Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 2 - nº. 6- março 2005

Editorial

Entrevista
Ministro Tarso Genro

Pesquisa e desenvolvimento
A hora e a vez dos Parques Tecnológicos

O Parque Tecnológico de Belo Horizonte
Mariana de Oliveira Santos e Francisco Horácio Pereira de Oliveira

Ciência e Tecnologia
Da "prateleira" da academia para o mercado

Propriedade intelectual e transferência tecnológica
Sérgio Oliveira Costa e Juliana Crepalde

Educação
Celeiro pedagógico

Entre a pesquisa e a ação, o desafio pedagógico
Magda Becker Soares

Inclusão
Os esquecidos da Terra

Patrimônio
Ontem, hoje e sempre

Contando pedra e cal

Saúde
Rede virtual, saúde real

Excelência na prática médica
Ênio Pietra

Saúde Pública
Homem/bicho/homem,
a cadeia alimenta
r

A multiplicidade do Hospital Vterinário
Cleuza Maria de Faria Rezende

Arte e Cultura
Quatro festivais décadas

O Festival de Inverno da UFMG
Evandro José Lemos da Cunha

UFMG Diversa
Expediente

UFMG em números

Outras edições

 

Saúde

Rede virtual, saúde real

Hospital das Clínicas e unidades da Prefeitura de Belo Horizonte formam a maior cadeia de telemedicina do Brasil

Maria do Céu Diel

Grande alcance, baixo custo e tecnologia de ponta unem-se no maior projeto brasileiro de telemedicina voltado para a rede pública de assistência básica. O status foi conquistado pelo BHTelemed, apesar do pouco tempo de sua implantação no âmbito do Hospital das Clínicas (HC), da UFMG e da, ainda, pequena cobertura em relação aos centros de saúde na capital. Em funcionamento desde abril passado, o serviço liga os especialistas do HC a médicos que estão à frente do atendimento em postos de saúde municipais, e surge como mais um exemplo da busca, pela Instituição, de excelência na assistência prestada, prioritariamente, à clientela do Serviço Único de Saúde (SUS).

“Já foi possível perceber o enorme ganho advindo do uso dessa tecnologia. Agora, contamos com financiamento para expandi-la para todos os centros de saúde do município”, diz a patologista clínica Maria Beatriz Alkimin, coordenadora do projeto no HC. O BHTelemed é uma rede de informações médicas que, em tempo real, busca agilizar o atendimento aos pacientes e, especialmente, oferecer aos profissionais opções de diagnósticos mais seguros, a partir da discussão de casos clínicos considerados de solução mais difícil. A grande diferença do BHTelemed é que a rede, amparada pelo corpo clínico do HC – abrangendo 19 especialidades e nove subespecialidades – está à serviço do sistema público de saúde.

Desafogo

Em Belo Horizonte, cerca de 40 mil pessoas são atendidas, por dia, nos 136 centros de saúde do município. Estes pacientes, segundo Maria Beatriz é que serão beneficiados pelo BHTelemed quando a rede estiver implantada em todos os pontos de atendimento. Por enquanto, apenas os 14 centros de saúde do Distrito Sanitário Oeste estão interligados. As unidades valem-se de tecnologia desenvolvida pelo Laboratório de Computação Científica (LCC), da própria UFMG.

Nos oito primeiros meses de operação da rede, cerca de três quartos dos pacientes que passaram pelo BHTelemed deixaram de ser encaminhados para especialistas, informa a coordenadora. Na prática, esse é o resultado mais palpável do projeto, uma vez que os hospitais públicos e os ambulatórios onde atendem os especialistas são desafogados. As teleconsultas duram, em média, 18 minutos, enquanto a ida ao especialista poder levar dias, semanas ou, até, meses para ser agendada. “O projeto é muito bom, porque a troca de informações entre médicos sempre ajuda o paciente, que, de posse de diagnóstico mais rápido, começa mais cedo seu tratamento”, observa Hebert Honório da Silva, médico do Centro de Saúde Waldomiro Lobo. Ele já participou de várias teleconsultas e atesta a eficiência do sistema, com uma ressalva: “Algumas vezes o som não é muito claro e atrapalha a conversa”, diz.

