Revista da Universidade Federal de Minas Gerais
Ano 1 - nº. 1 - 2002

Editorial

Entrevista
Reitora discute cotidiano da UFMG

Médicas
Os laços são estreitos com a comunidade

Biológicas
Os bichos são os grandes aliados

Ciências Sociais Aplicadas
Multidisciplinaridade é a marca delas

Ciências da Terra
Ligados no ambiente do planeta terra

Ciências Exatas
O lúdico pôs para correr a imagem de bicho-papão

Engenharias
Eles estão pintando o sete

Humanas
Programas privilegiam a cidadania

Artes
Um bálsamo para a vida

Fump
Acolhimento garante permanência

Hospital das Clínicas
Onde ensino e pesquisa combinam com assistência

Pólo do Jequitinhonha
Desenvolvimento sem abrir mão da regionalidade

Manuelzão
Rio das Velhas ganha novos ares

Cultura
Produção cultural para todos os gostos

Editora
Em sintonia com o mercado

UFMG Diversa
Expediente

Outras edições

Biológicas

Suave veneno

Toxinas animais isoladas por pesquisadores do ICB ajudam a salvar vidas e a melhorar produção agrícola

Aranhas e escorpiões fazem parte do dia-a-dia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), em especial do departamento de Farmacologia. Nada mau, porque as toxinas produzidas por esses animais peçonhentos ajudam os pesquisadores a desenvolver medicamentos, bioinseticidas e também soros. A caracterização dessas toxinas faz parte de um amplo projeto, as Neurotoxinas e a Biotecnologia, que envolve professores, alunos e parcerias com instituições fora da UFMG, como a Embrapa, de Sete Lagoas.

Osvaldo Afonso

São pouquíssimos, em todo o mundo, os medicamentos formulados à base de venenos animais. No exterior, o primeiro para uso comercial só foi liberado recentemente. É o Ziconotida, feito a partir de substâncias retiradas de caramujo marinho e destinado a pacientes terminais que sofrem dores intensas. Um outro, bastante difundido nos últimos anos por causa de seu uso na cirurgia plástica, é o Botox, produzido por multinacionais a partir da toxina específica de uma bactéria. Coordenada pelo professor Marcus Vinícius Gomez, a pesquisa na UFMG caminha na mesma direção e já comprovou que toxinas de aranhas e escorpiões são capazes de controlar a dor e regular os batimentos cardíacos, além de interferir no tratamento de isquemias cerebrais. O que se tenta agora é conhecer as doses ideais para a produção dos medicamentos.

O ICB trabalha também para melhorar soros antiescorpiônicos e antiaracnídeos, tornando-os mais eficientes. Em colaboração com a Universidade Federal do Paraná, a UFMG desenvolveu um dos produtos utilizados para a produção de soros contra a “aranha marrom”, um grande problema social no Sul do País. Por causa de um desequilíbrio ecológico, a população desse tipo de aranha se alastrou enormemente, e as práticas de combate têm sido ineficazes.

A picada da aranha marrom não dói, mas pode causar, além de graves problemas renais, necroses que exigem, muitas vezes, enxertos de pele. A UFMG entrou com pedido de patente do soro, e os pesquisadores agora analisam as possibilidades de desenvolvimento da vacina contra a picada dessa espécie. Os testes em animais ainda não foram concluídos. Mas em fase de produção está o soro contra o escorpião amarelo, comum na capital mineira. Dessa pesquisa participou também o professor Carlos Chavez Olortigui, do departamento de Bioquímica.

Na área agrícola, os animais peçonhentos podem ser grandes aliados no combate às pragas de lavouras. No Laboratório de Biologia Molecular de Toxinas, coordenado pelo professor Evanguedes Kalapothakis, a busca é por um bioinseticida contra a praga do milho, a lagarta Spodoptera frugiperda. A pesquisa é realizada em conjunto com a Embrapa. A tática é controlar as lagartas por meio de seus inimigos naturais, os baculovírus, que serão potencializados por uma estratégia desenvolvida nos laboratórios. Segundo Kalapothakis, o genoma do baculovírus está sendo modificado com a introdução de genes que produzem as toxinas capazes de combater a lagarta. Com a modificação genética, o baculovírus fica muito mais potente, e a praga do milho é exterminada tanto pela ação do vírus quanto pela toxina.

