Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº. 6- março 2005

Editorial

Entrevista
Ministro Tarso Genro

Pesquisa e desenvolvimento
A hora e a vez dos Parques Tecnológicos

O Parque Tecnológico de Belo Horizonte
Mariana de Oliveira Santos e Francisco Horácio Pereira de Oliveira

Ciência e Tecnologia
Da "prateleira" da academia para o mercado

Propriedade intelectual e transferência tecnológica
Sérgio Oliveira Costa e Juliana Crepalde

Educação
Celeiro pedagógico

Entre a pesquisa e a ação, o desafio pedagógico
Magda Becker Soares

Inclusão
Os esquecidos da Terra

Patrimônio
Ontem, hoje e sempre

Contando pedra e cal

Saúde
Rede virtual, saúde real

Excelência na prática médica
Ênio Pietra

Saúde Pública
Homem/bicho/homem,
a cadeia alimenta
r

A multiplicidade do Hospital Vterinário
Cleuza Maria de Faria Rezende

Arte e Cultura
Quatro festivais décadas

O Festival de Inverno da UFMG
Evandro José Lemos da Cunha

UFMG Diversa
Expediente

UFMG em números

Outras edições

 

Artigo

Excelência na prática médica

Ênio Pietra
Professor da Faculdade de Medicina da UFMG

O Hospital das Clínicas, hospital-escola da UFMG, é o principal campo de treinamento em todos os níveis da formação universitária – graduação e pós-graduação – na área da saúde, envolvendo ensino/pesquisa/extensão/assistência e atuando também, na formação de técnicos e auxiliares de enfermagem (nível médio). Possibilita, ainda, o treinamento de estudantes da graduação dos cursos de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Medicina, Nutrição, Terapia Ocupacional. Na pós-graduação participa do esforço de formar especialistas em mais de 30 especialidades médicas, contribuindo para a atualização e a reciclagem de profissionais dos mais diversos segmentos de atuação hospitalar – não só de médicos, mas também de outros profissionais. Influencia a administração hospitalar atuando como referência para outros centros hospitalares, públicos ou privados.

Em seus mais de 75 anos de existência, o HC representou o principal locus para o treinamento em serviço de cerca de um terço dos médicos mineiros, possibilitou o exercício referencial do Serviço Social – na realidade, criado pela ação social das Irmãs Vicentinas –, da Enfermagem, da Nutrição, da Psicologia, da Terapia Ocupacional, da Fisioterapia e, mais recentemente, da Fonoaudiologia.

A ousadia, o pioneirismo, o compromisso de seus docentes, discentes e corpo técnico e administrativo promoveram a realização no Brasil, pela primeira vez em seres humanos, de transplantes, de implantes de prótese, de aplicação de irradiação para tratamento oncológico, da circulação extracorpórea, de técnicas de laparoscopia. Instalaram, ainda, o primeiro Centro de Tratamento Intensivo do País. Permitiram o estabelecimento de estrutura para a pesquisa em várias áreas do conhecimento médico, com descobertas de grande interesse humano, seja regional, seja universal. O HC tem atuado decisivamente na avaliação da implantação de tecnologias e na validação de técnicas para a propedêutica ou terapêutica.

O HC e a Faculdade de Medicina da UFMG, juntos, venceram desafios extraordinários, constituindo-se alavanca para a estruturação de vários setores associativos em Minas Gerais e no Brasil – órgãos sindicais, conselhos e associações de grande impacto sobre a profissão médica.

O custeio dessa estrutura ultrapassa R$ 60 milhões por ano. Requer contínuo aperfeiçoamento de equipamentos, estrutura física, organização administrativa e gerenciamento de recursos humanos; atualização e reciclagem, integração de multi e interdisciplinaridades, bem como de profissionais que se complementam e interagem em momentos críticos da existência humana, em que, habitualmente, salvar vidas exige urgência de tomada de decisões e disponibilidade das melhores condições, nem sempre possíveis, a serem aplicadas em cada momento.Essa estrutura requer mais do que eficácia e exige eficiência constante diante da existência de recursos nem sempre ideais para a função de cuidar das pessoas.

Desafio

A essência de uma escola de saúde é o bem-estar humano. Além de prestar assistência de referência e demarcar condutas, modelos, escalas, ela requer observar, criticar e criar, para a transformação que busca conhecer a complexidade humana, o auto-conhecimento de profissionais que lidam referencialmente, de estudantes que se tornarão referências, de pessoas que buscam se encontrar. Essa marca da Escola requer que seja balizadora da ética, respeite a vida, pratique a realidade possível sem impedir que o sonho da transformação revolucionária, que caracteriza o ser humano e o transmuta em busca do merecimento de vida útil, da qualidade, da felicidade que todos merecem, se perca e seja o norte que conduza ao acolhimento das pessoas de forma gentil, sensível e lógica.

Cuidar e acolher pessoas é o elemento substantivo do HC. A obtenção desses objetivos requer o incentivo da cidadania, que se expressa nas instituições mantenedoras e controladoras – desde o Conselho Local, os Conselhos e Secretarias Municipais e Estadual de Saúde, até os Ministérios da Saúde e da Educação, as instituições nacionais e internacionais preocupadas com a vida humana, o que abrange os Bancos de Investimento e Financiamento para o desenvolvimento humano.

Essa lógica nem sempre existe. A situação de financiamento dessa estrutura expõe a fragilidade das instituições sociais brasileiras, sempre a reboque das econômico-financeiras. A situação econômico-financeira do HC é sempre de penúria, de busca incessante de apoio para o exercício de seus objetivos, em todos os níveis do Estado brasileiro, em que se inclue, incrivelmente, a necessidade de convencimento da sua importância.

Essa situação revela como as políticas sociais e de desenvolvimento humano no Brasil são falaciosas, de aparência, fugazes, incompletas, estabelecidas apenas para redução da tensão social ou para manutenção da força de trabalho do sistema capitalista. A importância da saudabilidade só se revela para uma parcela minoritária da população brasileira, o que revela a desigualdade social flagrante sobre o tipo de saúde que cada pessoa pode ter.

O projeto do hospital-escola é de segurança pública, de cidadania, pois saúde é bem supremo, que permite o exercício do humanismo, do senso humanitário e de gozo libertário e pleno da existência.