Na frente do computador

Quando fica diante do computador, da web câmera e do microfone instalados em acomodações muito simples no primeiro andar do prédio principal do HC, o médico especialista, que dará assistência ao colega do centro de saúde, já está munido de informações do prontuário do paciente e sobre o caso em questão. Fotos e transmissão de exames facilitam a consulta pela segunda opinião médica, garante o professor de Clínica Médica Ênio Pietra, que participou, pela primeira vez, do telemedicina em novembro passado. “Foi muito interessante, porque a troca de opiniões funciona. Imagina o dia em que fizermos cirurgias utilizando também esse tipo de recurso”, observa. A teleconsulta de Pietra foi marcada, exatamente com Hebert Honório, para a discussão do problema de um paciente de 24 anos, com úlcera crônica de membro inferior. “Se não fosse essa oportunidade com o professor, provavelmente eu encaminharia o paciente a um especialista”, atesta Hebert Honório.

Nasa

Apesar de ser um recurso ainda pouco utilizado, a telemedicina surgiu, nos Estados Unidos, em função da corrida espacial, na década de 1960, diante da necessidade de a Nasa monitorar as funções vitais dos astronautas. No Brasil, ainda são poucos os exemplos e os que estão em operação não têm o alcance do BHTelemed.

O Hospital das Clínicas foi escolhido para comandar o projeto por ser o único capaz de atender qualquer demanda que surge nos postos de saúde. Nenhuma outra instituição hospitalar de Belo Horizonte tem o suporte clínico e acadêmico necessário ao BHTelemed, ressalta Alaneir de Fátima dos Santos, médica e coordenadora do Setor de Informatização da Secretaria Municipal de Saúde. A população do HC contabiliza mais de dois mil acadêmicos, 400 docentes, 240 médicos residentes e mais de 2,6 mil funcionários, que transitam por uma área de 50 mil quadrados de edificações.

Alaneir dos Santos lembra que o BHTelemed é um grande instrumento de Educação Continuada e que professores e médicos já reivindicam a participação de estudantes e médicos residentes nas consultas. “O BHTelemed permite não apenas discussão de casos, mas de temas”, assinala a coordenadora. Segundo ela, recursos do Ministério da Saúde, de R$ 1,5 milhão, garantirão, em três anos, a infra-estrutura de informática necessária para a implantação da BHTelemed em toda a rede pública da capital. Além disso, ressalta, o projeto está ligado à Rede Nacional de Pesquisa e a uma rede européia de telemedicina, que, graças a um financiamento da União Européia, possibilitou a implantação inicial do BHTelemed.

Para o professor Franklin Pinto Fonseca, coordenador do Serviço de Cirurgia Vascular e Endovascular do HC, o projeto de telemedicina “veio mesmo para ficar”. Em sua opinião, a agilidade que o serviço pode proporcionar aos centros de saúde favorecerá diretamente os hospitais. Mas o grande beneficiário será o paciente. “Se imaginarmos um atendimento médico do gênero em lugares distantes do Estado, onde os recursos são muito precários, perceberemos, ainda mais, a dimensão desse tipo de serviço”, atesta ele.

Aliado da vida

Maria do Céu Diel

Custo e benefício também estão em jogo no serviço de Obstetrícia do HC, onde são feitos, em média, 350 partos mensais. Há dois anos, o professor Antônio Carlos Cabral coordena a pesquisa que visa a atestar a eficiência de um aparelho de última geração, de fabricação norte-americana, utilizado em partos de alto risco. O aparelho está sendo testado em centros de saúde nos Estados Unidos, Alemanha, Polônia e no Brasil. O HC candidatou-se, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), para a validação do método e foi escolhido, junto com o Hospital Santa Maria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre muitas outras instituições do País.

O aparelho possibilita o controle da oxigenação de bebês em partos de alto risco. Chamada de “oximetria fetal de pulso”, a técnica permite que o médico, pela introdução de um sensor na bochecha do bebê, acompanhe as funções fetais – número de contrações, freqüência cardíaca e o nível de oxigenação – e as funções vitais maternas.