Genoma, mais propriamente, o Programa Genoma Brasileiro, também é assunto dos laboratórios do ICB. Criado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia a partir do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o Programa é integrado pela UFMG e várias outras instituições de pesquisa que estão seqüenciando o DNA da bactéria Chromobacterium violaceum, encontrada principalmente no Rio Negro, na região amazônica. Essa bactéria pode ser eficaz no tratamento de doenças, como Chagas, malária e leishmaniose, mas também útil na produção de polímeros plásticos biodegradáveis. “O trabalho está quase pronto”, diz a professora Glória Regina Franco. Rede semelhante de pesquisadores foi formada para integrar projetos regionais. Em Minas Gerais, o seqüenciamento do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, é responsabilidade de pesquisadores da UFMG.

Foi, ainda, por experiências realizadas em um laboratório do ICB que o Brasil conheceu a diversidade genética de seu povo. Os brasileiros são uma mistura de genes de europeus, africanos e asiáticos. Graças à pesquisa, sabe-se que, no Brasil, vive a população com a maior diversidade gênica do mundo. Comandada pelo professor Sérgio Pena, do departamento de Bioquímica e Imunologia, a pesquisa integra o Projeto Diversidade Genômica Humana, que estuda os genes que diferenciam as populações e indivíduos entre si e que faz parte do Projeto Genoma Humano – liderado principalmente pelos Estados Unidos e pela Inglaterra.

No Laboratório de Leishmaniose, o professor Wilson Mayrink também provou o quanto valem esforços de anos. Há 31 anos, ele insiste em pesquisas que já resultaram na vacina terapêutica contra a leishmaniose e cujos trabalhos continuam para a formulação da vacina preventiva. O registro da vacina terapêutica foi liberado pelo Ministério da Saúde, o que possibilita a sua produção comercial, a cargo da Biomm, uma empresa nascida da recente divisão da mineira Biobrás, com sede em Montes Claros. Segundo Luciano Vilela, um dos diretores da Biomm, a empresa está se estruturando para a fabricação da vacina. “Temos o know-how, e a titularidade está sendo transferida da Biobrás para a Biomm”, diz ele.

O professor Mayrink dedicou sua vida à descoberta da vacina contra a leishmaniose, o que continua fazendo mesmo depois de aposentado. “Aqui no laboratório, eles cedem um espaço para eu ficar chateando eles”, brinca. Depois de anos seguidos de testes, a vacina terapêutica não apresentou efeitos colaterais nem contra-indicações. Agora é a vez de a vacina preventiva passar pelo mesmo processo, o que vem sendo feito com pessoas em Minas Gerais e na Colômbia. Segundo o professor, essa fase está perto do final. “Em um ou dois anos, a vacina poderá ser submetida também ao Ministério da Saúde para permissão de produção”, afirma. A leishmaniose é uma doença típica de países pobres, causada pelo parasita Leishmania. A doença está presente em pelo menos metade dos municípios mineiros. No Brasil, cerca de 35 mil casos novos são registrados por ano.

Eu quero é mel

Laboratório destaca a importância das abelhas para o ecossistema e promove catalogação de espécies

Osvaldo Afonso

Mesmo pairando sobre algumas espécies a ameaça de extinção, as abelhas são totalmente desconsideradas quando se trata de avaliar impactos ambientais para qualquer tipo de obra. A conseqüência não é apenas o risco de sumiço delas próprias, mas o desaparecimento também de espécies da flora, já que as abelhas são agentes polinizadores. “Por isso, consideramos que as abelhas desempenham papel-chave na natureza”, diz o professor Fernando da Silveira, do departamento de Zoologia. Ele lembra que mamíferos, aves e peixes são alvo dos estudos de preservação quando da alteração de um hábitat, mas invertebrados, como aranhas ou minhocas, não são privilegiados, apesar de sua importância para o equilíbrio ecológico.

No Laboratório de Sistemática e Ecologia da Abelha, no ICB, o inseto ganha o realce que tem na natureza e do qual muitos nem desconfiam. Silveira destaca que os relatórios ambientais não atentam para as abelhas, até mesmo porque os profissionais não têm muitos parâmetros para identificação das espécies. Na tentativa de mudar essa situação, o Laboratório do ICB realiza pesquisas que comprovam a incrível diversidade das abelhas. Só em Belo Horizonte, destaca o professor, são cerca de 300 espécies. No Estado, essa lista pode chegar a mil e, no Brasil, entre cinco e seis mil. “A idéia é criar as condições para que as abelhas possam ser conhecidas”, resume.

