Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº. 6- março 2005

Editorial

Entrevista
Ministro Tarso Genro

Pesquisa e desenvolvimento
A hora e a vez dos Parques Tecnológicos

O Parque Tecnológico de Belo Horizonte
Mariana de Oliveira Santos e Francisco Horácio Pereira de Oliveira

Ciência e Tecnologia
Da "prateleira" da academia para o mercado

Propriedade intelectual e transferência tecnológica
Sérgio Oliveira Costa e Juliana Crepalde

Educação
Celeiro pedagógico

Entre a pesquisa e a ação, o desafio pedagógico
Magda Becker Soares

Inclusão
Os esquecidos da Terra

Patrimônio
Ontem, hoje e sempre

Contando pedra e cal

Saúde
Rede virtual, saúde real

Excelência na prática médica
Ênio Pietra

Saúde Pública
Homem/bicho/homem,
a cadeia alimenta
r

A multiplicidade do Hospital Vterinário
Cleuza Maria de Faria Rezende

Arte e Cultura
Quatro festivais décadas

O Festival de Inverno da UFMG
Evandro José Lemos da Cunha

UFMG Diversa
Expediente

UFMG em números

Outras edições

 

Inclusão

Os esquecidos da Terra

A universidade estende a mão aos povos indígenas e quer aprender com eles

Conceição Bicalho

No Brasil, as populações indígenas tiveram plenos direitos assegurados pela Constituição de 1988. Historicamente, foi a primeira vez que o Estado brasileiro reconheceu o direito à diferença e criou instrumentos legais para proteger organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições próprias das populações indígenas. Estão finalmente assegurados, além do direito ao uso da língua materna, os processos próprios de aprendizagem, o que possibilita, assim, uma escola indígena diferenciada, específica, bilíngüe e intercultural.

Contudo, somente em 1993, o Ministério da Educação publica as “Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena”. Essa Portaria passou a ser referência para os planos operacionais dos Estados e municípios em relação à educação escolar indígena. Segundo o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), há, hoje, no Brasil, 2.233 escolas funcionando em terras indígenas. Elas atendem a 150 mil estudantes, com cerca de 7,5 mil professores, dos quais 85% são indígenas.

Identidade

A preservação da identidade étnica significa, para as sociedades indígenas, a garantia da própria existência. Condição indispensável para isso é a formação e a capacitação de professores indígenas para que assumam o papel de pesquisadores de suas próprias culturas. “Daí o papel fundamental da escola”, explica a professora da Faculdade de Educação da UFMG Ana Gomes, que participa do Programa de Implantação das Escolas Indígenas em Minas Gerais. O Programa, criado pela Secretaria do Estado da Educação de Minas Gerais, é implementado em parceria com a UFMG, o Instituto Estadual de Florestas, a Funai e as próprias comunidades indígenas.

Há quase dez anos essa parceria vem rendendo frutos, mediante a oferta do curso de formação de professores indígenas em nível de Magistério e o acompanhamento do trabalho desses professores em área, do qual participam ativamente docentes de várias unidades da UFMG. Desde o início do Programa, já foram habilitados 136 professores indígenas – entre maxakalis, pataxós, krenaks e xacriabás, kaxixós, xukururus-kariris e pankararus – e uma nova turma está em processo de formação.

Essas iniciativas, contudo, não constituem apenas um esforço para alfabetizar povos iletrados. O resgate das culturas chamadas primitivas constitui uma importante iniciativa da Universidade para a absorção de seus conhecimentos e suas técnicas milenares, especialmente na sua relação com a natureza.

Por isso, o compromisso da UFMG com os povos indígenas e sua diversidade cultural não se limita à formação de professores. Também as atividades de extensão alcançam diversas comunidades radicadas no território de Minas Gerais. Um bom exemplo da atuação extensionista da UFMG voltada para as populações indígenas é o programa de extensão Culturas Indígenas na UFMG.

Em 2002, o programa organizou o primeiro Laboratório Intercultural da UFMG. “Dessa experiência participaram 66 alunos formados no curso de Magistério. Durante 15 dias eles, tomaram contato, pela primeira vez, com o ambiente universitário. Foi uma experiência fundamental para a formatação do projeto de Licenciatura Intercultural”, explica a professora de Literatura Brasileira da Faculdade de Letras Maria Inês de Almeida, ela própria coordenadora do projeto de pesquisa Literaterras, que trabalha com a análise e a difusão de narrativas indígenas. A opinião é compartilhada pelo índio Kanátyo Pataxó, que também participou do Laboratório. “O contato com a Universidade é muito importante e precisamos dar continuidade a essa formação específica e diferenciada”, afirma o professor indígena.

