. “Todos os projetos de vacina têm de ser desenvolvidos primeiramente em modelo animal. E os procedimentos necessários para isso precisam ser realizados em laboratório padrão NB3”, explica o professor Renato Santana, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, subcoordenador da nova infraestrutura. Trata-se, segundo ele, da “primeira etapa do desenvolvimento de vacinas e antivirais para qualquer patógeno”.
Operação
A operação do NB3 é fiscalizada pela Comissão de Biossegurança do ICB, e só poderá trabalhar no local quem for aprovado em curso específico e usar dispositivos e equipamentos de proteção individual apropriados. Além disso, os pesquisadores e técnicos são supervisionados por especialistas em microbiologia, com conhecimentos e experiência no manejo desse tipo de agente patogênico.
Segundo Renato Santana, uma das principais características desse tipo de laboratório é o sistema de exaustão, que propicia pressão negativa e filtração de todo o ar potencialmente contaminado no interior, de forma que nenhum microrganismo escape para o ambiente externo”.
Mais do que um ganho para a saúde pública, o laboratório NB3 é muito importante para qualquer universidade, diz Santana. Ele baseia sua avaliação no fato de que a possibilidade de conter ou evitar um acidente biológico durante as pesquisas pode viabilizar respostas mais rápidas e mais eficientes no desenvolvimento de vacinas e de medicamentos para doenças que matam muitas pessoas no mundo.
“A covid-19 reforça que um laboratório com esse nível de segurança é extremamente necessário, mas ele foi concebido ainda no começo dos anos 2000”, lembra o professor Sérgio Costa Oliveira, um dos primeiros no ICB a trabalhar no projeto de uma estrutura NB3 na UFMG. “Atualmente, a UFMG desenvolve várias iniciativas e projetos para teste de vacina contra covid-19. Não há como avançar nessas pesquisas se os ensaios-desafios com o vírus forem feitos fora de um laboratório NB3”, enfatiza.
Financiamento
Financiado com recursos da Finep, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação, o NB3 recebeu investimento inicial de aproximadamente R$ 1,5 milhão e teve sua estrutura física inaugurada em 2019. “Com a pandemia e a necessidade de mais laboratórios do gênero para pesquisas relacionadas à covid-19, foi retomada a busca por financiamento, desta vez para aquisição de equipamentos e para o sistema de pressão negativa”, relata o coordenador do NB3, professor Luís Henrique Franco.
A retomada contou com o apoio decisivo da Reitoria que, inicialmente, destinou cerca de R$ 300 mil para realização de obras de adequação das instalações do laboratório. Já na pandemia, em março de 2020, a Pró-reitoria de Pesquisa (PRPq) trabalhou em conjunto com o ICB na formulação de projeto que recebeu R$ 600 mil no âmbito de chamada da Secretaria de Educação Superior (Sesu), do Ministério da Educação, lançada para apoiar ações de combate ao novo coronavírus. Ao todo, a UFMG foi contemplada com R$ 21 milhões.
Na fase final, foram investidos R$ 2,5 milhões em projeto aprovado pela Finep que foi formulado pelo professor Mauro Martins Teixeira, do Departamento de Bioquímica e Imunologia. O custo anual de operação do laboratório deve girar em torno de R$ 150 mil. Por isso, será necessário que os usuários paguem uma taxa que financiará a manutenção da estrutura.
“Com a existência de patógenos de difícil isolamento, como os que causam dengue, zika, chikungunya e tuberculose, contar com uma estrutura como essa nos deixa mais bem preparados para lidar com doenças emergentes, não só no sentido de identificá-las, mas também para combatê-las”, comemora Renato Santana.
Níveis de biossegurança
Os níveis de biossegurança variam de 1 a 4. Os dois primeiros estão relacionados ao trabalho com microrganismos não transmissíveis pelo ar. O 3 e o 4, por sua vez, dizem respeito àqueles que causam o contágio por vias aéreas. No nível 3, o pesquisador não corre risco ao respirar o ar do ambiente, pois a amostra clínica em estudo é aberta dentro de um fluxo laminar que o protege. Já no nível máximo, o 4, os microrganismos em estudo são muito mais letais e facilmente transmissíveis por vias aéreas. Um exemplo é o vírus ebola.
O acesso ao NB3 está disponível a todos os pesquisadores habilitados, da UFMG e de outras instituições de ensino e pesquisa, mediante cumprimento de uma série de etapas e compromissos. O primeiro passo é submeter o projeto de pesquisa à comissão gestora. Se aprovado, toda a equipe será treinada, e os aprovados serão autorizados a agendar seus horários de uso.
O acesso deve ser solicitado por meio de formulário. Mais informações podem ser obtidas no site do Centro de Laboratórios Multiusuários (Celam) do ICB.
Sonho antigo
A história do Laboratório de Biossegurança Nível 3 começou quando o professor Sérgio Costa Oliveira era vice-diretor do ICB, na gestão 2006-2010. A ideia inicial era reunir, em um mesmo ambiente, vários laboratórios de uso comum da comunidade do ICB, dando suporte a pesquisadores do instituto e de outras unidades acadêmicas. Estava lançado o Centro de Laboratórios Multiusuários (Celam) do ICB.
“Eu já vislumbrava a possibilidade de termos necessidade de um laboratório de contenção de nível 3 por causa de epidemias e pandemias que poderiam aparecer no futuro”, lembra Costa, que é vinculado ao Departamento de Bioquímica e Imunologia. “Entendi que também já era hora de termos um NB3. A partir de então, comecei a montagem da planta e fui em busca de recursos”, relata.