Com esse aparelho, utilizado nos últimos dois anos em cerca de 10% dos partos de alto risco realizados no HC, ou seja, em, aproximadamente, 160 casos, a indicação de cesarianas diminuiu muito, explica Cabral. Ainda que de alto risco, o parto é feito com total segurança. “É claro que, para muitas pacientes, a cesariana continuará sendo a melhor indicação, porém o aparelho demonstrou que funciona muito bem”, sintetiza o médico. Segundo ele, a validação do método só será feita depois do estudo dos resultados obtidos em todos os centros de saúde onde o aparelho vem sendo testado. Caso o teste seja positivo, o aparelho permanecerá no Hospital das Clínicas – e, aí, o único problema passará a ser seu custo de manutenção. Cada sensor colocado no bebê custa cerca de U$ 100. Cabral acredita que o Sistema Único de Saúde deve incluir o serviço no cadastro de assistência de alta complexidade. “O custo de uma cesariana é maior e, por isso, além da preservação da saúde da mãe e do feto, o uso do aparelho compensa o gasto”, conclui o especialista.

Minha adorável lavanderia

O Hospital das Clínicas da UFMG ostenta números grandiosos. Somente pelo SUS, o hospital realiza 30 mil consultas mensais, fora os cerca de seis mil atendimentos de urgência; 750 cirurgias nas 24 salas dos blocos cirúrgico e obstétrico; 2,3 mil cirurgias ambulatoriais e mais de 70 mil exames laboratoriais. Um mundo de números que acaba ganhando individualidade em cada peça de roupa, de uso pessoal ou não, que chega à lavanderia do HC, instalada nos andares subterrâneos do prédio. Ali, mais de 60 funcionários revezam-se na lavação de quase 100 toneladas de peças por mês, numa ordem tão orquestrada, que não deixa escapar detalhes – como minúsculos furos em panos de embalagem de material cirúrgico e de curativos ou o PH exato das roupas que cobrirão bebês recém-nascidos.

“Temos 300 itens na rouparia, sem contar os tamanhos que diferenciam as roupas de uso pessoal”, resume Márcia Regina Vieira, gerente do Serviço de Processamento de Roupa e Esterilização de Materiais. Ela lembra que grande parte do controle de infecção hospitalar é feito na lavanderia. São 500 quilos de detergente por mês, a mesma quantidade de cloro e, também, de amaciante. “Tudo que sair daqui precisa estar livre de contaminação”, insiste Márcia Vieira. Lavadas, secas, passadas ou esterilizadas, as roupas, ainda que gastas pelo tempo e pelo uso incessante, são o retrato da eficiência necessária em uma instituição como o HC. “Sabemos dos riscos do nosso serviço e da responsabilidade que temos ao dar a garantia da desinfecção”, salienta Márcia.

Mas não é somente esse tipo de garantia que preocupa a gerente da lavanderia. “Num hospital público, é preciso otimizar gastos”, afirma. Um lençol utilizado no HC custa cerca de R$ 17 e, com o uso constante, não passa de seis meses. Um capote cirúrgico, indumentária indispensável aos médicos que trabalham nos blocos, chega a custar até R$ 43. Se apresentar qualquer furinho, tem que ser reconstituído ou transformado em outra peça, já num processo de aproveitamento de todo e qualquer tipo de pano que circula pela lavanderia.

Na ponta do lápis

Esses gastos são contabilizados na ponta de um lápis que sabe, perfeitamente, das carências de um hospital público. “Pensamos em custo e benefício o tempo todo”, diz Márcia É nessa linha que o HC começa a implantar, na sua rouparia, a etiquetação eletrônica, controle feito a partir de códigos de barra. Depois de muito pesquisar, Márcia descobriu um sistema que utiliza etiquetas importadas, porém muito caras. Por isso, começou a testar etiquetas nacionais, que, por não serem próprias para uso hospitalar, estão apresentando defeitos. Esse processo, iniciado há cerca de um ano, vai permitir não só um controle interno mais ágil – feito, hoje, manualmente –, também o roubo será impedido e as perdas, por transferências de paciente para outras unidades hospitalares, minimizadas. “Teremos como saber exatamente com quem a peça saiu e para onde o paciente foi. Daí, poderemos recuperá-la”, avalia Márcia. Ela destaca que esse tipo de extravio de roupas é muito comum e pesa no orçamento do Hospital. “Por isso, vale o investimento nesse modelo de controle”, assinala.