O projeto Literaterras, que pesquisa, também, a relação inter-lingüística e a tradução de narrativas indígenas para o português, resultou na criação da revista eletrônica Bay, com contriuição das diversas comunidades indígenas de Minas Gerais, Essa revista pode ser acessada pela Internet, no endereço http://www.letras.ufmg.br/bay.

Música indígena

Outro projeto de interação com a cultura desses povos, Memórias Musicais Indígenas, é desenvolvido por um grupo interdisciplinar coordenado pela professora Rosângela Pereira Tugny, da Escola de Música da UFMG. Trabalhando, basicamente, com professores indígenas, o projeto, que reúne docentes da Faculdade de Letras e da Escola de Música, registrou em CDs e livros, a produção musical da tribo maxacali, que habita aldeias no Nordeste de Minas,

Graças a uma forte tradição oral, os maxacalis resistiram mais que outras etnias ao processo de aculturamento e conseguiram preservar ,talvez, o seu mais importantes patrimônio: a música. “Tínhamos bem claro que não iríamos fazer dos índios simples objetos de estudo, mas transformá-los em sujeitos do trabalho. Queríamos apenas orientar e fornecer base técnica e teórica aos professores.”

Rosângela explica que, em primeiro lugar, foram gravadas canções maxacalis nas aldeias; depois, foi feita a edição, na Escola de Música em conjunto com os professores indígenas. “A idéia é que o material produzido seja utilizado pelos próprios professores no ensino das comunidades indígenas”, completa Rosângela. Quem quiser conhecer mais sobre esse projeto pode acessar o site www.letras.ufmg.br/bay/sites/linguagens/ musica.htm.

conceição Bicalho

Licenciatura

Atualmente, um novo desafio foi colocado à política de inclusão sociocultural das populações indígenas na Universidade. Por sua experiência anterior no trato dessa questão, a UFMG é uma das instituições que, com o apoio do Ministério da Educação, estão trabalhando para criar e implementar um novo curso superior, o de Licenciatura Intercultural no Brasil, que permitirá o ingresso, na Universidade, de professores indígenas como alunos de graduação. A atenção a essa demanda, surgida desde 1999, quando se diplomou a primeira turma do Magistério, deve ser uma das boas novidades da UFMG em 2005.

“Com a experiência de extensão, pesquisa e ensino junto aos povos indígenas, a Universidade aprendeu muito, abriu-se para receber novos saberes e também fez sua contrapartida”, afirma a professora Márcia Spyer, da Coordenação Geral de Apoio à Educação Escoclar Indígena (CGAEEI), da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do MEC. Segundo Márcia, ao longo dos últimos anos, a UFMG conseguiu estabelecer um bom diálogo entre o conhecimento de várias etnias – maxacali, xacriabá, krenak, pataxó, kaxixó, pankararu, xukuru-kariri, mais diretamente –, e o conhecimento científico.

“O curso é uma idéia antiga, discutida e amadurecida em encontros e seminários. As comunidades indígenas esperam que o projeto comece a tramitar o mais depressa possível na Universidade”, diz, por sua vez, o professor indígena Kanátyo Pataxó, que, há anos, participa de cursos de formação na UFMG e é um dos mais entusiastas do novo curso. Também a professora Ana Gomes, que ajudou a elaborar a proposta do curso de Licenciatura Intercultural, está otimista e só espera, agora, a aprovação das instâncias deliberativas da Universidade para ver o curso implentado.

O novo curso de graduação da UFMG deve buscar importantes subsídios nos cursos já em andamento pelo Brasil –como é o caso do curso Terceiro Grau Indígena, da Universidade do Mato Grosso (Unemat) e do de Licenciatura Intercultural da Universidade Federal de Roraima (UFRR). A demanda por cursos de licenciatura voltados para a formação de professores indígenas é estimada em quatro mil vagas em todo o Brasil. “Na minha aldeia, no município de Carmésia, temos uns 15 professores aptos a fazer o curso de licenciatura”, estima o professor indígena Kanátyo Pataxó.

A existência de recursos financeiros para infra-estrutura, contratação de professores e de servidores técnico-administrativos é fundamental para a efetiva implementação desse curso de Licenciatura Intercultural, que terá módulos presenciais e a distância, com etapas intensivas em janeiro e julho. “Os recursos devem vir do MEC”, afirma Maria Inês, uma das professores envolvidas no planejamento. Ela acredita que serão necessários, mais ou menos, R$ 400 mil para cada ano de funcionamento. “A idéia é criar, no primeiro ano, em função de uma demanda reprimida, 150 vagas; nos anos subseqüentes, este número deve ser menor”, finaliza.