O primeiro passo será o lançamento de um livro, praticamente pronto, em conjunto com o professor Gabriel Rodrigo de Melo, da Universidade Federal do Paraná, e o biólogo mineiro Eduardo Almeida, sobre as espécies brasileiras já catalogadas. O livro é uma compilação do que existe na literatura especializada. Um segundo livro será o resultado da pesquisa de campo sobre as espécies existentes em Minas Gerais. Para isso, está sendo feito um minucioso monitoramento da fauna de abelhas por regiões – cerrado, mata atlântica, campos rupestres, campos de altitude e caatinga.

Apesar de ainda ter muito trabalho pela frente, os pesquisadores já podem dizer que várias espécies estão ameaçadas de extinção. Hoje, apenas uma espécie é tida como ameaçada em Minas Gerais, a uruçu amarela. A pesquisa do ICB inclui, numa terceira etapa, um estudo sobre as condições ambientais necessárias para que espécies não desapareçam. “Algumas só fazem ninhos em determinadas plantas; então, é necessário garantir a sobrevivência dessas plantas também na região”, explica. Num quarto momento, os pesquisadores estarão voltados para a criação de um plano de manejo para a conservação das espécies.

O sabor da tradição

Estudos padronizam paladar da cachaça mineira, do queijo minas e do polvilho azedo

Saccharomyces cerevisiae. Esse é o nome do fungo predominante na levedura (fermento que transforma o caldo de cana em álcool) das cachaças artesanais mineiras. Com a ajuda do departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas, os produtores estão descobrindo que a cachaça mais famosa do País não é nunca uma só, mesmo que saída de um único alambique. Depois de visitar 80 destilarias no Estado, a equipe do professor Carlos Rosa comprovou a resistência da Saccharomyces cerevisiae e atestou que, durante uma mesma safra, a cachaça muda várias vezes, porque as raças de fungos são várias.

“O que se viu foram várias raças de fungo dominando a fermentação, porque uma vai matando a outra”, explica Rosa, lembrando que a fermentação da cachaça tem um ciclo de 24 horas, até que o líquido siga para o alambique. Há quatro anos, os pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Biotecnologia de Leveduras visitam os produtores e formam um banco de Saccharomyces cerevisiae, onde já existem três mil desses fungos isolados. A pesquisa irá contribuir para o padrão de qualidade da cachaça mineira, pois, dos grandes aos informais produtores, todos poderão partir para um processo de seleção dos fungos que compõem a levedura. O resultado será a padronização da cachaça – ela terá sempre os mesmos organismos e, por isso, o mesmo sabor e qualidade.

Carlos Rosa
Tecnologia da UFMG está presente em alambiques de todo o Estado, apoiando um dos setores mais importantes da economia mineira

Três produtores do Norte de Minas Gerais estão participando da pesquisa. Eles já fabricam a “branquinha” de acordo com fungos selecionados. “Nossa proposta é oferecer a tecnologia”, destaca Rosa, lembrando que os produtores de cachaça movimentam uma significativa parte da economia mineira, apesar de a grande maioria, quase 85%, estar na informalidade. Essa é a situação também de outro setor pesquisado por Rosa. Tanto quanto a cachaça, o queijo curado é parte das tradições mineiras. Mas os pequenos produtores de queijo na Serra da Canastra, na região da cidade do Serro e do Salitre (nas proximidades de Araxá), trabalham em condições desfavoráveis, do ponto de vista sanitário.

Os problemas aparecem logo no início da produção, quando os fabricantes não abrem mão do leite cru, e continuam durante todo o processo. O que os pesquisadores estão fazendo é a caracterização dos microorganismos presentes, conforme as condições higiênicas e sanitárias onde os famosos queijos são produzidos. Com essa caracterização é possível orientar os envolvidos sobre os possíveis pontos, e não são poucos, de riscos de contaminação do queijo. São cerca de 900 produtores, só na Serra da Canastra, que vivem do queijo, daí a importância das mudanças no processo, como forma de sobrevivência da tradição e de geração de renda.

Durante a pesquisa, duas alunas de doutorado ajudam os pequenos produtores na implementação das boas práticas de fabricação. A equipe acompanhará os resultados das mudanças, caracterizando ainda as “boas populações microbianas” do queijo e que poderão interferir mais diretamente em fabricações futuras.

Na mesma linha, a equipe do ICB investiga o processo de fabricação do polvilho azedo, muito utilizado na culinária mineira. Na região de Conceição dos Ouros, onde se concentra um grande número de produtores, os pesquisadores verificam as condições em que se dá a fermentação necessária do produto. Eles estão analisando os métodos e as conseqüências de fabricação em duas empresas da região.